Capítulo IV

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Ao outro dia, na cidade, falava-se da chegada do pároco novo, e todos


sabiam já que tinha trazido um baú de lata, que era magro e alto, e que chamava


Padre-Mestre ao cônego Dias.


As amigas da S. Joaneira - as íntimas - a D. Maria da Assunção, as


Gansosos, tinham ido logo pela manhã a casa dela para se porem ao fato... Eram


nove horas, Amaro saíra com o cônego. A S. Joaneira, radiosa, importante, recebeu-


as no alto da escada, de mangas arregaçadas, nos arranjos da manhã; e


imediatamente, com animação, contou a chegada do pároco, as suas boas


maneiras, o que tinha dito...


- Mas venham vocês cá abaixo, sempre quero que vejam.


Foi-lhes mostrar o quarto do padre, o baú de lata, uma prateleira que lhe


arranjara para os livros.


- Está muito bem, está muito bem, diziam as velhas andando pelo quarto,


devagar, com respeito, como numa igreja.


- Rico capote! - observou D. Joaquina Gansoso, apalpando o pano das


largas bandas que pendiam ao comprido do cabide. - É obra para um par de


moedas!


- E a boa roupa branca! Disse a S. Joaneira, erguendo a tampa do baú.
O grupo das velhas curvou-se com admiração.


- A mim o que me consola é que ele seja um rapaz novo, disse D. Maria da


Assunção, piedosamente.


- Também a mim, disse com autoridade a D. Joaquina Gansoso.


Estar a gente a confessar-se e a ver o pingo do rapé, como era com


o Raposo, credo! Até se perde a devoção! E o bruto do José Miguéis! Não, lá isso


Deus me mate com gente nova!


A S. Joaneira ia mostrando as outras maravilhas do pároco, - um crucifixo


que estava ainda embrulhado num jornal velho, o álbum de retratos, onde o primeiro


cartão era uma fotografia do Papa abençoando a cristandade. Todas se extasiaram.


- É o mais que se pode, diziam, é o mais que se pode!


Ao sair, beijando muito a S. Joaneira, felicitaram-na porque adquirira,


hospedando o pároco, uma autoridade quase eclesiástica.


- Vocês apareçam à noite, disse ela do alto da escada.


- Pudera!... Gritou D. Maria da Assunção, já à porta da rua, traçando o seu


mantelete. - Pudera!... Para o vermos à vontade!


Ao meio-dia veio o Libaninho, o beato mais ativo de Leiria; e subindo a correr


os degraus, já gritava com a sua voz fina:


- Ó S. Joaneira!


- Sobe, Libaninho, sobe, disse ela, que costurava à janela.


- Então o senhor pároco veio, hem? Perguntou o Libaninho, mostrando à


porta da sala de jantar o seu rosto gordinho cor de limão, a calva luzidia; e vindo

O crime do padre AmaroOnde histórias criam vida. Descubra agora