Então, ele preencheu ambos os copos vazios com a garrafa de tequila que fora deixada por Norman — o barman. Novamente, ele sorriu bebendo o líquido que acabara de despejar no copo.
—Ah, não coloque dessa forma. Acaba objetificando a si mesma, e não é essa a minha intenção. Eu queria apenas uma boa companhia para beber e conversar, talvez até dançar ou cantar um pouco. Presumi que você desejava o mesmo. Bem... Talvez eu tenha presumido errado no final das contas, mas não acho que eu tenha errado no quesito ''boa companhia''.
Não retirei, contudo, o sorriso do rosto, com aquela mescla de brincadeira e desdém. Também não o interrompi, mesmo Lucian fazendo-me ter uma imagem ríspida de mim mesma — e eu havia realmente de tê-la,mas não queria admitir. Quanto à sua colocação final, quase que me fez abrir a boca e falar alguma asneira — o que traria de volta o pensamento do homem sobre minha péssima visão do meu próprio ser.
Permaneci calada durante alguns segundos, apoiando os cotovelos delgados no mármore frio. Rodeei com a ponta do dedo à borda do copo, minimamente úmida pela tequila que acabara de ser posta, observando de soslaio o homem que agora entretinha-se olhando a troca de músicos no palco. Fiz isso até ele direcionar seu olhar para mim,o que me fez virar o rosto súbita e desnorteadamente para qualquer lado oposto. Haviam ocasiões em que integrantes de bandas cover diferenciadas se reuniam para tocarem juntos, provando que a tensão entre elas ali era inexistente. Ao invés de individuais, agora as pessoas dançavam em duplas.
—E se dançarmos enquanto aguardamos pela comida? Ao que parece, ainda demorarão bastante.
—Dançar?!
Disse, por fim, de uma forma falha, o que me levou a limpar a garganta instantes depois. Dei uma olhadela ao redor, analisando ceticamente as pessoas que ali movimentavam seus corpos — principalmente as mulheres. Isso me fez perceber uma coisa — até que boba — onde, retirando os homens, eu era a única que me encontrava com um par de calças. Não deixei, contudo, que um rubor tomasse conta de minhas bochechas.
—Não acho que seja uma boa ideia...
As palavras saíram num sussurro deplorável. Vamos, fale mais alto! Mas eu não conseguia. O problema não eram realmente as calças, mas o quão estranha eu me sentiria no meio daquela gente, mexendo o meu corpo no que chamaria de "dança" — técnicas de uma velha irlandesa, que talvez não fossem mais úteis nos dias atuais.
—E por que não? Uma linda mulher, sentada em frente ao balcão durante quase todo instante apenas bebendo, algo deprimente de se ver... Sabe, eu me sentiria mal se não insistisse mais um pouco.
Ele estava me tratando bem demais para que eu pudesse crer que tudo aquilo era realmente verdade. Talvez estivesse hipnotizada este tempo todo, olhando para Abigail e esperando que o mesmo acontecesse comigo. Contudo, havia tempo que eu não tinha um sonho de temática tão amena e agradável, e uma companhia, claro. Meus lábios movimentaram-se sem o meu querer, trêmulos de primeira, e depois se firmando num fraco sorriso.
—Vamos lá, Bunny, que mal fará? Anime-se um pouco mais, a pista de dança está ao nosso aguardo.
—Você é mesmo uma 'figura'...
Estalei a língua, antes de ser retirada de meu pequeno banco e dar alguns passos até à pista. Mesmo longe já havia esbarrado em alguns casais, que dançavam perto de suas mesas, com as mais variadas idades.
De súbito, minha mão escorregou, e agora, Lucian estava a poucos — mas que para mim pareceram milhares — passos à minha frente. Toda a iluminação do local pareceu cair, e o único foco de claridade se encontrava apenas sobe nós. Mas não estávamos sozinhos, não. Toda aquela gente encontrava-se ali ainda, na escuridão.
O cheiro pútrido subiu por todos os lados, e eu juguei ser das pessoas que nos cercavam. Estava certa. Logo um braço caiu em minha direção, pretendendo atacar-me, mas me esquivei indo para trás. Lucian estava cada vez mais longe, olhando para mim como se eu fosse um fracasso, enquanto todas aquelas pessoas mortas tetavam me atacar. E eu, errônea e tolamente caminhava para trás, caindo, por fim, nos braços daquelas criaturas que aproveitaram para ficar em cima de mim e fazer sabe-se lá o quê. Eu estava realmente assustada, ainda mais pelo fato de ser vulnerável e não saber o que estava acontecendo.
Ebony!
Abri os olhos, receosa: os braços encolhidos e as mãos dadas para Lucian. Procurei o dono da tal voz, mas talvez fosse ele mesmo. Seu toque se tornou reconfortante, mesmo que outrora tivesse sido confundido com garras e mãos fúnebres. O espanto ainda estava estampado em minha face, e eu me encontrava suando frio. Que havia acontecido? Olhei ao redor e, por muita sorte, ninguém havia percebido a minha recaída, ou sequer notado que eu estava ali.
—Eu... Fiz alguma coisa?

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Nocturnal Symphony
RomanceEssa é a história de duas pessoas que não tinham um propósito para estarem no mundo. Apenas estavam nele - e sempre estariam. Em uma noite seus destinos se encontram no clube Nocturnal Symphony, e eles decidem se aventurar ao som do blues, o cheiro...