Um

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Era outono. As folhas secas cobriam o acostamento. O tempo nunca passara tão rápido para Valentina, que se encontrava enterrada no banco do carona do carro de sua mãe. Estavam a vinte minutos de Paradise.

– Vai ser bom pra você, você vai ver! Não há nada melhor do que voltar às origens, você vai ver! – Meredith falou, parecia tentar convencer a si mesma. Valentina aumentou o volume dos fones – Filha, você está me ouvindo? – A mulher não recebeu resposta, por isso tateou às cegas a orelha da garota, procurando pelo fone, o qual puxou sutilmente pelo fio – Dá pra falar alguma coisa? – Valentina apenas dirigiu-lhe um olhar carregado. Meredith suspirou, rendendo-se.

Valentina não queria estar ali. De todos os lugares do mundo, o pior seria Paradise. Uma ironia, a julgar pelo nome da cidade, mas não nos tempos atuais. Paradise fora jogada às traças quando o novo prefeito tomou posse. A parte pobre da cidade se tornou mais pobre ainda, a parte rica enriqueceu mais e o centro virou uma perdição, bares e bordeis tomaram conta. 

Felizmente, Valentina não estava na cidade pra ver tais mudanças. Passara um tempo com a mãe em Miami, ou pelo menos é isso o que todos sabem.

Passaram pelas ruínas da velha igreja, o que elevou os pensamentos da garota para os acontecidos na noite do incêndio. Valentina olhou para o outro lado, afastando a lembrança de todo o terror vivido naquela noite.

– Estamos quase chegando – Meredith anunciou. Valentina preferiu não ter ouvido. Já era possível avistar a simples casa de dois andares de seu pai através da densa neblina. Valentina sabia que era aquela, por mais que as residências daquele bairro se parecessem em vários aspectos. O mesmo tom branco encardido nas paredes exteriores tinha um toque de descuido.

O carro balançava e diminuia a velocidade conforme andava pela rua de pedregulho até parar em frente à casa. Valentina respirou fundo. O som do coração batendo parecia ser mais alto que a música nos fones. Meredith destravou as portas ao desligar o motor e saiu do carro. Valentina fez o mesmo, as pernas quase não conseguindo sustentar o peso do corpo, de tanto que tremiam.

Meretih caminhou até a porta, seguida de Valentina e tocou a campainha. A tensão tomava conta de todos os músculos do corpo da garota, fazendo-a estremecer de cima abaixo. Um breve intervalo de tempo se passou, que para Valentina pareceu uma eternidade e uma versão mais magra e abatida de Charlie abriu a porta. Ele tinha perdido a cor, parecia debilitado. Vestia pijamas mesmo sendo quase duas da tarde. O homem fitou a filha como se estivesse vendo uma assombração.

–  Charlie! – Meredith quebrou o silêncio constrangedor que havia tomado forma no local – Como você está? Está comendo direito? Tomando os remédios? – A mulher dizia enquanto o abraçava. Charlie respondia um "sim" quase sussurrando. Valentina evitou a cena, passou pela porta e seguiu para seu quarto. Pelo pouco que pôde ver, já percebeu que nada mudara desde quando fugira. 

Subiu as escadas, em direção a seu quarto. Abriu a porta e acendeu a luz; estava intocado. A cama desarrumada; o guarda roupa aberto e revirado ainda continha algumas peças de roupa, não teve tempo de colocar tudo na mala. O lugar cheirava a mofo. As paredes brancas davam um tom de melancolia ao lugar, o que Valentina gostava.

Caminhou até a janela e abriu a cortina, fazendo com que a lâmpada acesa não fosse mais necessária. As lembranças a atingiram com força quando viu a casa de Lídia através do vidro, assim como a raiva, o ódio, o rancor. O que a garota tinha feito não merecia perdão, mas sim vingança. 

Fechou a cortina rispidamente, afastando tais memórias. Colocou a mochila que carregava em um ombro só em cima da cama e sentou-se na mesma, olhando a seu redor. O mofo tomava conta dos cantos das paredes e uma camada de poeira cobria os móveis. Limparia o quarto mais tarde. Ouviu sua mãe girtar seu nome, despedindo-se. Isso encheu-lhe os olhos de lágrimas, não queria ficar ali. Deitou-se na cama, esperando que isso resolvesse tudo.

Subitamente, uma ideia apareceu em sua mente. Levantou-se rapidamente e saiu do quarto, disparando pelo pequeno corredor e descendo as escadas. Ouviu seu pai perguntar aonde ia, mas não se deu ao trabalho de responder. Saiu da casa e começou a andar pela rua, acelerando o passo. Em alguns minutos já estava nos portões do Cemitério Municipal de Paradise. Hesitou por um momento, pensando se era mesmo uma boa ideia, mas algo a incitou a ir em frente e fazer o que queria.

Passou pelos grandes portões de metal que se encontravam abertos e tentou localizar o túmulo certo. Como em qualquer cemitério, o de Paradise tinha ruas. Valentina procurava pela Golden Street, onde só as famílias mais ricas tinham túmulos.

Achou a lápide que procurava em pouco tempo. O nome William Casanova estava escrito em ouro puro sobre o túmulo de mármore branco. Uma fotografia do garoto se localizava ao lado do nome. Os cabelos loiros curtos eram de um tom dourado, os olhos azuis, frios como gelo e a boca curvava-se em um sorriso perfeito, exibindo duas fileiras de dentes brancos.

– Canalha! – Ela falava como se ele pudesse ouví-la – Imbecíl! – A garota começou a chutar a lápide furiosamente – Filho da...!

– Eu não faria isso – Uma voz familiar a cortou. Valentina parou o que estava fazendo, sentindo o corpo gelar. 

Paradise CityWhere stories live. Discover now