Cap. II - Envergonhada

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Samantha estudava na minha escola, o que só fui me dar conta depois de tê-la visto no consultório.

Pobre garota, suas roupas eram tão extravagantes na tentativa de se parecer com as outras garotas "ditas patricinhas", no entanto, excluída desse grupo de meninas ela exagerava o quanto podia em adereços e maquiagens para chamar a atenção.

A vi chegando daquele jeito colorido esquizofrênico e fui para o banheiro lavar o rosto e reanimar para a primeira aula, dei de cara com o espelho. Lá estava eu todo de preto: munhequeiras, anéis e acessórios pontiagudos que podia lembrar armas brancas. Minhas roupas tinham intenção de radicalizar, trazendo a mim a obscuridade do som mais pesado, meus cabelos escuros – maiores que os de Samantha, tão oleosos que mesmo a mim causavam náuseas.

Puxei um lápis de olho de dentro da bolsa e contornei meus olhos, endireitei meu pentagrama no pescoço a vista das pessoas. Eu sempre opunha com as duas pontas para cima, o que Wicca chama de contato com o deus cornífero.

Wicca era minha religião, derivada da Druída, Ocultismo e tantas outras religiões pagãs. Eu me sentia em total liberdade sendo wiccano, diferentemente do Cristianismo a Wicca só tinha uma regra "Faça o que quiser sem a ninguém prejudicar, tudo que fizer volta a ti triplicado. " – isso me dava a concepção de ser simplesmente sem regras, sem prejudicar poderia fazer o que fosse... e fiz.

Sai a caminho da primeira aula, onde vi um tumulto no corredor espremi-me até poder ver o motivo do furdunço e lá estava Samantha, com a roupa suja de vomito pisando no que talvez fosse sua janta com o café da manhã que acabara de tomar, vermelho rubro (embora estivesse vomitando) pela vergonha chorou.

- O que aconteceu? – perguntei a um rapaz do meu lado e então percebi que a maioria das pessoas ria ele respondeu em meio as gargalhadas:

- Ela... enjoou... – e ria – enjoou por causa – mais risos – da... hahaha... por causa da bolacha de borracha! Não acredito que ainda exista um idiota para cair nessa! – ele agora enxugava os olhos marejados de lágrimas devido aos risos compulsivos.

Ele tinha razão, Samantha era idiota. Essa brincadeira da bolacha de borracha funcionava assim: uma pessoa chegava com um pacote de bolacha te oferecendo para comer, a bolacha a primeiro ver real, que levava uma dentada e todos achavam graça de alguém tentar comer borracha. Mas dessa vez era pior, ela vomitara por causa ao cheiro de borracha que sempre a enjoou. Fui descobrir mais tarde que uma garota chamada Jéssica, que fazia parte do grupo patty da escola é quem havia oferecido a bolacha a fim de desmoraliza-la.

Toda vomitada Samantha não sabia se ficava e chorava ou saia correndo, decidiu ficar e chorar sua desgraça pública, dando a eles mais motivos para rirem.

- Fique calma – alguém chegou abraçando-a, dei uma segunda olhada e reconheci Rafael um crente fanático, que há muito tempo tinha estudado comigo. – Vai ficar tudo bem – continuou ele afastando-a da multidão e levando-a para se lavar.

Não continuei ali para ver o que viria depois, fui para minha sala estudar. Muito podiam pensar que não, por causa da minha aparência, mas eu gostava de estudar, ou pelo menos criar...

A professora irrompeu porta a dentro e começou a falar alguma coisa sobre período paleolítico. Eu, no entanto, focado – no que perceber mais tarde – em Samantha, não conseguia me concentrar.

Puxei meu caderno e comecei a escrever:

Desejos Íntimos

Minha doce menina

O meu sonho encantado

Quem me dera ser o tempo

Que colhe sua dor

Quem dera ser o vento

Que leva seus sonhos

Compartilhar seu sorriso

Ouvir seus anseios

Me aconchegar em seus braços

Estar ao seu lado

Minha luz na escuridão

Onde disfarço as horas com sua lembrança

Onde encontro meus delírios

Onde tenho sentido para acreditar

No cinzento dos meus dias me escondo entre as sombras

Vagando como um boêmio

Entre os olhares atentos dos lobos da noite

Tropeçando nas pedras à beira do caminho

Desviando-me das vozes que insistem em chamar

Acalento-me nos braços da lua

Sabendo que nem poções nem magia

Pode mudar o destino de cada um

Mas sei que mesmo na noite mais escura

Sempre terá o amanhecer...

Fui interrompido pelo sinal que anunciava o fim da aula, aquele dia me passou batido. Tanto na escola pela manhã quanto no trabalho à tarde. Samantha alimentava meus pensamentos famintos, daquele momento em diante passei a deseja-la mais a cada dia. Eu a via logo cedo antes das aulas começarem e depois a perdia, eu esperava cada segundo para vê-la naquele miserável tempo.

Um dia, na saída da escola avistei Samantha com os lábios em forma de morango, me sorrindo. Mas afinal não era para mim, era para Rafael o crente. Pude sentir a pressão aumentar e o sangue ferver no meu corpo, ela nunca me enxergaria de qualquer forma. Rafael retribuiu e foi em sua direção.

Parei e observei, eles se cumprimentaram com um beijo no rosto, fui atrás deles e em meio a aglomeração ouvi poucas partes da conversa dos dois:

- Saiba que quando você for, uma vez que seja vai perceber a diferença nas coisas – ele dizia.

- Que horas começa? – ouvi Samantha perguntar.

- Umas oito da noite, o pastor vai gostar de te ver lá.

Eu mal podia acreditar, ele estava tentando converte-la e ela cedia! Senti-me aflito, aquela garota que eu mal conhecia e me roubava os pensamentos, agora ia perde-la para aquele lunático.

Foi ai que a disputa começou, eu ia tê-la a qualquer custo, Rafael não me impediria.

Leite e MelOnde histórias criam vida. Descubra agora