Capítulo 4

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     Trauma. Pensei logo depois de ter decidido o que era aquele sentimento estranho em meu peito. Aquele que fazia meu coração bater mais rápido. Um misto de adrenalina, desconfiança e medo. Will me encarava esperando minha reação, ele havia me dito algumas coisas.

     Aparentemente, ignis é um planeta a aproximadamente 190 Parsecs de distância. O que foi uma surpresa e tanto para mim. Isso é relativamente próximo, já que a Nasa mapeou muito além de um milhão de anos luz. Como podem ter deixado um planeta habitado passar?

     Will também me disse que conseguia falar e entender meu idioma graças ao aparelho metálico em seu pulso – mais me pareceu um relógio sem ponteiros do que um aparelho alienígena. – que precisava de um lugar para passar a noite e que não era uma ameaça para mim. Estava apreensivo quanto a isso, era mais comum eu estar dormindo em minha cama confortável despreocupado com o mundo, só eu meus livros e minhas músicas... Ainda assim, senti que deveria confiar nele. Alguma espécie de instinto.

     – Porque está fazendo isso? – Perguntei já aceitando tudo como verdade.

     – O que?

     – Agora que parei para pensar... Porque você está falando isso para mim? Se eu fosse um alienígena, fugiria antes que o dono da casa acordasse... Ou eu não sairia do meu planeta.

     – Por três motivos. Preciso de um lugar para ficar e você não parava de perguntar.

     Encarei ele em silêncio.

     – Tá, e o terceiro?

     – Terceiro?

     Respirei fundo.

     – Você disse três motivos, mas só falou dois.

     – Disse três? Que estranho. – Ele respondeu simples, guardando os livros de volta na mochila.

     Esse cara é impossível. Pensei me levantando e indo em direção ao cômodo ao lado. De qualquer forma é melhor cooperar, vai que ele tem um sabre de luz naquela mochila.

     Por incrível que pareça o que mais me incomodava não era ele ser um E.T. metamorfo, e sim estar na minha casa. Talvez a ficha não tenha caído ainda, é muita informação para digerir.

     – Meu Deus isso fica cada vez mais complicado... – Resmunguei abrindo um pote de geleia. Lancei um olhar sobre a bancada que tinha vista para a sala de estar. Lá estava ele me observando com o queixo apoiado em uma das mãos, como se estudasse meus movimentos. Sustentei o olhar mais uma vez. Essa seria uma longa noite.

     Calma ai. Que horas são?

     Parei o sanduíche pela metade e olhei o celular. 4:29AM.

     Poxa, é sério que vou ter que ir para escola?

***

     Meu ritual foi quase como sempre. Quase.

     Engoli os dois primeiros comprimidos do dia, tomei um banho e coloquei o uniforme. Ajeitei a mochila nas costas, peguei um Yakut do frigobar ao lado da cama e tomei o suplemento vitamínico. Estava descendo as escadas, para o primeiro andar, quando me sobressaltei de susto. Ainda não tinha me acostumado à ideia de ter outro alguém na casa. Ainda mais assistindo noticiário na televisão como se fosse a coisa mais normal do mundo.

     Bom, pra ele eu sou o alien, né?

     – Qual o interesse no jornal da manhã?

     – Estava querendo ver se eles vão falar algo sobre mim. – Ele respondeu sem tirar os olhos da tela. E como se fosse tudo combinado, a âncora Renata Vassencelos começou a transmitir uma notícia de última hora.

     "Exclusivo, o Jornal Comunal tem acesso a imagens que podem ajudar a polícia a esclarecer a tentativa de atentado terrorista ocorrido ontem em Nova Lima, Minas Gerais, às 23:48, horário de Brasília."

     Um vídeo, provavelmente gravado com um celular, que mostrava um pequeno objeto luminoso caindo começou a ser exibido.

     "De acordo com os relatos, um objeto, até então identificado como um míssil Spike foi visto caindo na área urbana da cidade. Ainda está sendo averiguada a razão do mal funcionamento do míssil. Segundo as informações obtidas até agora pelos investigadores, o principal suspeito é um jovem terrorista chamado Gionvano Sartize."

     Um retrato falado foi exibido. E a pessoa retratada no desenho era muito parecida com o meu "hóspede".

     "Foragido desde 2014, esse homem está armado e é potencialmente perigoso. Caso vejam alguém parecido, liguem para o telefone que está aparecendo na tela".

     – Dá pra acreditar que eles me colocaram como terro... – Will se assustou quando me viu a poucos passos dele. – Wow, ei. Cuidado com isso.

     – Nem pense em pegar a mochila, William. – Disse apontando a maior faca que tinha na cozinha. – Ou devo te chamar de Gionvano Sartize?

     – Isso não é real, eles estão me perseguindo, eu te falei qu...!

     Por um segundo ele não soube o que fazer. Mas então eu abaixei a faca e comecei a rir.

     – Foi mal, não resisti. – Falei guardando a faca no faqueiro magnético.

     – Idiota. – Ele resmungou desligando a televisão. – Isso quer dizer que acredita em mim agora?

     – Bom, você se transformou em um adolescente bizarro bem na minha frente, não tenho muita escolha. – Caminhei até a porta. – Estou saindo, volto de tarde. Espero que até lá você já tenha ido embora e eu possa fingir que tudo foi um surto.

     – Ele me chamou de bizarro? – Ouvi pouco antes de fechar a porta.

Ignis: O Planeta de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora