Prólogo

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6 de junho de 1944. David se encontrava no convés do navio abarrotado de americanos, franceses, canadenses e britânicos, todos calados, todos esperando pelo mesmo destino.

Avistavam a costa de Normandia, onde fariam um ataque surpresa aos alemães, onde vingariam as milhões de vidas que o soldado nazista enviou para a cova.

David se sentia enjoado, não sabia se pelo cheiro de urina e suor, pelo balanço do navio ou pela guerra que se seguiria. Sabia que o general Dwight D. Eisenhower tinha escolhido aquele lugar pela proximidade com a Inglaterra, assim, ficaria fácil o transporte de suprimentos e armamentos.

O coração do homem de 32 anos estava apertado, tinha acabado de receber a notícia de que a esposa teria um bebê, mal tivera tempo de festejar e logo foi chamado para a guerra. Aquilo não era vida para ninguém...

O café da manhã farto se revirava em seu estômago e aquilo o fez pensar que pareciam bois indo para o abate, primeiro os deixavam gordos e cheios para depois os matarem. As palavras do general, horas antes quando dava as devidas instruções, ainda ecoavam em sua mente: "Soldados, marinheiros e aviadores da Força Expedicionária Aliada! Vocês estão prestes a embarcar em uma grande cruzada rumo àquilo para o qual nós nos esforçamos nesses últimos muitos meses. Os olhos do mundo estão sobre vocês. As esperanças e orações das pessoas de todo lugar que amam a liberdade marcham com vocês".

"As esperanças e orações das pessoas". Era aquilo que David era.

O cabelo ensebado aia-lhe os olhos, costumava ser um homem bonito, cabelos ruivos, encorpado, porém, os anos servindo na guerra lhes tiraram os cabelos brilhantes e o olhar alegre e jovial e lhe deram cicatrizes, tanto na pele quanto na alma.

Os devaneios foram sumindo à medida que o navio ancorava e os guerreiros saiam correndo. David não procurou se mover depressa, o corpo parecia agir sozinho e logo estava na terra. Seus companheiros já atiravam e como previsto chegaram de surpresa, mas o exército alemão não demorou muito para se recuperar.

As balas passavam zunindo por seu ouvido e vários amigos já jaziam na areia. Aquele homem não podia continuar ali, pensava na mulher e no bebê que estava em seu ventre, não podia deixar que aquela criança nascesse sem pai. Sem pensar muito correu para a floresta que havia ali perto, fugiu, era um covarde, mas não importava, seria um covarde por sua família.

Correu o mais rápido que a areia permitia, mas não foi o suficiente, a dor - já conhecida de outras batalhas - invadiu sua perna, um pouco abaixo do joelho. Se virou e atirou contra o maldito nazista que o baleara. Não sentia pena, aqueles homens eram demônios.

Cabaleando conseguiu adentrar a floresta e logo sentiu algo diferente: estava frio e extremamente quieto, os sons da batalha pareciam ter diminuído consideravelmente e logo David caiu atrás de uma moita. O ferimento queimava e já estava sujo de areia e suor, não iria conseguir ir mais longe.

As lágrimas encheram-lhe os olhos e David pediu perdão pois não ia voltar para casa a tempo do jantar, a tempo de ver a criança crescer. Pediu aos céus que livrasse o povo do demônio nazista e que seu bebê tivesse um futuro.

Olhou para a perna e viu que a bala atingira um osso, o ferimento sangrava muito o que indicava que era muito pior do que David pensara, haviam poças ao seu redor.

O homem que ainda tinha fé na humanidade se deitou e deixou sua mão junto a foto da esposa no bolso da calça, pediu desculpa mais uma vez.

O ruivo olhou em volta e pensou que aquela floresta era mais sombria e fria do que qualquer outra. Um vulto apareceu à sua esquerda, tão rápido que era quase imperceptível, nenhum humano podia se movimentar naquela rapidez.

Mais uma vez, a direita agora. Devia estar tendo alucinações devido à perda de sangue pois o que ele viu momentos antes da dor excruciante invadir seu peito foi algo impossível: brilhantes olhos vermelhos como rubis. 


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