Sinopse: Dona Morte sempre trabalhou duro para se estabelecer como o Ser Do Mal Mais Malvado Do Mundo. No entanto, nunca imaginou que se sentiria tão ferida pelo preconceito dos seres humanos. Ela era má sim, mas não uma temível criatura das trevas culpada por todas as desgraças do universo.
Gênero: Comédia, sobrenatural.
***
Já fazia um bocado de tempo que Dona Morte esperava sentada sobre os trilhos do trem. Com uma mão ela segurava seu longo cigarro e com a outra a sua foice decorativa, olhando para os lados num grau máximo de aborrecimento.
Não, ela não precisava de uma foice.
Não, ela não precisava de um cigarro.
Mas ambos eram divertidos de uma maneira mórbida e era isso que importava. A foice, adquirida diretamente de uma mega promoção da loja virtual Seu Pior Pesadelo, tinha um longo cabo de madeira polida e uma lâmina curvada que brilhava sinistramente na noite. Já o cigarro era o símbolo das mortes estúpidas e ela adorava imitar os galãs dos filmes a exibi-los como ferramentas de sedução e rebeldia. Sim, aqueles eram dois itens de peso que combinavam à perfeição com a sua capa preta esvoaçante e desfiada.
Pena ela não ter uma boca por onde fumar.
Ora, tudo bem. Já fazia muito tempo que ela deixara de se importar com a vontade de vivenciar as coisas e entendera que só o que interessava aos outros era que mantivesse as aparências.
E nisso ela demonstrou ser muito boa.
Aliás, quando tivesse um tempinho, ela compraria uma moto turbinada, só para que soubessem que a morte também apoiava a sensação de perigo que os humanos tanto gostavam.
Claro que ninguém precisava saber que ela poderia pilotar uma moto tanto quanto poderia fumar, mas, bem... Que fosse.
Dando uma última tragada imaginária em seu cigarro, Dona Morte o atirou longe. Ignorou o vento que balançava sua capa, entrando pelo buraco negro e profundo onde ficava seu rosto inexistente enquanto ela olhava à sua volta, aborrecida.
A impaciência crescia em seu interior, e seus pensamentos sempre retornavam a um mesmo lugar:
Como era um saco depender do Destino.
Uma porcaria, de verdade. Ter de ficar esperando pelos seres humanos só para que no último momento o intrometido do Destino aparecesse como um anjinho da guarda resplandecente e os livrassem de encarar Dona Morte? Era uma puta sacanagem.
Porque ela não podia simplesmente fazer o seu trabalho e pronto?
Seria tão mais simples...
Mas nãããão, aquele Destino fanfarrão tinha de meter o nariz onde não era chamado, mandando-lhe mensagens de texto a todo o momento para avisar que poderia ser que aparecesse.
Dava para acreditar que o desgraçado ainda tinha a desfaçatez de chegar em cima da hora, prolongando sua ansiedade e acabando com sua alegria?
Sim, ele era um sacana irresponsável. Um sacana irresponsável que não tinha nem a capacidade de organizar a própria agenda e ser pontual nos próprios compromissos...
Ou isso ou se tratava de uma atitude perfeitamente calculada para irritá-la.
Torceu para que ele não aparecesse e ela pudesse matar umas dezenas, pelo menos por esta vez.
Morta de saudades da pontualidade tão pouco valorizada desta geração e dos dias em que matava sem ter de se preocupar com o Destino, Dona Morte decidiu que precisava de outro cigarro para distrair-se desta espera infinita. Por isso, enfiou a mão imaginária no bolso sem fundo de sua capa e se pôs a procurar sua cigarreira.
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As Desventuras Da Dona Morte E Outros Contos
HumorO mundo que nos cerca é insondável e existem mistérios que mesmo toda a existência humana não consegue desvendar. Seres diversos, situações diversas. E entre os mistérios mais básicos e inexplicáveis que circundam a vida humana, está a morte: impied...