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O natal foi uma ocasião maravilhosa e assustadora. Maravilhosa porque seria o meu primeiro num lar de verdade, e assustadora porque eu seria oficialmente apresentada a toda a família, leiam-se então avós, tios, primos e até um tio-avô completamente surdo. Até hoje me lembro do meu vestido de veludo, que foi escolhido cuidadosamente para a ocasião, num tom de vermelho-escuro, quase vinho, mangas compridas e gola branca de renda. Lembro-me de Gemma arrumando meu cabelo e colocando uma fita da mesma cor do vestido. Mas, quando chegou a hora de aparecer, quem disse que eu saía do quarto? Nenhum argumento foi forte o suficiente para me fazer mudar de ideia. Travei completamente, estava apavorada demais, imaginando ter de encarar um monte de adultos e crianças estranhas e respondendo a perguntas inconvenientes.

E se não gostassem de mim? Se me achassem diferente ou até esquisita? Fiquei deitada na minha cama, de costas para a porta, vendo a neve cair pela janela, ouvindo os convidados chegando lá em baixo, enquanto lágrimas silenciosas rolavam por minha face. Estava me sentindo péssima, meus pais estavam muito empolgados por terem essa oportunidade de me apresentar, durante aquela semana gastaram um tempo enorme com os preparativos e convites. De verdade eu queria poder agradar a eles, mas não conseguia, tremia de medo só de me imaginar naquela situação. E então, além de apavorada, também estava triste por decepcioná-los daquela forma. Estava assim, mergulhada em minha pequena tragédia pessoal, quando ouvi a porta do quarto abrir e fechar; automaticamente fiquei alerta, mas não me virei, só escondi o rosto no travesseiro.

- Você não vai descer mesmo? - alguém disse bem baixinho atrás de mim.

Assim que reconheci o dono daquela voz, virei-me abruptamente, sentando-me, em seguida olhei e confirmei: era ele, Harry. Não conseguia falar, só mexi com a cabeça de um lado para o outro, em resposta negativa, e ele suspirou. Ele usava um pulôver de lã do mesmo tom dos seus olhos e uma calça comprida escura. O cabelo, surpreendentemente, estava bem penteado, cheio de gel, e imaginei que somente à minha mãe poderia ser creditado aquele milagre. Aos meus olhos, ele se parecia mais com um príncipe do que nunca, e o olhava completamente abobalhada.

- Por quê? - ele perguntou. Eu estava tão distraída, admirando-o, que esqueci o que ele tinha me perguntado.

- Por que o quê? - perguntei também, sentindo-me muito estúpida.

- Por que você não vai descer? - repetiu pacientemente.

Olhei para ele, para seu rosto, procurando por algum sinal de escárnio, mas só encontrei um olhar calmo e contido.

- Estou com medo - disse por fim.

Ele continuou me olhando com curiosidade e começou a se mover, caminhando em direção à janela e ficando de costas para mim.

- Às vezes eu também tenho medo - falou, depois de dar um suspiro.

- Verdade? - perguntei surpresa, enquanto fungava o nariz.

- Sim, pessoas me olhando sempre me deixam nervoso. - Ficamos um momento em silêncio, até que ele se virou para mim de novo, com o rosto sério. - Você quer saber o que eu faço quando me sinto assim?

- Sim - respondi baixinho. Ele deu alguns passos, aproximando-se, e se sentou na beirada da minha cama.

- Eu conto, mas você tem que me prometer nunca dizer isso para ninguém, promete? Ele perguntou aquilo olhando firmemente dentro dos meus olhos, demonstrando que iria fazer uma revelação importante.

- Prometo - respondi curiosa, aguardando o que viria.

- Certo. Esse vai ser o nosso segredo! - Em seguida, ele coçou a cabeça, parecendo indeciso sobre como começar. - Bem, pode parecer meio estranho a princípio, mas quando estou assim, nervoso, ou com medo de enfrentar um monte de gente desconhecida, fecho os meus olhos e me imagino num palco vazio, como se fosse um teatro e estivesse ali para atuar, para representar uma cena ou para dizer um texto. Não tem ninguém na plateia, então posso ser o que quiser naquele momento, posso dizer o que quiser, porque eu sei que tenho um lugar onde estou protegido, onde não tem ninguém para me julgar. Então, quando imagino isso, fico mais calmo e faço o que tenho de fazer. Depois de ouvi-lo, fiquei refletindo por um tempo sobre o que ele havia me falado, e achei muito interessante como Harry tinha criado esse refúgio dentro dele mesmo. - Que tal, você quer tentar? - perguntou, um pouco inseguro.

- Tentar o quê? - eu disse, piscando os olhos repetidas vezes.

- Fechar os olhos e fazer de conta que está num palco, talvez isso ajude você também a se acalmar.

- Mas... E se... - Antes que eu pudesse concluir, Harry segurou minha mão e me ofereceu o mais lindo dos sorrisos.

- Eu vou estar com você o tempo todinho!

E foi exatamente naquele momento em que eu senti que Harry talvez apenas talvez não me odiasse mais como antes.

uncontrollably fond // hs Onde histórias criam vida. Descubra agora