"VICTOR" DISPONÍVEL COMPLETO NA AMAZON

11.2K 1.3K 238
                                    

II Marcas do Passado

"Tão estranho isso, descobrir boa parte da minha própria história só agora, quando as pessoas que participam dela se foram e me deixaram. Estou órfão, mas com a verdade. Somente eu e a triste verdade."

VICTOR

Fico completamente surpreso. Como assim, de repente, aparece um homem que diz ser advogado do meu sumido pai? Nunca soube quem era o meu pai e não tenho o seu nome no meu RG. A minha mãe sempre me disse que ele a abandonou quando soube que ela estava grávida e que não quis saber mais da gente, por isso também não iríamos nos preocupar com ele.

Todas as vezes que perguntei por meu pai, que tive curiosidade, ela sempre respondeu: "Por que quer saber dele? Você não precisa de um pai, eu sou seu pai e sua mãe e pronto! Não vamos tocar mais nesse assunto."

Uma vez ele veio nos visitar, acho que eu tinha uns oito anos de idade, mas só me recordo de uma discussão entre ele e a mãe e nunca mais o vi, pois ele nunca mais apareceu e nem deu notícias. Jamais vi fotos suas, e meio que eu só me lembro do seu rosto e da sua voz chamando o meu nome nessa única visita.

Sempre fui de boa com a solidão, por isso nunca me importei com a falta de um pai, eu tinha a dona Helena, um homem em casa realmente não me fez falta. A vida inteira fui de me importar só com quem se importa comigo. É claro que quando via — ou quando ainda vejo — alguns amigos com seus pais, me batia e ainda me bate um pequeno vazio, mas isso não me abala tanto. E, afinal, sempre tive o João, que é estéril e me trata como um filho, e eu o trato como um pai.

Além de tudo isso, por que procurar por alguém que nunca procurou por mim, exceto uma vez?

― Cliente? ― pergunta João, aproximando-se e limpando as mãos em um pano sujo. Ele também não está melhor do que eu na aparência, e o seu macacão de trabalho, meio aberto, desabotoado, mostra o volume da sua pança. João é um homem de estatura pequena, o apelidei de "Bolota" por ser curto e grosso, redondinho, com bochechas que se tornam rosadas devido à alta temperatura de Teresina. Ele está na casa dos quarenta anos, mas aparenta ser mais velho.

― Não, sou Leonardo, advogado do pai deste jovem, Wagner ― responde o engravatado, fazendo o Bolota arregalar os olhos, muito surpreso, e trocar olhares comigo. ― Prazer. ― Ele nos estende a mão, que apertamos um de cada vez.

― Advogado do Wagner... ― repete João, ainda um pouco em choque, e eu o encaro imediatamente, confuso, pois ele falou como se conhecesse o meu pai. Bolota identifica o meu olhar e engole em seco. ― Bem, doutor, eu acho que deseja conversar com o Victor, estou certo?

― Com certeza, sim, tenho muito a conversar com ele. ― Leonardo volta os olhos para mim novamente.

João, então, acha melhor baixar o portão da oficina e nos chamar para conversar dentro de sua casa, nos fundos. O nosso local de trabalho era, antigamente, um cômodo da casa defronte para avenida do bairro, que agora está com o nome "Oficina do João" pintado na fachada com uma tinta barata em preto sobre o branco ralo. Além disso, há pneus empilhados na calçada com a plaquinha em papelão dizendo "Vende-se" e uma banheira velha de borracha que usamos para molhar rodas em alguns casos.

O nosso pequeno ambiente de trabalho não tem nada de bonito, o portão é velho, desses de rolar para cima, e todo manchado de graxa, assim como a parede na qual está instalado. A parte interna é uma verdadeira bagunça constituída por peças de carros e motos, chaves mecânicas, uma vulcanizadora ― que é uma máquina de remendar pneus ―, um calibrador de pneus, um compressor de ar e até uma bomba de ar. Basicamente isso.

V I C T O R - DEGUSTAÇÃO - Disponível na AmazonOnde histórias criam vida. Descubra agora