Prefácio

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Maior medo que o desconhecido é não conhecer a si mesmo. Descobrir que se é muito mais do que se imaginou por toda uma vida. Que o controle sobre si próprio é uma ilusão maquinada por si mesmo. Que não se é um, mas dois, três, quatro...Não saber qual desses aflorará, quando. Essa é a vida regrada a cada um de nós. Tantas ações, tantas distrações. Conhecer o espaço e não a si mesmo. Tantas lembranças, tantos tempos. Saber o passado, mas não si mesmo.

Fugir quando não se detém controle sobre a consciência. Temer assim que aflorar um sentimento novo, um só. Correr para longe, esquecer. Um destino cruel. Pois quanto mais se isenta da presença dos que se tem por dentro, mais encontra-se oportunidade para prosear com todos eles. Ver-se amante, narciso, um criador. Insano, calhorda, um destruidor. Até perder a completa noção do que é ser si mesmo.

Na desolada península de Irinos, o fenômeno parece dar-se de modo semelhante. Onde a escassez assolou todo o território permanentemente, um lugarejo submergiu em meio ao deserto. De grãos de areia, castelos ao longe. Quem olhasse, nunca diria haver vida por lá. Lugar daqueles que ninguém ousa lembrar. Não porque não haja o que se ver ou falar. Muito pelo contrário, a condenação vem quando se abre a maldita boca.

Bocas são o que aqueles animais famintos não têm. Circundando a região, à procura do odor que lhes faz aflorar o instinto. E nem isso acham. Não mais se ouve o uivar dos lobos selvagens. Aquelas feras bestiais que devoravam toda vida ao redor sem piedade alguma. Nem sinal do vôo das mariposas negras, que antes ensurdeciam a qualquer viajante ou forasteiro com seu bater incessante de asinhas. Quanto aos abutres, mal há carne para devorarem. Os infelizes estão mais raquíticos que videira no tronco da árvore morta. Os campos, outrora verdejantes, agora escondem por debaixo de terras inférteis segredos que nenhum desbravador ousaria mencionar.

Nomes que não devem ser pronunciados, pois trazem consigo o arrependimento. Objetos mantidos a sete chaves. Homens que lutaram, alguns consagrados, outros não. Agora descansam. Há quem diga que usar dos lábios para fazer escárnio é o mesmo que chacoalhar os mortos.

Os velhos, apenas detentores dos ditados, do tempo e da verdade. Fazem a mesma e típica expressão dia após dia. O senhor caduco condena a mulher em poucos panos. A velha ranheta mais se vale da vida de outrem. Não têm culpa. Não passam do retrato de um passado que também procuram esconder. Esquecer. Dia após dia.

Enigmática, a cidadezinha permanece por lá, no meio de um platô inóspito, deixada para morrer. Cada um dos moradores, apequenados pelas inúmeras histórias que muito mais têm a dizer de si mesmos, muito mais se fossem eles a contar. Dizem que para se entender o que se passa na cidade, é preciso ver antes de olhar. Abandonar o prazer mundano de apreciar a forma somente. Ver com as mãos, o coração e a intuição.

Feito isso, história melhor é a que há de se seguir agora. Não como aquelas contadas por uma só boca. Ou que se mantém presa aos ponteiros, às alternâncias dos astros. Tudo tem sua causa e conseqüência. Mas nada é tão evidente.

A porta que se abre, na verdade está a fechar-se. A flor não desabrocha, o mundo se dobra sobre ela. A verdade dogmática, um boato dos mais sarnentos. Fazer as perguntas certas às pessoas certas. Ouvir as palavras certas nos momentos adequados. Inveja, ambição, egoísmo. Cada um tem sua sina. Cada um faz da verdade o que bem quiser. Forma um caminho e segue por ele. Cada um com suas próprias convicções. Que as persiga agora ou as abandone de todo. É preciso coragem. E, para isso, é preciso conhecer os próprios limites. Revirar os olhos para dentro do córtex. Conhecer a si mesmo para conhecer todo o resto.


Sila - A Verdade por Trás dos Reflexos (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora