Música é minha vida, se por uma fração de segundo o som ritmado para é como se afetasse minha respiração, meu pulmão grita na imensa vontade de ar, na imensa vontade da sonoridade satisfatória.
Foi na criatividade que encontrei um padrão de equilíbrio, não é só o poder expressar, mas a liberdade infinita que adquiri quando me dei conta do que realmente tem valor. Por isso um conselho: não deixe a ideia escapar, agarre-a antes que ela escorra para fora do pensamento, pois ela é veloz e se dissipa antes que você já tenha gravado na memória.
Eu nem sempre pensei assim. O que me sobra? É esse som doce e pregnantemente pesado, sou eu decifrando partituras. É minha cabeça se esforçando em saber o que é o tal "mi sustenido" sou eu afinando meu baixo um tom acima ou mesmo dedilhando minha guitarra esforçadamente com a mão esquerda. É quando eu já não consigo pensar porque o som da flauta de bambu tocando algo elficamente celta roubou-me a razão. Porém apesar do grande amor eu quase nada sei de música e só restam as claves de sol desenhadas nos cantos dos meus cadernos escolares, letras de músicas por todo lado, sem melodia, sem vida.
Eu apaixonado por música, quase eclético no mundo rock. Ela tão comum, tão previsível, por mais que ela tivesse defeitos inaceitáveis por mim, eu sempre a amei. E se tivesse naquela época a música que hoje tenho nossa história seria uma linda canção de amor ao invés de um death metal catastrófico seguido de um reggae e um baseado.
Na verdade, eu vejo tudo isso de forma bem positiva e não me arrepende de tê-la poupado desse mundo.
O pai dela era meu dentista, eu a vi pela primeira vez sentada naquele consultório branco quase tão pálida quanto as paredes. Tinha olhos verdes arregalados e gelados, o nariz batatal era largo demais para seu rosto, o queixo carrancudo cavalar era esburacado, os cabelos lisos castanhos desciam do topo da cabeça como uma cortina até o ombro; não era feia, era aceitável - mas o carma da idade a encobria de espinhas em ponto de erupção enfeando-a para faze-la adolescente, era muito magra e naquele dia ela, verdadeiramente, não fazia meu tipo.
- Samantha – chamou o meu dentista lá de dentro de sua sala – eu posso demorar mais do que pensei, ainda tenho dois pacientes. Vai ficar e me esperar ou prefere que eu chame um taxi?
- Espero – esganiçou a miúda – eu não tenho pressa hoje pai.
Ele sorriu e me chamou a fim de torturar-me a boca na sua cadeira com seus parelhos devidamente próprios para a tortura.
- Sua vez Carlos – disse ele, sorrindo cruelmente me apontando a sala maligna. Sempre odiei sentir dor.
Houve um tempo onde entreguei-me ao luxo de criticar falhas das pessoas, quase tão iguais ou menores que as minhas.
Não tenho a capacidade de imaginar, o que eu poderia ser hoje, não me lembro mais o que passei... são tantas coisas que por ventura o tempo enterrou. Enterrou junto Samantha, minha bela Samantha eternizada em minhas músicas sem vida.
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Leite e Mel
Misteri / ThrillerÉ fato que passamos por altos e baixos. Mas quando, necessariamente, o alto se torna baixo para o outro? Quero dizer, minha alegria vem da agonia alheia? Minha alma estava mesmo condenada ou havia a mais clichê luz no fim do túnel? De qualque...