Ralf Schmidt

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Eu não saí do quarto depois que a paciente adormeceu. Mesmo com meu PhD em Neurologia e anos de prática, jamais havia visto uma paciente assim. Fiquei olhando para ela, dormindo tranquila, e analisei mais uma vez a pasta com as informações. Praticamente ela adormecera por uma semana, depois de desmaiar na recepção do hospital, onde aparecera acompanhada por um parente ou amigo. Foi ele quem disse que ela já estava com um quadro de confusão mental e precisava repousar. Mas sumiu em seguida, sem deixar nenhum contato, enquanto as enfermeiras providenciavam o socorro.

Na sua ficha, praticamente nenhuma informação, nenhum atendimento médico anterior. Pelo seu registro a mulher, de 30 anos, era brasileira e alemã, mas habitava já há dois anos um pequeno vilarejo na cidade de Berne. Mas estranhamente, além do seguro e da prefeitura, não havia nenhum registro. Ela praticamente não existia no sistema. Misterioso. E eu adoro mistérios.

Assim que acordou, ela parecia surpresa por estar na Alemanha, e só aos poucos se comunicou com alguma dificuldade em alemão. Parece que ela não tem nada: todos os índices estão normais, os órgãos funcionando de forma correta, as tomografias não indicaram nada de anormal, mas o delírio durante o sono foi preocupante. Ela falava o tempo todo de colibris, de profecias, de uma bruxa que queria levá-la para as sombras.

Confesso, eu não tenho motivos para deixá-la mais tempo no hospital. Mas desde que a vi alguma coisa me intriga. Talvez algo em seu olhar... E sem contatos, sem história, sem vestígios, essa brasileira era um mistério. E como era bonita! E o mais intrigante era que eu tinha a sensação de que já a conhecia faz muito tempo. Decididamente, não era a primeira vez que eu a via.

Fiquei olhando para ela quando uma das assistentes abriu a porta do quarto.

"Oh, doutor Schmidt, desculpe, não sabia que o senhor ainda estava visitando a paciente. Achei que já havia terminado o seu turno. Posso voltar depois".

"Não se preocupe, Veronika, estou de saída. Você tem razão, meu turno já acabou. Mas não previ medicamentos até amanhã, alguma nova prescrição da doutora Basselmann?".

"Não senhor. É que a paciente recebeu correspondência e vim trazer para ela",  a assistente, estendeu um envelope em minha direção.

"Correspondência? Do seguro de saúde?" Eu fiquei curioso, já que não é muito comum um paciente receber uma carta no hospital.

"Não, não é do seguro." A assistente estava igualmente surpresa. "A carta parece ser particular, chegou pelo correio e o mais estranho: ela foi enviada semana passada, e tinha o número desse quarto, para onde transferimos a paciente somente hoje pela manhã. Não é engraçado?" Ela enfim me entregou o envelope.

"Muito!". A carta tinha sido enviada há oito dias. Do Brasil. E a paciente estava há sete dias nesse hospital, e desde aquela manhã somente naquele quarto. "Muito intrigante."

Eu estava diante de um enigma.



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Vou publicar capítulos mais curtos com maior frequência. O que acham?


O anel do colibri (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora