Um deles viu o soldadinho de chumbo e exclamou:
- Olhe! Um soldadinho! Será que alguém jogou fora porque ele está quebrado?
- É, está um pouco amassado. Deve ter vindo com a enxurrada.
- Não, ele está só um pouco sujo.
- O que nós vamos fazer com um soldadinho só? Precisaríamos pelo menos meia dúzia, para organizar uma batalha.
- Sabe de uma coisa? - Disse o primeiro garoto. - Vamos colocá-lo num barco e mandá-lo dar a volta ao mundo.
E assim foi. Construíram um barquinho com uma folha de jornal, colocaram o soldadinho dentro dele e soltaram o barco para navegar na água que corria pela sarjeta.
Apoiado em sua única perna, com o fuzil ao ombro, o soldadinho de chumbo procurava manter o equilíbrio.
O barquinho dava saltos e esbarrões na água lamacenta, acompanhado pelos olhares dos dois moleques que, entusiasmados com a nova brincadeira, corriam pela calçada ao lado.
Lá pelas tantas, o barquinho foi jogado para dentro de um bueiro e continuou seu caminho, agora subterrâneo, em uma imensa escuridão. Com o coração batendo fortemente, o soldadinho voltava todos seus pensamentos para a bailarina, que talvez nunca mais pudesse ver.De repente, viu chegar em sua direção um enorme rato de esgoto, olhos fosforescente e um horrível rabo fino e comprido, que foi logo perguntando:
- Você tem autorização para navegar? Então? Ande, mostre-a logo, sem discutir.
O soldadinho não respondeu, e o barquinho continuou seu incerto caminho, arrastado pela correnteza. Os gritos do rato do esgoto exigindo a autorização foram ficando cada vez mais distantes.
Enfim, o soldadinho viu ao longe uma luz, e respirou aliviado; aquela viagem no escuro não o agradava nem um pouco. Mal sabia ele que, infelizmente, seus problemas não haviam acabado.
A água do esgoto chegara a um rio, com um grande salto; rapidamente, as águas agitadas viraram o frágil barquinho de papel.O barquinho virou, e o soldadinho de chumbo afundou.
Mal tinha chegado ao fundo, apareceu um enorme peixe que, abrindo a boca, engoliu-o.
O soldadinho se viu novamente numa imensa escuridão, espremido no estômago do peixe. E não deixava de pensar em sua amada: "O que estará fazendo agora sua linda bailarina? Será que ainda se lembra de mim?".
E, se não fosse tão destemido, teria chorado lágrimas de chumbo, pois seu coração sofria de paixão.
Passou-se muito tempo - quem poderia dizer quanto?
E, de repente, a escuridão desapareceu e ele ouviu quando falavam:
- Olhe! O soldadinho de chumbo que caiu da janela!
Sabem o que aconteceu? O peixe havia sido fisgado por um pescador, levado ao mercado e vendido a uma cozinheira. E, por cúmulo da coincidência, não era qualquer cozinheira, mas sim a que trabalhava na casa do menino que ganhara o soldadinho no aniversário.
Ao limpar o peixe, a cozinheira encontrara dentro dele o soldadinho, do qual se lembrava muito bem, por causa daquela única perna.
Levou-o para o garotinho, que fez a maior festa ao revê-lo. Lavou-o com água e sabão, para tirar o fedor de peixe, e endireitou a ponta do fuzil, que amassara um pouco durante aquela aventura.
Limpinho e lustroso, o soldadinho foi colocado sobre a mesma mesa em que estava antes de voar pela janela. Nada estava mudado. O castelo de papel, o pequeno bosque de árvores muito verdes, o lago reluzente feito de espelho. E, na porta do castelo, lá estava ela, a bailarina: sobre uma perna só, com os braços erguidos acima da cabeça, mais bela do que nunca.O soldadinho olhou para a bailarina, ainda mais apaixonado, ela olhou para ele, mas não trocaram palavra alguma. Ele desejava conversar, mas não ousava. Sentia-se feliz apenas por estar novamente perto dela e poder amá-la.
Se pudesse, ele contaria toda sua aventura; com certeza a linda bailarina iria apreciar sua coragem. Quem sabe, até se casaria com ele...
Enquanto o soldadinho pensava em tudo isso, o garotinho brincava tranqüilo com o pião.
De repente como foi, como não foi - é caso de se pensar se o geniozinho ruim da cigarreira não metera seu nariz -, o garotinho agarrou o soldadinho de chumbo e atirou-o na lareira, onde o fogo ardia intensamente.
O pobre soldadinho viu a luz intensa e sentiu um forte calor. A única perna estava amolecendo e a ponta do fuzil envergava para o lado. As belas cores do uniforme, o vermelho escarlate da túnica e o azul da calça perdiam suas tonalidades.
O soldadinho lançou um último olhar para a bailarina, que retribuiu com silêncio e tristeza. Ele sentiu então que seu coração de chumbo começava a derreter - não só pelo calor, mas principalmente pelo amor que ardia nele.
Naquele momento, a porta escancarou-se com violência, e uma rajada de vento fez voar a bailarina de papel diretamente para a lareira, bem junto ao soldadinho. Bastou uma labareda e ela desapareceu. O soldadinho também se dissolveu completamente.
No dia seguinte, a arrumadeira, ao limpar a lareira, encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor.
Da pequena bailarina de papel só restou a minúscula pedra azul da tiara, que antes brilhava em seus longos cabelos negros.
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ALGUMAS HISTÓRINHAS
HumorNesse livro haverão histórias infantis para você ler, se divertir; Contar para os amigos, filhos, irmãos, primos e para quem quiser. As histórias vão ser legais, divertidas, com rimas e muito mais. As histórias podem ser contos de fadas, crônicas, f...