Capitulo 1 - A revolução reversa

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Os olhos de Prim brilham. Por um instante ela diz meu nome, seus lábios o imitam e vejo que o desespero em sua expressão corporal diminui. Sorrio sem perceber. Mas logo não sei como agir, meu corpo quer ir até ela, minha mente diz que é perigoso demais. Prim se abaixa e continua a auxiliar uma crianca que se encontra severamente machucada. A faixa com um M em seus bracos me enche de orgulho e medo. Ela está em meio à guerra. Prim está onde desejei tirá-la desde que me voluntariei para seu lugar no meu primeiro Jogos Vorazes. Porém naquele instante não há absolutamente nada a dizer. Apenas tentar me aproximar e abracar minha irmã mais uma vez.
Mais um pacote explode ao tocar o chão, muito perto de nós, enquanto me movo em direcao a ela. Percebo que um dos paraquedas esta vindo muito rapidamente em direção à minha irmã e meu primeiro impulso é o de alcançar minha aljava e tirar dela uma das flechas menos ofensiva possível e atirá-la em direção ao explosivo. Um sopro surdo e depois estrondoso segue pelo ar e uma enorme bola de fogo se forma acima de nossas cabeças. Meu ouvido esquerdo reclama, apenas ele, já que o outro sequer tem sensibilidade para tal tipo de estímulo. Olho para os lados, Gale não está mais ali, não vejo nenhum rosto conhecido e meu horizonte só visa Prim. Pulo a barreira que separa o resto dos rebeldes de onde supostamente Snow prometera salvar primeiro as criancas, e a maioria delas já está morta ou dilacerada. Aquela barbaridade, a visão de pedacos humanos pequeninos e espalhados pelo pátio da mansão de Snow, provoca asco em todos ao meu redor. Chego até Prim, que tenta ajudar o máximo de pessoas que pode ao mesmo tempo, e seus olhos estão tão marejados quanto os meus.
Todos aqueles homens de branco, escondidos por trás da indumentária rígida da Capital, soltam suas armas e alguns deles correm desesperados em meio aos restos humanos. Aquelas criancas eram seus filhos, seu sangue. E Snow acabara de matar todos eles ou deixar marcas que durariam para sempre. Prim segura minha mão forte.
- Acabou, Katniss.
Não digo nada, mas entendo o mesmo que ela e todos ao redor, agora atônitos e boquiabertos. Ela solta minha mão e dribla os escombros, indo ao encontro do resto da equipe médica que agora tenta ajudar em mais tranquilidade. Ninguém mais resiste. Os pacificadores tiram seus capacetes e comecam a procurar afoitos por seus familiares, seus filhos, sobrinhos, irmãos. Enquanto Prim continua por ali, olho ao meu redor e apenas uma palavra consegue se formar em minha mente: Snow. Eu mato Snow. Daí sim tudo estará acabado.
Tenho em mente que Snow não estará mais na mansão. Ele é esperto demais para simplesmente esperar pela morte, ou se render. Mesmo assim marcho pelo enorme corredor branco e a porta de entrada de sua morada é meu único horizonte, a partir de então. Estou me aproximando com tanta velocidade, sem nenhuma interrupcao, que minhas têmporas comecam a vibrar e minha visão vai ficando turva. A adrenalina não sabe mais se manter contida dentro do meu corpo. Meus olhos agora doem, a claridade refletida na imensidão gélida da Casa Branca quase me cega, mas nada me impede de dar um passo de cada vez, e cada vez um a menos em direcão ao meu destino. Subo três degraus de escada e giro a macaneta lentamente abrindo o silencio do enorme hall. Vejo apenas testemunhas inóspitas do excesso de poder e soberba de nosso presidente: os móveis fixos, inanimados. Todos estão em ordem, em perfeita sintonia e calma, nem parecem objetos em meio a uma revolucao. Mais uma prova de que a distancia entre Snow e a miseria de Panem, a distancia entre a Capital e todos os Distritos é vergonhoso, inescrupulosa.
Ouco um ruído alto, um som estridente e tapo os ouvidos com a velocidade de um lince assustado. Abaixo a cabeca apavorada, ja não sei mais qual o limite entre seguranca e um novo casulo. Consigo abrir meus olhos bem e percebo que nao há nada por perto, mas logo entendo que o tal barulho vem da televisão posicionada no centro da sala, sobre uma mesa arredondada de madeira bem esculpida e brilhantemente reluzida pela luz natural que vem do lado de fora da casa. A insígnia da Capital aparece na tela projetada e o Presidente Snow já está bem longe dali. Sinto meus dentes trincando em raiva, mas tento prestar atencão em seu discurso, assim poderia ter alguma dica de seus próximos passos.
- Cidadãos e cidadãs de Panem. O desespero tomou conta de toda a nossa amada Capital. Olho para os lados e vejo escombros, ruínas majestosas, mas nem um pouco significantes. Vejo medo e vejo a ameaça de uma rebelião que se tornou perigosa, por tão desenfreada. Os Distritos, posicionados junto à aspirante noviça ao nosso poder, presidente Coin, varreram nossa capital como se fossemos pedaços inescrupulosos de lixo. No entanto, em momento algum tais patifes conseguiram apagar nosso prestígio e nossa altivez moral. O fardo e benção de sermos superiores é indestrutïvel, meus caros. Todos, neste momento, podem estar imaginando que profano alguma de minhas demagogias, as quais confesso, às vezes são necessárias. Para lidar com tal nível de barbarismo, é necessário sermos gladiadores em meio a leões não domados... A vocês, no entanto, direciono minhas mais diretas palavras. Alerto-vos sobre algo verídico e asseguro máximo sinceridade.
Snow toma um fôlego interminável e seu olhar traz uma seriedade quase misericordiosa. Falsa.
- Nossa artilharia pode ser magnífica e nosso armamento derramar o sangue sujo dos inconformados; nossos pacificadores podem ser cruéis ao pesar a mão da lei contra os rebeldes supérfluos. Contudo, jamais nosso povo seria mutilado. Pequenas e nobres almas da Capital acabam de ser dilaceradas, meus conterrâneos, por forcas que vieram dos Distritos. Crianças mortas servem, agora, de tapete à rebelião. Incapaz de tal ato perverso, posso com consciência ilibada afirmar: a perda de nossos filhos se deve às forcas de Coin. Forças impulsionadas pela tolice do símbolo ensanguentado de revolucao. Forças impulsionadas pelo Tordo.
Katniss Everdeen.

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⏰ Última atualização: Dec 06, 2015 ⏰

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