Capítulo II

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Abro os olhos e encaro rostos espantados me olhando de cima. De imediato sou tomado por uma sensação que conheço bem, é pânico, em seu mais puro e tenebroso estado. A primeira vez que tenho memória de me sentir assim, foi na escola, na segunda série, logo após as férias de verão, quando Thymoth Green me perturbou por um motivo qualquer junto ao seu irmão gêmeo, até que eu precisasse me esconder embaixo da mesa para bloquear as diversas sensações claustrofóbicas que se apoderaram de mim.

Ao longo dos anos, meus pais e professores me taxaram como sensível demais, e assim cresci, trocando o refúgio embaixo da mesa por lugares distantes dos olhares públicos, como banheiros e estacionamentos. Sensível... não parece uma boa palavra quando associada a um garoto, homens nasceram para serem fortes, nada nos abala ou assusta, mas tudo me assustava. Pessoas demais, barulhos repetidos, situações repentinas que fugiam do controle, lugares estranhos e olhares tortos, uma lista sem fim de coisas que para as outras pessoas eram normais, e para mim, sempre foram como atravessar o inferno.

Minha primeira melhora veio quando nos mudamos para Londres, eu tinha dezesseis anos. Nunca pensei que diria isso, mas a apatia britânica parecia ter me curado, ninguém ligava para ninguém, não te olhavam torto, na escola não havia piadinhas, e jamais me pediram para jogar algum esporte apenas por ser alto, o meu talento em matemática era sabiamente valorizado. Foram dois anos tranquilos, eu não precisei nenhuma vez me esconder para hiperventilar com a cabeça entre os joelhos, ou vomitei até as tripas de nervoso.

Então veio a proposta da vida da minha mãe, se tornar sócia majoritária de um grande escritório de advocacia em San Francisco, na Califórnia, a nossa cidade natal. Retornamos, ela se tornou uma advogada de renome e logo anexou meu pai como associado do escritório, minha irmã começou a carreira de modelo, e eu... bom, eu lidei com as volta das crises da maneira que sabia melhor, me escondendo por dez anos. É só o que tenho feito, eu fujo de confrontos que podem me levar a sensação de pânico, sejam elas na vida ou no trabalho. Tem sido uma existência cinzenta e sem graça, mas é melhor do que hiperventilar sentado num chão de banheiro sujo.

Faz muito tempo que não fico paralizado como estou agora, sem saber como reagir e com os pulmões pesando uma tonelada. Quero gritar, mas meus lábios não se movem, as palmas das minhas mãos soam de maneira gélida e meu corpo treme. Fecho os olhos e desejo que todas essas pessoas sumam. Tenho quase vinte e nove anos, se ser sensível já era terrível para um garotinho... para um homem adulto então, é a morte.

Me levanto com dificuldade, é um processo doloroso e diferente, parece que minha pele está desgarrando do corpo sem anestesia alguma. De maneira arrastada, meio que engatinho por entre todos os caras da obra, arrastando comigo toda vergonha do mundo até a primeira porta aberta que encontro.

É o depósito de materiais, está vazio, e aproveito disso para me esconder entre alguns sacos de cimento. Permaneço sentado com a cabeça entre os joelhos, e os ouvidos cobertos pelas mãos, numa posição que já conheço bem e me acalma. Minha cabeça dói como o inferno, e só piora quando o barulho de uma ambulância se aproxima.

Torço para que não a tenham chamado por minha causa, vou melhorar, eu sempre melhoro e na maior parte das vezes faço isso sozinho.

Fico zonzo e acredito que perco o sentido por alguns instantes, mas finalmente se vão; o suor, o nervosismo, a tremedeira e a sensação de estar sufocando. Respiro fundo e me levanto, abanando a calça para desgarrar qualquer sujeira que tenha ficado.

Saio do depósito e um dos fiscais vem em minha direção, mas ele não olha para mim e respiro aliviado. Talvez por vergonha da minha posição como seu superior, ou respeito ao momento, ele segue o seu caminho para dentro do depósito. O mesmo acontece com alguns operários e operadores de máquina, eles parecem desnorteados, mas não olhando para mim, nunca olhando para mim...

Duas Vezes Você [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora