Cinco semanas depois.
- Não. Não entra aí sua burra! Ele vai te pegar!
Eram duas da tarde e eu ainda vestia meu pijama de patinhos. Parecia ser um dia belíssimo lá fora, mas aqui estava eu, largada no sofá, com um enorme balde de pipoca no colo, assistindo ao segundo filme de uma maratona de thrillers com motosserra. E para completar eu estava discutindo com a televisão e pedindo opiniões esporádicas a um cachorro.
O epítome do desemprego. Esse seria o nome do quadro, caso algum pintor resolvesse capturar a cena em que eu me encontrava.
Bom, fazendo um balaço geral da minha vida nos últimos tempos, poderia ser pior. Afinal, eu só perdi meu emprego, parei de exercer minha profissão e assumi o papel de dog sister do bairro. Poderia ser pior certo? Ao invés de cães eu poderia estar alimentando cobras ou, sei lá, tirando piolhos de chimpanzés.
- Fedido, falei que ela era burra! Já morreu!
O cachorro que estava esparramado aos meus pés era da minha amiga e vizinha do andar de baixo, Lilian.
Na verdade, o saco de pelos negros estava confiscado com a minha pessoa, já que o coitado foi arrastado para o meio da bagunça do meu antigo paciente Nicolas Azevedo e da Lili.
Uma longa história que envolvia uma mentira e uma família maluca. O importante era que hoje esses dois começariam a se resolver, já que eu impus uma terapia intensiva de casal e se eles quisessem reaver o cachorro teriam que dançar conforme a minha música.
O som do meu telefone tocando fez com que eu pausasse a cena sangrenta na televisão. Ultimamente esse aparelho só recebia três tipos de ligações, as da operadora, oferecendo pacotes promocionais; as da Lilian, para saber sobre a alimentação do Fedido dela; e as de clientes quadrúpedes que precisavam de um passeio na praça. Nem preciso dizer que essas últimas me aterrorizavam, pois sempre significavam que eu deveria estar com uma sacolinha em mãos, como uma privada ambulante.
Ao menos, o número desconhecido mostrou que não era a Lourdes, dona de um dobermann. Afinal, se o tamanho do cachorro é um indicador, deu para entender que eu usava um saco de lixo grande.
- Alô.
- É a senhora Bianca Fernandes Yamazaki?
- Sim, sou eu. - o tom formal já me deixou em alerta para pacotes do telemarketing.
- Senhora, aqui é do Hospital Geral Santa Cecília. O senhor Nelson Yamazaki deu entrada conosco há uma hora e o seu nome consta como contato de emergência.
- Como assim? O que aconteceu? Ele está bem?
- Senhora...
- Ele estava sozinho? Ai minha nossa! Ele bateu as botas?
- Senhora...
- Quando eu disse que ele iria morrer sozinho, não foi uma praga!
- Senhora...
- Foi da boca para fora. Eu não queria isso!
- SENHORA! POR FAVOR SE ACALME!
- Não precisa gritar moça! Somos pessoas civilizadas aqui. Eu estou te ouvindo.
- Então se acalme, por favor. - a moça do outro lado da linha usou um tom cansado.
- Como você me pede isso numa situação dessas?!
- Bianca, certo? - confirmei com um ahãm – Preste atenção e me escute! O senhor Nelson está em cirurgia agora e apenas o médico responsável pode lhe dar uma atualização. O hospital necessita da sua presença aqui, seria possível isso?
Eu tinha acabado de encher o saco da atendente e agora me sentia uma pessoa horrível por isso.
- Sim, eu estou a caminho. Sinto muito moça, já me disseram que em situações de estresse eu viro uma matraca.
- É compreensível, senhora.
Com algumas outras informações a linha ficou muda e eu petrificada.
Um sentimento de impotência e culpa se apoderou de mim, finalmente eu entendi o que era ficar sem chão.
Nelson Yamazaki foi o homem que me criou, meu progenitor, meu pai. Mas não o meu herói.
Há muito tempo não nos víamos, nossas diferenças eram muitas e estar na mesma sala que ele poderia ser o início da Terceira Guerra Mundial. Apenas o meu irmão, Paulo, parecia ser capaz de suportar as faíscas que voavam soltas nesses encontros.
Família é um termo muito complicado na minha vida. Porém, nada te prepara para que o pior atinja uma das pessoas que sempre foram uma constante na sua existência. Ele podia não ser o meu herói, mas ainda era o meu pai e nesse momento estava precisando de mim.
Levantei e rapidamente comecei a me mexer. Eu tinha muitas coisas para fazer.
Como o bom cabeça dura que era, meu pai nunca deixou a cidade em que eu nasci, mesmo que eu e o meu irmão tivéssemos nos mudado para cursar a faculdade, então, eu teria uma longa viagem pela frente. Por sorte, não estávamos falando de onde Judas perdeu as botas, mas, talvez o cinto.
Enfim, eu precisava fazer arranjos, pois até mesmo uma desempregada tem responsabilidades.
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Esse capítulo foi bem curtinho, mas logo vem mais ;)
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Negócio do Acaso #2 (DEGUSTAÇÃO)
RomanceUma noite pode mudar a sua vida? Bianca Yamazaki estava numa grande maré de azar. Após descobrir que estava sem emprego, seu pai ausente decide aparecer na sua vida, apenas para complicá-la um pouco mais com alguns segredos do passado. E para co...