19 de Novembro 23h46

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Morgana

"Um, dois, três
Um, dois, três, drink
Um, dois, três
Um, dois, três, drink
Um, dois, três
Um, dois, três, drink
Engulo tudo até eu perder a conta"

Sia, Chandelier

xxx

Os sentidos vagavam por mundos opostos. Os olhos tão negros quanto à noite mais escura jaziam sobre as mãos cruzadas sobre a mesa. Os ouvidos captavam arduamente os sons emitidos pelo homem ao seu lado e gritava-lhe: "vá embora". O cheiro embargante másculo, por outro lado, sussurrava-lhe baixinho para que ficasse exatamente onde estava. Sua boca ainda guardava o gosto da dele, deliciava-se com isso, afinal, de vez em vez, passando a língua nos lábios para atiçar o homem e avisá-lo que a noite não acabaria ali. Por mais que o contato dos corpos provocasse na mulher certa repugnância.

O homem passou um braço pela cintura da mulher e a puxou para mais perto, de forma que o hálito de cerveja não encontrava obstáculo algum para perturbar as narinas da mulher. Morgana, quase sempre evitava olhar nos olhos de homens como aquele, para não desistir de saciar seu anseio sexual e evitar conexões indesejáveis. Estavam a poucos centímetros de distância. Os narizes quase colados, as bocas pedindo por mais e suas partes íntimas ansiosas pelo ato sexual.

Era para esquecer a dor e o rastro de desastres que aquele traste trouxe consigo que ela fazia isso. Era para afogar as mágoas e ter prazer, o prazer de virar a bunda para qualquer um, um desejo até mesmo reprimido durante mais de vinte anos. Um traste que chamava de marido. Um traste de fato, pensava. Entretanto, não poderia pensar. Esse era um dos atos que a tiravam do eixo e a jogavam diretamente na lata de lixo, aquela noite era para ser de ato e não pensamentos. Não importaria-se em receber o título de vadia do Bar das 9, pois era a vadia que falavam. Era ela quem sentava ali e levava um para o motel todo sábado. E gostava.

Os homens em sua maioria eram gordos e casados, mas eram homens, assim Morg pensava. Tinham pênis, estavam em pleno estado de copular e a traição por parte do homem era mais natural do que o riso, era exatamente o que respondia a si mesma enquanto ligava para o táxi.

"Uma vida inútil a dois".

Após dois anos de casamento, ela tinha a certeza de que o conhecia bem. Afinal, sabia seus gostos, fetiches, manias, humores e preferências. Viviam em uma harmonia quase perfeita, com alguns meros deslizes por parte de ambos.
Recentemente, mudaram-se para uma casa mais espaçosa. O marido havia sido promovido e a esposa recebido um aumento salarial. Morgana planejava ter filhos. Tudo estava aparentemente feliz. Mas ele era um traste. A droga de um trate. Não passava de um traste. E, então, na iminência do desespero, optou pelo divórcio, ao perceber que um coração sozinho não sustenta dois. Antes de se jogar no mar de horrores prometeu às suas fibras não se render ao amor. Nunca mais.

Para. Para. Para. Para. MORGANA. Volta para a realidade. Ela beijou-o com fervor, enfiou a língua dentro daquela boca molhada e quente, recebendo a língua do homem na sua. Por algum tempo indefinido, suas línguas dançavam e se chocavam em um espaço também indefinido, quando Morg começou a chupar a língua dele simulando um sexo oral. O pau do cara já estava explodindo visivelmente e ela não estava nem aquecida. O homem foi o primeiro a ceder ao fim do beijo e "escorregar" a mão para uma anca da morena, apertou-a com força, a seguir mordeu o lábio dela com desejo.

Ela desceu a mão do pescoço dele para as costelas e das costelas para uma das pernas. Podia sentir o volume e para atiçar mais ainda o homem, desenhou zerinhos na perna dele com a ponta dos dedos, quando, para sua surpresa, ele sussurrou entredentes:

— Vou te foder, putinha de merda — Morg não precisou assentir, já sabia o que fazer e como fazer. Esperou que ele pagasse a conta e recebeu um sorriso de "vamos".

Dentro do carro, ela deixou que ele tomasse o trajeto que bem entendesse, não importava, afinal. Começou sua diversão bem ali: com ambas as mãos sobre o membro, em um movimento de vai e vem, ainda por cima da calça. Sabia como começaria e terminaria a noite. Sabia que seria mais uma foda normal e que seria o mesmo de sempre. Sabia do que homens como aquele gostavam. Daria para ele, daria tudo e com vontade. Entretanto, ele nunca saberia seu nome e quando gozasse, Morgana apenas chamaria um taxi e vazaria dali. Como sempre. Ou "quase" como sempre.

Aquele "putinha de merda". Aquele xingamento foi o mesmo que o traste a havia chamado no fim de tudo. Quando perdeu muito mais do que uma vida, perdeu-se em meio às caixas da mudança. Putinha de merda. Putinha de merda. Putinha de merda. O cara a lembrava o traste, será que ele usava esse nome com as novas vagabundas? Putinha de merda. Putinha de merda. Você não passa de uma putinha de merda.

No taxi, perdeu o controle de seus pensamentos e todos os seus sentidos foram para o mesmo túmulo: o passado com o traste. Seus olhos buscavam o brilho que outrora carregavam. Seus lábios sentiam a dor de serem cortados por um caco de vidro. Os ouvidos sussurravam todas as ofensas, todas as maldições e brigas. Seu nariz sentia cheiro sangue e sua pele confirmava a textura do líquido que escorria de seu corpo. Estava novamente trancafiada naquele quarto, estava novamente sob as vontades do traste. Respirando os ares pútridos de um passado insolente que insistia em voltar. Sempre voltava. O passado negado é sempre aquele volta. E voltava para bagunçar seus sentidos, seus sabores, seu mundo.

Não se lembra quando passou pelo porteiro, ou como conseguiu destrancar a porta, mas uma simples lembrança cada átomo de seu corpo lembra: o choro. Choro de repugnância do feitio anterior, choro de nojo por ficar debaixo das asas de um abutre por dois anos. A bomba, finalmente, explodiu. E explodiu em forma de gotículas de lágrimas.

LótusOnde histórias criam vida. Descubra agora