Capítulo VI

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1823

A notícia veio a noite, ela se lembrava bem. O sono fora tão leve que ouviu o momento exato quando a criada entrou nos seus aposentos e a chamou dizendo que um homem da Marinha estava esperando por ela no andar de baixo. O dia não parecia nem perto de se levantar e a baronesa Graham de Ayton sentia o coração sussurrar por James. Ansiava, naquele momento, estar sem aquele ventre dilatado por uma gravidez para ser mais rápida na caminhada até o andar inferior. Assim que chegou ao salão, lady Graham ouviu a notícia que tinha uma ironia funesta. Afinal, seu marido, um homem do mar, havia morrera consumido pelo fogo de um incêndio no navio. Nos oito anos casada com James, ela nunca se sentira tão sozinha quanto naquele instante. Mesmo quanto ele passava meses no mar, ela tinha o alento de que logo ele voltaria assoviando porta dentro de Ayton anunciando sua chegada. Agora ele não voltaria nem para conhecer o filho que ela carregava no ventre.

Sentada no escuro do quarto, ela assistia da janela o dia nascer. Aquele seria o dia do adeus a James. O dia no qual se despediriam dele mesmo que seu corpo não passasse de cinzas. Duas semanas se passaram do anúncio da morte até sua oficialização pela Marinha com a carta de condolências do superior de James. Chegara a hora da despedida.

A baronesa sentia que aquele profundo pesar acrescia mais peso ao seu cansaço, afinal havia perdido seu melhor amigo, confidente e protetor, o pai de seus filhos e um herói para seus homens. Ainda era difícil aceitar que James, tão cheio de vida, não retornaria para mimá-la e contar as histórias mais mirabolantes sobre suas aventuras no mar.

"Milady, já está de pé?", disse a voz sussurrada de Molly, a criada, que entrara no quarto para despertar a baronesa. "Não faz bem para o pequeno", ela censurou a patroa enquanto tratava de andar para lá e para cá, deixando peças das vestes de lady Graham para aquele dia estendidas em um baú aos pés da cama da mulher.

"Não pude dormir, querida", confessou a patroa. "Prepare-me um banho e um café da manhã bem reforçado", suspirou Elizabeth sem emoção. A criada deitou um olhar de pena para sua senhora e, por fim sorriu querendo transmitir força. "Meus filhos estão acordados?", inquiriu a senhora de Ayton.

"Ainda não. Deseja que peça a Jill que desperte os pequenos, milady?", inquiriu Molly, pronta a correr até a ala infantil para avisar a vontade da senhora a babá das crianças Graham.

"É muito cedo. Sabemos o quão emburrados aqueles quatro anjinhos ficam quando são acordados cedo demais", a mãe permitiu-se abrir algo que teria sido um sorriso ao lembrar do quanto os seus garotos ficavam bravos em despertar com o dia ainda nascendo. "Depois do banho, eu mesma irei".

Enquanto esperava encherem a banheira para o banho, Elizabeth sentou-se a frente de uma pequena escrivaninha que ficava na antessala e observou os envelopes que jaziam ali. Eram mensagens de condolências de vizinhos, parentes, subordinados e superiores de James e amigos. Todos sentiam pela perda repentina de James. Todas mensagens ainda estavam lacradas, afinal ela não tivera cabeça para aquilo, por isso só passava os envelopes lendo seus remetentes até que um chamou sua atenção.

A inscrição feita em letra rápida, inclinada e masculina apresentava Lord e Lady Milford. Era a letra dele, pensou passando os dedos por cima daquelas palavras. O lacre marcado com brasão do duque de Milford foi rompido com ansiedade pela baronesa. Abrindo o envelope, ela descobriu que duas cartas com letras diferentes esperavam por sua leitura. Pegou a primeira. A letra era miúda e redonda, meio infantil. Era da duquesa, avaliou Elizabeth reencostando-se no espaldar da cadeira.

"Londres,

Querida baronesa,

É com o coração pesado que lhe escrevo para enviar meus pêsames e minhas orações a você pela partida de nosso bom James. Soubemos ainda hoje e em Londres não se fala de outra coisa senão das histórias sobre seu marido ter salvado três homens durante o incêndio que o matou. Prova algo que sempre admirei no bom barão: sua coragem e heroísmo. Que o bom Deus o receba para seu descanso eterno.

