Capítulo 3: Não to entendendo nada...

30 3 0
                                    

Depois que Vic e Dominik foram embora me deixando sozinha com uma cara de dúvida do cacete, voltei para a sala, tive 2 aulas de matemática e a última foi de química...
Quando entrei no laboratório de química Miguel já estava sentado no último balcão ao lado das janelas como se soubesse que era exatamente aquele lugar que eu escolheria. Tinha voltado à chover lá fora e o céu ficava cada vez mais escuro. Me sentei e só então me dei conta de que o segundo sinal, para todos entrarem nas salas, não havia tocado. A sala estava vazia, somente eu e Miguel...e aquela sensação de paz estava presente, mas agora havia outra...um formigamento estranho que começou a me subir pelas costas...e logo em seguida...

-Você é May não é? - Sua voz era grossa, porém linda, e me causou arrepios no corpo todo, eu já tinha ouvido aquela voz antes, mas não conseguia me lembrar da onde.

-Ãh...é, sou. Porque? - procurei responder o mais fria possível.

-Ah, nada. É que sabe, pensei que como estamos sendo obrigados a fazer dupla, e isso pelo próximo ano letivo todo, talvez eu deveria ser gentil e tentar puxar assunto, mas parece que a senhora frieza não quer bem isso. - Miguel disse de forma irônica e grossa, nesta mesma hora um raio cruzou o céu fazendo com que o estrondo dos trovões me assustassem. Miguel riu, mas foi um riso sarcástico, como se meu susto bobo o fizesse se divertir.
Me calei. Permaneci assim até o fim da aula, quase não trocamos nenhuma palavra, apenas o necessário para resolver os exercícios.
O sinal da saída tocou e todos os alunos saíram correndo. Exceto Miguel, ele guardou seus livros bem devagar, com calma se levantou e se dirigiu até a porta. Fiquei observando ele, sua beleza era estonteante, de fato suas roupas o faziam parecer um bad-boy, jeans pretos surrados, camiseta pollo cinza escura, jaqueta de couro, botas de couro batidas, e um cordão preto gasto com um pingente que me chamou atenção, era um símbolo que eu havia visto em um dos meus sonhos.
Só notei que ele estava olhando para mim quando ele perguntou:

-Vai ficar aí sentada me olhando até quando?

-Ah, desculpe. Mas achei que os olhos eram meus, e o direito de olhar pra onde e pra quem eu quiser também. - falei levantando e indo em direção à porta, antes de atravessa lá Miguel atravessou a mão na minha frente impedindo minha passagem.

-Os olhos podem ser seus, mas o corpo é meu, se eu quisesse pessoas me olhando babando posava nú. - dizendo isso, saiu da sala e sumiu no corredor.

Sai do prédio do colégio quase voando, minhas bochechas queimavam e eu tinha certeza que estavam vermelhas. Como eu pudi ficar olhando pra ele daquele jeito? E será que eu estava de fato babando? Argh! Mas que merda! Ele havia chegado na cidade à menos de 8 horas e já estava mexendo comigo assim? Eu nem conhecia ele...eu acho.

A chuva estava gelada e estava ventando muito, minha tia com certeza iria me matar se eu chegasse toda molhada em casa, afinal os médicos haviam avisado que era pra mim tomar cuidado, pois eu havia pegado uma forte anemia por conta da depressão. Mas eu não liguei pra isso, era bom sentir alguma coisa a mais do que o ar condicionado do hospital. Eu já estava perto de casa, quando parei para observar o mar...
As ondas se formando com força por conta do vento forte, e quebrando na areia da praia produzindo um som hipnotizante. Fechei meus olhos por um segundo e tive meio que um flashback rápido: vi exatamente a cena do meu sonho em que um raio cai atrás do garoto na mesma hora em que a flecha me acerta. Abri meus olhos sem ar, eu não sabia o que estava acontecendo comigo, me apressei para chegar em casa. Entrei, e corro até meu quarto. Tirei as roupas molhadas e entrei no banho, deixei a água quente novamente levar toda aquela loucura do primeiro dia de aula, e tentei ser otimista pensando que amanhã seria um dia melhor. É, talvez.

Acordei e já estava escuro. Olhei no relógio: 20:47. Eu devia estar muito cansada pra dormir daquele jeito. Pelo que me lembro, a última vez que dormi assim foi no hospital a base de remédio e sedativos. Pelo que eu lembro, cheguei da escola e tomei banho, em seguida deitei e...apaguei.
Levantei e vesti minha blusa de frio que ia até os joelhos, a que meu irmão tinha me dado no meu aniversário de 13 anos, ela ficava enorme em mim na época, quase chegando nos pés, e foi sempre assim q eu gostei. Jace sempre me conheceu muito bem. Mas não mais.
Um vento forte entrou pelas portas da minha sacada, fazendo com que as fotos dos meus pais e do meu irmão que estavam grudadas no mural acima da minha escrivaninha se espalhassem pelo quarto. Fechei as portas da sacada e fui recolher elas. Nem sei porque minha tia insistia em colocar elas lá, talvez porque meu psicológico tenha dito pra ela que me ajudaria superar o acidente se eu encarasse tudo de frente? Pois é. Não, não ajuda. Só me faz lembrar toda hora o quanto é doloroso não ter eles aqui comigo, agora.
Enfiei todas as fotos na primeira gavetinha e sai do quarto.
Enquanto atravessava o enorme corredor que levava às escadarias até o andar debaixo, parei em frente às portas da sala de música...já faz tanto tempo, será que eu ainda lembro?
Entrei, e lá estava ele, o piano da minha mãe, branco antigo, minha mãe tocava músicas suaves nele quando eu era bebê, quando comecei a caminhar ela me colocava no sentada no colo dela e pegava meus dedinhos e tocavamos juntas....ainda tenho as fotos. Ela me ensinou desde que me entendo por gente à tocar, abri o piano e toquei uma nota, como que automático comecei a tocar nossa música predileta, Beethoven - Moonlight Sonata, sempre começavamos por essa e ficávamos horas tocando Beethoven juntas, perdiamos o domingo todo as vezes, mas era bom. Abro os olhos, lágrimas começaram a borrar minha visão e mesmo assim contínuo tocando, sei tão bem que até de olhos fechados...

- Uau...a última vez que ouvi essa sonata foi no seu aniversário de 13 anos, sua mãe tocou ao invés de tocar "parabéns pra você"...- me assustei ao ver minha tia me olhando da porta, seus olhos também estavam marejados.

-A quanto tempo está aí?- perguntei.

-Não muito. Sente falta de tocar não sente? - ela perguntou vindo em minha direção para um abraço.

-Não. Não sinto, isso só me faz mal. - respondi seca e desviei - não to me sentindo bem, vou me deitar.

-Ah, okay. Coma algo antes pelo menos...

-Não obrigada.

Sai e fui direto para o meu quarto, assim que bati a porta atrás de mim e tranquei desabei, eu sabia o que viria a seguir, então tomei logo meus remédios e deitei, como eu havia dobrado a dose, apaguei no mesmo instante. Não chorei. Não surtei. Não sonhei...

Paraíso Sombrio...Onde histórias criam vida. Descubra agora