Eu ainda me lembrava dela. Todos os finais de tarde quando o céu estava escurecendo e tinha a cor preto azulada de seus cabelos longos e lisos que caiam pelos ombros. Éramos tão diferentes, mas tão iguais ao mesmo tempo. Mamãe costumava dizer que éramos como Yin-yang, uma completava a outra. Victoria era alta, tinha cabelos negros como a noite e não sorria muito, mas quando o fazia, conseguia o que quisesse. Nunca foi de muitos amigos na escola, mesmo não tendo nenhum motivo para alguém não gostar dela, além de sua constante antipatia. Sempre dizia que todos eram estúpidos e fúteis demais, e que não queria se "contaminar" com suas babaquices. Carinhos e afetos não eram seu forte, brigávamos constantemente já que, diferente dela, eu era uma criança extremamente afetuosa e necessitava de atenção. "Ela não me ama, ela não ligaria se eu morresse ou sumisse daqui", eu pensava. Até que em um dia de setembro, eu tinha 9 e ela 11, os gritos incessantes de papai e mamãe golpeavam meus tímpanos como facadas e lágrimas quentes desciam pelo meu rosto. Sai correndo e fui em direção ao quarto dela, que quando abri a porta, me olhou assustada e por um milésimo de segundo pensei que iria me enxotar dali. Mas para a minha surpresa, ela me agarrou em um abraço. Estranhei, já que nunca tinha recebido um abraço dela, não por livre e espontânea vontade.
-Não chore, por favor, não chore- ela sussurrava no pé de meu ouvido. Ficamos ali paradas por uns 3 minutos, antes dela me levar para sua cama e se deitar. Fiquei olhando-a com um olhar de duvida, sem saber se eu deveria deitar junto a ela ou apenas ir embora.
-Venha- ela disse com um sorrisinho no rosto.
Me deitei e ela me abraçou por trás; sempre quando um grito se sobressaía na discussão, ela falava algo no meu ouvido, talvez para me reconfortar, ou talvez na esperança de eu não conseguir ouvir o que eles estavam falando.
Após aquele dia eu não tinha dúvidas: Sim, ela me amava. Como qualquer irmã mais velha ama sua irmã mais nova.
Mas aquilo não era o bastante, não para ela. Um ano depois foi quando tudo começou. Suas notas que antes eram altíssimas, decaíram drasticamente e ela começou a sair com mais frequência. Minha mãe, sabendo que ela não tinha muitos amigos, começou a ficar preocupada sobre essas novas amizades.
-Eu vou sair com a galera, mãe- provavelmente a frase mais escutada naquele ano. Naquele ultimo ano.
Observando pela janela, pude ver um grupo de jovens, com certeza mais velhos que ela (talvez entre 15 e 18 anos), parados no outro lado da calçada. A porta de casa bateu e vi Victoria saindo com aquele seu clássico moletom preto e cinza, com o capuz tampando a cabeça. Mesmo sendo bem mais nova , ela era praticamente do mesmo tamanho deles, e de costas poderia muito bem se passar por uma adolescente de 16 anos. Mas o mais estranho eram os jovens parados esperando por ela. Um usava um grande óculos de sol que tampava toda a parte de cima de seu rosto, outro tinha braços imensos, talvez algumas 3 vezes mais grossos que minha coxa. A outra era uma menina aparentemente normal, mas quando ela se virou, vi que seu rosto era inteiro desfigurado: uma boca repuxada para baixo e um olho mais inclinado que o outro. Sai de perto da janela e observei de longe minha irmã indo embora com aquelas pessoas estranhas. E isso foi se repetindo, até um dia de manhã ela não acordar. Mamãe bateu na porta algumas centenas de vezes e nada, tivemos que arrombar a porta que estava trancada e perceber que ela não estava ali. Tinha sumido, evaporado, e deixado um quarto revirado de ponta cabeça para trás. O lugar onde ela costumava deixar pendurado seu moletom preferido estava vazio. Ela tinha ido embora, fugido. Fez as malas e zarpou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Peculiar
FantasyJenn se vê dentro de um turbilhão de mudanças. Após o sumiço da irmã mais velha, tudo foi de mal a pior, e oito anos depois, descobre que sua vida não era nada do que ela pensava. A explicação para diversos mistérios da sua vida estão para vir á ton...