Gostaria de acompanhar o duque para o serviço funebre e abraçar minha amiga e nossos queridos afilhados pessoalmente, mas me encontro em avançado estado de gravidez e meu médico me desaconselhou com veemência a fazer uma viagem tão grande. Fique, pois, com minhas orações e meu bem querer,

Cuide-se,

Lady Agnes Stanfield"

Lady Graham ainda passou o olhar pela carta uma vez mais com um semblante impassível. Não conhecia lady Milford pessoalmente pelo simples motivo de que, nos últimos anos, havia inventado todos os motivos para não ir a Londres e encontrar os Stanfield. Não que houvesse algo que desabonasse aquela família, mas a coragem de encarar tanto a duquesa quanto seu marido faltava a Elizabeth.

Todavia a correspondência entre lady Stanfield e lady Graham era abundante, fazendo as duas mulheres parecem quase amigas. Por isso, não houve estranhamento quanto aquela carta nem com seus dizeres. Já não podia se falar o mesmo da carta do duque de Milford, que ela pegou logo em seguida. A última que ela se lembrava de ter visto George fora numa visita do mesmo a Ayton para conhecer Patrick, filho mais velho dos Graham e afilhado de lord Milford, a época o garoto acabara de completar dez dias de nascido. Cartas de uma parte a outra nunca existiram até então. Toda informação era transmitida pelos respectivos cônjuges num acordo tácito e silencioso entre as partes.

"St. Andrews,

Milady,

Certamente, há de estranhar o local de onde escrevo. Isto é fruto do fato de que resolvi escrever-lhe apenas quando já houvesse chegado a Escócia para a despedida do bom James. Iria subcrever-me nas palavras de minha mulher, como seria comodo e elegante fazer, e depois, cumprimentá-la na igreja, mas não teria sido decente da minha parte com a memória de minha ligação com James e com a senhora.

Talvez nunca possa expressar a altura o horror que a perda do melhor dos amigos inflige a mim. Ou ainda do quanto me comove a situação de Vossa Senhoria e dos pequenos que ficam sem o marido e o pai tão cedo.

Este é o motivo da minha presença aqui. A amizade fraternal que dedico a James, o carinho que sempre tive para com a senhora e o zelo de tio pelas crianças trouxeram-me. Somado a isso, está minha incredulidade desta perda. Venho como que para confirmá-la enfim e me despedir do irmão por afinadade mais querido do mundo.

Senhora, estarei com o pequeno William no Três Coroas e nos apresentaremos na manhã do dia da despedida a Ayton a fim de escoltar milady e os demais Graham até a igreja. Se isto parecer inconveniente a senhora, diga-me e irei diretamente a igreja.

Sou seu mais obediente servo,

George Stanfield"

Elizabeth leu e releu aquelas palavras zelosas e tão diplomáticas com desconhecida devoção. Não eram carregadas do antigo sentimento que atraia um ao outro, o que seria muito inconveniente, além de não ser da natureza de George. A solicitude de suas palavras demonstravam que aquela fase do ardor juvenil havia passado e agora adultos e chefes de família deveriam portar-se com dignidade e respeito. Todavia, causava-lhe inquietação a simples ideia de que ele estava ali, tão perto de si, solícito, amigo e presente. Era estranho e até um tanto incomodo, afinal não se viam há anos e não se ficavam a sós desde aquele dia em Kenbridge. A baronesa perdeu-se em conjecturas e lembranças de tal forma que não viu a figura de Molly nem ouviu que ela a chamava.

"Senhora, eu disse que o banho está pronto", Molly insistiu vendo que a patroa estava a olhar para o vazio sentada a frente da escrivaninha.

"Oh...oh, sim. Claro, claro", Elizabeth assentiu como que despertando de um sonho e se levantou deixando a carta e as memórias para trás. "Molly, avise ao sr. Burns que receberemos o duque de Milford e o pequeno lord William antes de irmos a capela. Tudo deve estar pronto para receber a ambos na sala âmbar. A sra. Fitzgerald deve ser informada que dois quartos devem ser preparados para o caso de nossos visitantes da manhã estenderem sua permanência entre nós", ordenou com brandura seguindo para o quarto de banho. 

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