Para receber as juntas doídas, o aconchego de uma nova cama. Embora fosse uma tarde nada fria, as paredes mostarda, juntamente com o cobertor, serviram para aquecê-la. Sono, ela não tinha algum. Por outro lado, era recomendável seguir as ordens do médico, que disse para ficar assim. Se ela cede o corpo, um grito. Se vira para o lado, outro grito. De repente, tamanho foi o estrondo, que ela mal se lembrou da dor quando cobriu a cabeça com o travesseiro.
- O que é isso? – a Maltrapilha assustou-se. Dobrou as costas ainda sem sair da cama e sentiu algumas pontadas. Ergueu-se até sentar e percorreu o cômodo com os olhos à procura da origem do ruído.
Não era sonho porque só tinha fechado os olhos. Ainda estava ativa e sabia disso, mas o barulho parecia tão perto! E, para passar pela porta de madeira maciça, devia ser estrugido daqueles. Se ficasse no quarto por debaixo das cobertas, nunca iria saber. Nessas horas, a curiosidade mata mesmo e, contrariando o médico, foi ver quem tinha entoado aquele estranho despertador.
Descobriu o corpo e notou que trajava uma camisola branca de seda. Pelo que se lembrava, ela nem era sua. Só tinha aquela amarela e outra da mesma cor, mas branca não. No momento, importava mais saber donde tinham vindo aqueles berros e toda a serenata. Pois os gritos e os ruídos se fundiam de tal forma naquela casa, que aos ouvidos de alguns sonhadores soava como harmonia.
Com os pés amolecidos, ela tocou o chão frio de cerâmica e notou que o direito tinha um curativo. Já devidamente calçada, caminhou até a porta e rodou a maçaneta vagarosamente para se passar despercebida. Afinal, o que diria Miss Betty se a visse fora da cama? Ou o que poderiam dizer os outros empregados se a vissem trajando uma vestimenta de repouso clara? Que branco era a pior cor porque sujava, todos sabiam. Mas uma empregada trajando branco era algo descomunal.
Quando ia dar o primeiro passo além do quarto, viu a intermediadora de frente para uma passagem. Então recuou e ficou à espreita, encostada no batente do quarto. E além da tal passagem, ouvia duas vozes a dialogar. Uma era de Miss Betty, a outra nunca tinha ouvido. A governanta perguntava a alguém o porquê de tanto barulho enquanto ela tentava dormir. Em resposta, uma voz gaguejante de mulher pedia perdão por ter derrubado algumas panelas. Certamente devia ser alguma empregada, pensou a Maltrapilha. Aliás, isso de pensar consigo mesma só tem lhe causado problemas. Cabeça em pleno alarde, sonhos bons ou de maldade. Mas fazer o quê, se sempre fora assim? Então continuou a ouvir aquela conversa intimidadora.
Após as palavras de soberba da governanta, Lívia resolvera acrescentar também. Então não eram mais somente as panelas. Era o chão emporcalhado e uma provável demissão que entrava no assunto. Quando tudo não podia ficar pior, a ruiva insinuou ficar no lugar de Miss Betty. Esta retrucou demonstrando sua insatisfação para com os serviços da outra. Então as duas dirigiram-se para o hall de entrada.
A mulher dos trapos já tinha visto e ouvido coisas demais naquela casa. Mas era muito melhor se calar para observar mais. Pois mesmo sem lembrar dos pais ou parente algum, tinha aprendido que ouvir era uma dádiva. E, por mais que achasse saber os fatos em sua totalidade, ainda devia se aprofundar mais nos mesmos. Assim, era melhor ver por si mesma do que pela boca dos outros. Por isso, fofocas e buchichos não levam ninguém a lugar algum, sempre disse para todos.
Apesar do quarto ser convidativo, os ruídos fizeram-na perder o sono. Salvo alguma dores nas costas e uma provável humilhação, sentia-se bem mais capaz de levar adiante o novo trabalho. Dizem que quando se está com dores no corpo, é melhor se movimentar ao invés de deixar a dor percorrer por tudo. Isso e uma leve irritação que provinha do abdome foram os responsáveis por ela querer sair daquele quarto.
Ao abrir a porta, atravessou um longo corredor, chegando ao que parecia ser uma cozinha. Havia inúmeras panelas dependuradas ao teto com auxílio de suportes de madeira. Logo abaixo, dois fogões e duas geladeiras.
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Sila - A Verdade por Trás dos Reflexos (Concluído)
RomantikGire os ponteiros sem sincronia. Vire os mapas de ponta-cabeça e embrenhe-se pelo deserto, dentre lobos famintos e árvores retorcidas. Ao encontrar a cidade de Irinos, pergunte pelo casarão no alto da colina. Se não receber uma chuva de pedras, no m...