Capítulo 6

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A semana de prova foi bem produtiva. Estou confiante que esse ano vai ser diferente. Mas não basta acreditar que as coisas vão se ajeitar, precisamos ir à luta. Sábado á tarde, estou jogada no sofá assistindo a um filme aleatório e comendo pipoca quando Bernardo chega em casa ensopado. Começo a rir imediatamente enquanto pauso o filme e vou à cozinha procurar um pano. Dou a ele e subo para pegar uma toalha. Ele explica que estava jogando basquete com alguns amigos e na volta para casa um carro passa perto de uma poça de lama na hora em que meu irmão atravessava a rua. Rimos bastante, ele foi tomar banho e eu continuei a assistir meu filme.

Elise chega da casa da amiga da faculdade e pergunta se está tudo bem, e respondo que sim. Aqui em casa não é de aparecer muita coisa surpreendente, normalmente é sempre calmo. Uma tarde simples de um sábado de fevereiro, todo mundo em casa e a paz reina. Quando o filme acaba, desligo a televisão e pego meu celular. A última atualização de status do feed é do Theo, e é um pedaço de um poema:

"És um daqueles lírios lá dos campos
E sequer Salomão, tão rico e altivo,
Conseguiu encharcar-se em teu perfume." AG.

Ri comigo mesma ao lembrar tudo o que eu o fiz passar. Dói-me imaginar o quanto eu o fiz sofrer, e mando uma mensagem perguntando como ele está: "Por falar em saudade, onde anda você? Vinícius de Moraes". Sou respondida imediatamente: "sinto sua falta", parece que ele estava só esperando eu enviar alguma coisa. Acabo de comer, e vou lavar a louça.

- A empregada já voltou das férias? – Bernardo me provoca.

- Cara, se você fosse piadista iria morrer de fome, é sempre tão engraçado – tentei soar irritada, mas caí no riso. – cadê a Elise? Subiu e nada dela...

- Ah, você sabe. Quando esse pessoal começa a namorar esquece os irmãos, o mundo.

-Você é o melhor!

Resolvemos passar a noite depois do jantar jogando vídeo game. Elise para variar estava trocando mensagens e nem se importou em não jogar. Ficamos acordados até a madrugada, quando pedimos uma pizza e jogamos conversa fora.

- Viu como você é ruim? – brinquei com meu irmão – perdeu sete vezes seguidas.

- Que engraçada! Viu como você não sabe jogar um jogo que só pede pra atirar? Qual o seu problema?

- Dá pra parar com o carinho vocês dois? Temos pizza de chocolate, calabresa e mussarela. De quê vão querer?

- Quero das três, obrigada.

- Eu também – Bernardo concluiu. Depois disso, subimos e cada um se trancou em seu mundo. Troquei mensagens com Ceci até o amanhecer, e fiquei acordada por muito mais tempo do que queria. Como não conseguia mais vencer o sono, adormeci.

No outro dia, almoçamos em nosso restaurante favorito e depois fomos ao shopping. De um tempo pra cá, nós três saímos bastante juntos. Passeamos por todas as lojas e fomos ao cinema. À noite eu e Cecília estávamos na praia andando de skate quando avistamos Theo e seus amigos.

- Me esconde! – parei em frente a ela e a abracei.

- Para de drama, parece até criança. E uma dica, finge que ia cair agora porque ele se aproxima.

Eu finjo uma queda real e ele até se oferece para ajudar. Nossos olhares se cruzam e eu sorrio para ele, que retribui com um sorriso tímido.

- E aí, tudo bem? – puxo assunto.

- Sim – responde enquanto me devolve o skate.

- Quer se juntar a nós? Estamos sozinhas. E vejo que você tem bastante companhia – Cecília olha surpresa para mim. Até eu estou me estranhando.

- Está falando sério? – comentou incrédulo. Seus olhos até brilharam por um instante. – me deixa só chamar o resto do pessoal.

- Claro, pode ir – Cecília o afasta com as mãos.

Depois que ele alcança certa distância a ponto de não nos ouvir, minha melhor amiga suspira.

- O que foi? - Pergunto inocente.

- Você é louca!

Ele voltou, e até nos divertimos um pouco. A noite foi muito agradável. Conversamos imensamente, por um momento toda aquela ilusão desapareceu e parecíamos bons amigos. Não houve passado que atrapalhasse, nem briga que apagasse a magia do momento. Gostei dessa parte de não ter nenhum 'eu te amo' nem coisa parecida no meio do assunto. E percebi a sorte de quem o tem como amigo, ele é precioso. Gosta do que você é por dentro.

Eu precisava pedir perdão. Não só pela forma como falei com ele na festa, isso vai além. Pela forma que eu o machuquei, pelos dias que ele havia sofrido por mim e pela minha idiotice. Mas precisava fazer isso de uma forma em que ele entendesse que era só pelas minhas atitudes. Observei por um tempo o sorriso dele, e a forma como ele agia com os amigos. Era bem mais natural quando ele conversava, soava mais despreocupado. A forma como ele falava era mais desajeitada, mas sempre poética. Um verdadeiro príncipe.

- Theo, será que posso falar com você?

- Depende do que seja – os amigos debocharam. E eu fiquei horrorizada.

- Não ligue para eles – Theo me puxou – vem comigo.

Ele me levou até perto do mar, e aquele barulhinho de água misturado com a pouca luz da noite me arrepiaram. Tentei focar no que tinha que falar, tentei ensaiar mil vezes no pensamento. Por segundos, apenas me concentrei nas ondas que iam e vinham diversas vezes. Automaticamente tentei decifrar o que ele estaria pensando agora.

- É o seguinte; eu não quero te trazer esperanças. – comecei devagar para não assustá-lo.

- Eu já imaginava, mas continue.

- Eu pensei inúmeras vezes acerca de como eu falei com você na festa, e achei que deveria pedir perdão. Eu fui muito rude e admito que a última coisa que eu faria no mundo seria magoá-lo. Por favor, me perdoa?

Ele olhou bem no fundo dos meus olhos, e se aproximou de mim. Senti borboletas no estômago. Ficou por alguns minutos enrolando com os dedos uma mecha do meu cabelo, e eu me derretia a cada olhar que pesava sobre mim. Até que chegou tão perto que senti nossos narizes se cruzarem, e disse:

- O amor é paz. Já te perdoei faz tanto tempo... – ele me encarava – ah, Nicole! Porque o amor tem essa complexidade toda?

Afastou-se bem mais rápido do que eu gostaria. Depositou um beijo lento e carinhoso na minha testa e pegou minha mão. Continuou:

- Se eu sou uma bússola, você é meu norte. Você não sabe o quanto me domina, meu doce. – ele acariciava minha mão – o meu lugar é no seu coração. Porque não percebe logo? Você é minha direção.

Essas palavras penetraram dentro de mim até o lugar mais obscuro. Toda a escuridão que tomava conta de mim se iluminou até florescer. As mais singelas flores brotavam dentro do meu mundinho egoísta. Eu estava me perdendo nele mais uma vez...

- Obrigada pelo perdão – cortei tentando esconder a tristeza na voz – eu precisava dele de verdade. Preciso que você continue forte, meu amor.

- Serei forte, já que você é minha fonte de energia.

- Amigos então? – tentei fugir daquilo antes que eu cedesse.

- Por enquanto sim.

DefeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora