Capítulo 2

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Nem mesmo a música animada que tocava no rádio conseguia afastar o nervosismo que eu estava sentindo.

Eu havia recebido aquela ligação há umas três horas e desde então, eu não parei um segundo. Era uma droga não ser onipresente ou poder se tele transportar. Eu fiz todo o necessário para chegar até o hospital o mais rápido possível, mas os segundos parecem se arrastar agora que eu estou sozinha dentro do carro.

Depois de falar com a atendente eu joguei algumas roupas na minha mala, larguei a louça suja dentro da geladeira e quando estava prestes a sair pela porta, um vulto preto se emaranhou nas minhas pernas.

- Ai esqueci de você Fedido!

Olhando para o focinho molhado dele eu percebi que embora eu estivesse numa situação emergencial, eu não poderia dar desculpas para que a Lilian e o Nic adiassem o acerto de contas entre eles, sendo assim, eu não poderia devolver o cachorro para qualquer um dos dois. Eu precisava manter a guarda do animalzinho pulguento bem longe deles.

Num surto do tipo eureca, eu disquei um número muito pouco usado no meu celular.

- Oi, Dona Estela? Eu preciso de um favorzinho da senhora!

E foi assim que eu tinha feito um desvio do meu caminho para o hospital. Eu precisei me encontrar com a mãe da Lilian num posto de gasolina na beira da estrada para que ela ficasse com o cachorro até segunda de manhã.

Eu sabia que os pais da minha amiga viviam numa fazenda no interior, eles eram produtores de café, mas meu desespero era tanto que eu nem pensei sobre a viagem que a Dona Estela teria que fazer. Não que ela tivesse reclamado, já que ela demostrou uma alegria genuína. E sendo a senhora que eu conheço, demostrava que ela estava aprontando alguma coisa para cima da filha. Deus sabe que a Lilian iria querer me matar quando descobrisse que eu desapareci, ainda mais quando ela começasse a surtar com os encontros que ela teria com o Nic.

Mas fazer o que, se nem todas as emergências marcam hora e ligam com antecedência para dizer que estão chegando?

Durante todo o tempo em que eu fiquei no carro, lutando por um espaço no trânsito dominado por caminhões, fiquei debatendo comigo mesma se eu avisava o meu irmão sobre a situação do nosso pai.

Nossa pequena família era constituída por mim, a ovelha negra e majestosa, pelo meu pai cabeça dura e ditador, e pelo meu irmão, o mediador indulgente. E claro, depois vinha a minha cunhada fofa e ranzinza e o meu sobrinho Felipe de quatro anos, o mais normal da família inteira.

Minha opinião sobre eles não significa que eu não os ame, apenas representa que temos opiniões divergentes. Como o meu irmão, que se faz sempre de desentendido sobre as atitudes do nosso pai, e bom, costuma se desesperar demais. Foi por isso que eu decidi ligar para o Paulo apenas quando eu tivesse notícias reais do hospital, até mesmo porque como gerente de obras públicas, nunca se sabia onde ele estava e conhecendo ele direito, meu irmãozinho seria capaz de pegar um avião enquanto ainda estivesse ao telefone comigo.

Finalmente eu avistei a placa de entrada para a cidade e em alguns minutos eu estaria no hospital.

Voltar aqui depois de tanto tempo era estranho. Algumas lojas haviam mudado de lugar, dando espaço aos ares da modernidade, mas em geral era quase a mesma cidade na qual eu cresci. Geralmente os nossos encontros familiares aconteciam na casa do Paulo, então, acho que isso me fazia distância desse lugar a pelo menos cinco anos. E embora não se enquadrasse na típica cidade do interior, o clima que emanava desde o limite de entrada era exatamente esse. Acolhedor, seguro e caseiro. Acho que foi por isso que meu pai nunca abandou essa cidade.

Estacionei meu SmartCar numa vaga entre dois SUV e graças ao tamanho dele foi moleza. Eu sei que a Lili como entendedora de carro caçoa de mim, não só pela cor chamativa dele, um laranja brilhante, mas principalmente pelo tamanho mini. Porém, o que ela não compreende é a facilidade que isso pode nos trazer. E eu posso dizer isso por experiência própria, já que minha estatura pequena serve para algumas coisas, raras, mas ainda algumas coisas.

Negócio do Acaso #2 (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora