Prólogo

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 As nuvens cinzas no horizonte denunciam a chuva que está prestes a cair, um temporal daqueles

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 As nuvens cinzas no horizonte denunciam a chuva que está prestes a cair, um temporal daqueles. O barco balança com força, tentando resistir às imponentes ondas, com calma faço a manobra no leme, tentando retornar para costa. Não há necessidade de desespero já enfrentei tempestades maiores que me prepararam para o mar aberto e para a própria vida fora dele.

Braços quentes envolvem minha cintura, e ela encosta a testa nas minhas costas.

— Qual é a previsão, capitão? - Pergunta ela, com um tom risonho na voz, minha garota também não se assusta com um céu cinzento.

— Em cinquenta minutos estaremos ancorados no píer, e talvez eu te pague um sorvete de casquinha.

— Com esse frio? Não tenho mais vinte e poucos anos. - Ela dá uma risadinha e se encosta na porta lateral à cabine.

— Essas nuvens são passageiras, vamos pegar um sol daqui a pouco. - Digo, encorajando-a.

No mesmo instante um trovão ecoa pelos céus, me fazendo apertar os dentes, tamanha sua intensidade.

— Ainda bem que você é engenheiro, e não meteorologista. - Sua risada alta e doce ecoa pela cabine, e eu apenas nego com a cabeça.

— Com medo? - Pergunto, ao vê-la se debruçando sobre o painel de comando para enxergar mais adiante.

— De morrer hoje? - Ela se vira, arqueando a sobrancelha para mim. Maneio a cabeça, concordando. — Não, nunca. Não tenho mais esse medo.

A morte não é o fim, sabemos disso melhor do que qualquer pessoa, mas nem sempre foi assim, anos atrás essa possibilidade me assombrava. Agora vivo a plenitude dos meus dias, porque sei que quando chegar à hora, são reticências que ocupam a última página.

— O que tinha naquela carta? - Ela me pergunta, e eu rio.

Então quer dizer que fui pego no flagra pelos seus sagazes olhos, estes mesmos que sempre fui apaixonado, desde o primeiro instante.

— Uma história. - Respondo, e aumento a velocidade, aproveitando o descanso que os ventos deram.

— Era uma história boa?

— Acho que era uma história sobre amor e perdão. - Dou de ombros, sem dar mais detalhes, mas sei que isso não irá frear sua curiosidade.

— Por que você não me conta?! - Ela sugere, brilhando em expectativa

Eu amo isso nela, por mais que os anos passem, nada é capaz de drenar sua luz própria. Me sinto como o Ícaro atraído pelo sol, mas não preciso temer, meu astro celeste não irá me queimar vivo, muito pelo contrário, ele é o motivo pelo o qual estou vivo.

— Porque é a história que ele precisa ouvir hoje. - Digo.

— E qual eu preciso ouvir?

— Uma que você já ouviu muitas vezes, acho que é um bom dia para nos lembrarmos dela. - Respondo, encarando as nuvens que se acumulam à nossa frente, com a corrente que sopra em direção a costa.

— É a minha favorita. - Ela suspira, e se senta na parte livre do painel, como uma criança ansiosa pelo presente na manhã de natal.

— Não vale ficar irritada com aquelas partes, ouviu? - Pergunto em tom de piada, e ela rola os encantadores olhos.

— Por mim você poderia cortá-las da história para sempre.

— Mas daí você não entenderia como eu descobri a melhor coisa da minha vida. - Pisco para ela, que fica com as bochechas coradas como se ainda estivesse no colegial.

— E o que você descobriu?

— Você vai perceber. - Prometo a ela, e não deixarei de cumprir... assim como nunca deixei antes.

Duas Vezes Você [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora