Vai correr tudo bem

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Quanto mais olhava para o que tinha feito, mais nojo tinha de mim mesma. Não conseguia acreditar que eu tinha realmente feito o que fiz. Não fazia parte dos meus princípios. Começava a olhar para as minhas mãos e o medo da minha própria pessoa começava a agraudar rapidamente. Como é que ia sequer olhar para o meu reflexo? Não era a mesma pessoa. A partir daquele momento tinha deixado de ser a Livia

- Estou quase a chegar, amor.

- Despacha-te. – Responde, e consigo ouvir a faca cortar algum vegetal repetidamente.

- Que é que estás a preparar? – Limpo um pouco de sangue que tinha na mão às calças.

- Logo vês, Liv. Anda rápido.

- Dá-me cinco minutos, Wave.

- Está bem. Amo-te.

- Amo-te mais. – Desligo.

Antes de sair do carro, entorto o retrovisor do carro para que possa ver o meu reflexo. As lágrimas instantaneamente começam a sair-me dos olhos. Olho para baixo, contenho-as e penteio-me. Tiro pequenas manchas de sangue na cara e ponho um pouco de corretor de olheiras para tapá-las, transpareciam cansaço e isso ia fazer com que a Waverley me fosse fazer montes de perguntas, às quais ainda não conseguia responder.

Abro a porta e tiro os sapatos. Sento-me no sofá e permaneço em silêncio. Oiço um berro e viro a cabeça.

- Que susto, Liv!

- Que é que se passa?

- Ia quase deixando cair a taça por tua causa. – Fica feliz ao ver-me, mesmo estando ainda um pouco zangada por tê-la assustado. Levanto-me e beijo-a. Quando os nossos lábios se juntam, oiço um estrondo dentro da minha cabeça. O som do corpo dele a embater no chão desperta uma dor aguda na minha cabeça e eu gemo.

- Não estou muito bem, Wave. Não sei se tenho fome.

- Que é que tens? – Beija-me a testa. Estava com tantas saudades dela, no entanto, hoje tinha sido definitivamente o pior dia da minha vida e acho que só ela é que me podia fazer sorrir naquele momento, decidi não me fazer de difícil e condescendi.

- Nada. Embora lá. Estou cheia de fome e mal posso esperar por ver o que fizeste. - Não queria deixá-la triste, portanto não fiz com que não comesse o que ela tinha preparado com tanto carinho, portanto acenei e fui para a mesa retangular na cozinha de mãos dadas com ela.

Ela tinha preparado o meu prato preferido que, honestamente, é previsível. Porém, apenas o facto de ela querer saber e por amar ver-me feliz, faz-me aperceber que, se não fosse por ela, neste momento estaria a tentar matar-me provavelmente.

- Sei que nem sempre demonstro o que sinto, mas quero que saibas que eu te amo muito. – Digo-lhe, enquanto me esforço imenso para não começar a chorar, o que despoletaria perguntas e memórias.

- Eu sei disso. – Faz-se silêncio. Não era normal eu estar tão calada a uma refeição, mas embora todo o esforço que podia fazer, não me apetecia falar. - Queres mais? – Levanta as sobrancelhas ao olhar para a travessa.

- Não, obrigada. Podes ficar com o resto.

- Liv, eu sei que não estás bem. Comes sempre tanto. E eu sei que não é só má disposição. Que é que se passa? Queres falar? – Fecha os talheres e o silêncio paira no ar durante vários segundos.

Eu queria muito falar no que se tinha passado naquela noite. Queria poder ter alguém em quem podia contar tudo o que fiz e o que não tinha feito e que essa pessoa me fosse defender independentemente do que quer que se passasse.

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