Capítulo 2: O Primeiro Encontro Com as Trevas - Laço Eterno de Sangue

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Pela manhã Neely estava mais disposta, novamente não havia aula, na verdade isso não importava mais, já que teria que se alistar no exército.

Como adiar seria pior, ela decidiu na noite anterior fazer isso o quanto antes. Tomou um banho rápido e depois comeu silenciosamente uma vasilha de cereais para não acordar seu irmão e o pai, então ajeitou tudo que necessitaria em uma mochila e ao descer as escadas de seu quarto deparou-se com seu pai.

- Não vai se despedir? - ele a conhece demais para não saber o que vai fazer.

- Você sabe que não gosto de despedidas melodramáticas. - quando ele estava se despedindo devido a sua partida fui bem melodramática, mas eu cresci deste então.

Ele me abraça e eu resmungo parecendo que acho isso um saco, e em parte é verdade, mas também é reconfortante.

- Tchau querida. - É um sacrifício para qualquer pai ver o filho partir sabendo que este vai ficar um bom tempo fora, principalmente quando é para o exército e contra sua vontade. - Escreva com frequência.

- Pai isso é muito ultrapassado sabia?

- Escreve...

- Okay, tudo bem, todo fim de semana. - Sorrio, mas minha voz mostra todo meu entusiasmo, parece mais que estou indo para o matadouro.

Ele se afasta do abraço e olha para as escadas, faço o mesmo e vejo o Dearn parado no patamar nos encarando com uma falsa expressão de nojo no rosto.

- Adeus mana. - diz ele neutro, embora exércitos e guerras sempre o atraiu e sei que ele gostaria de ter uma irmã militar para exibir como um troféu, ainda sim estou partindo, sei que quando eu voltar ele me encherá de perguntas.

Dearn se fechou muito ao longo dos últimos anos, entretanto eu o entendo, ele acha que se for forte e distante com as pessoas não sofrerá tanto quando elas partirem, como a mãe, o pai e agora eu, mesmo o pai tendo voltado ele ainda sente o abandono.

Saio de casa com pesar. Agora está de manhã, marcam nove horas no relógio, mas parece que é madrugada, as luzes nos postes agora ficam sempre acessas, periodicamente alguma viatura com as sirenes ligadas passa por mim, todas as portas anormalmente aferrolhadas e o medo está expresso em todas as feições, fora isso o quarteirão está normal, a maioria tenta continuar a vida cotidiana.

Papai insistiu em me acompanhar, tive de lhe garantir mil vezes que nada de mal me aconteceria para ele desistir e apenas o fez por que do contrário ele se atrasaria para o emprego que tem de ir hoje.

Logo atravesso metade do bairro em direção a nova base militar. As ruas estão com menos da metade das pessoas e não parecem amistosas ou seguras.

Em meio à escuridão silenciosa de um beco abandonado ouço meu nome ser chamado, primeiro num grito e depois apenas ecos desesperados, claros sussurros me chamando numa voz feminina carinhosa e sombria.

- Mãe... ? - digo em devaneio, é impossível, ela está morta há muito tempo, sei que não é ela, mas também sei que não pode ser ninguém que conheço, desde a sétima série, exceto minha família não tenho mais ninguém, não sei como alguém nesse lugar poderia saber meu nome.

Entro hesitante no beco, meus instintos dizem para eu ignorar isso e continuar meu caminho, mas não consigo fazê-lo, meu corpo praticamente age por conta própria.

Conforme me aproximo o som gradativamente se esvai, enfraquecendo até se tornar inaudível. O beco se estende mais à frente se tornando mais largo. Parado à poucos passos de mim há um homem branco de jaqueta preta, seu olhar sinistro me encara de uma forma ambiciosa.

Não sei quem ele é, mas sei o que, é um doente, os chamam apenas de Laycks por causa do vírus homônimo. Ele se move primeiro, dá um passo em minha direção, recuo tentando manter a pouca distância entre nós. Ele é maior que eu e mais forte, se tentar algo terei que contar que não seja mais rápido.

- Nêmesis, não precisa ter medo, não lhe farei mal, pelo contrário.

- Esse não é meu nome...

- É sim... Não se lembra...? - ele me dá um tempo para pensar e continua. - Achei que isso aconteceria.

- Lembro de que?

- Isso não importa.

Ele dá mais um passo e decido que não vou ficar aqui por mais nenhum minuto. Viro-me pronta para correr, porém não dou nenhum passo, um homem extremamente alto segura fortemente meus ombros. Não sei a quanto tempo ele estava às minhas costas, como não o percebi?

Tento me soltar, o chuto e debato-me, mas não consigo fazer nada, para ele é como se eu fosse apenas uma criancinha fazendo pirraça.

- Malicha acalma ela. - Assim que ele termina a frase uma garota muito mais nova do que eu se aproxima de mim e pronúncia uma única palavra em meu ouvido, não a entendo e no mesmo instante todas as forças do meu corpo me abandonam, deixando-me tombar mole nos braços do homem que me segurava.

Não consigo me mover e nem falar, era para eu estar desesperada e com o peito cheio de medo do que farão comigo como qualquer um estaria, mas estranhamente não consigo sentir isso, apenas os meus pensamentos ainda chegam à mim.

- Excelente trabalho Malicha.

- A seu dispor Lord Kirian.

O homem grandalhão me posta em pé enquanto Malicha segura meus cabelos, puxando minha cabeça para trás, era para eu sentir no mínimo um desconforto em meu pescoço e costas devido à posição que sou forçada a ficar.

O homem que parece ser o líder se aproxima de mim e retira um punhal da jaqueta, fecho os olhos esperando o golpe que não chega, quando os abro novamente vejo ele apertando a lâmina prateada na mão esquerda e seu sangue escorrendo pelo braço, o sangue mais grosso e vermelho que o comum pingando no chão sujo.

Malicha força minha boca a ficar aberta, agora o desespero me atinge junto da compreensão e a adrenalina percorre minhas veias acelerando meu organismo. Sei que ele vai me contaminar, é a única explicação para tudo isso, mas não consigo entender seus motivos.

- Não se preocupe, não farei nada demais. É para o seu bem... - assim que ele termina de falar estende a mão sobre minha cabeça e deixa algumas gotas de seu sangue escuro cair em minha boca, umedecer meus lábios, não sinto o esperado gosto de ferrugem, era tão amargo quanto qualquer outra coisa que já experimentei e me causa uma dor em meu peito, uma dor há muito comum para mim, mas agora infinitamente mais intensa, não somente uma pontada e sim um choque violento como se meu coração tentasse abandonar meu corpo, rasgando meu peito.

Enquanto contorço-me em agonia nas mãos do inimigo uma leva de tiros é dada e meus três emboscadores somem, sem o apoio necessário caio no chão, sinto o cheiro da terra molhada sob o asfalto, olho para a frente e vejo meus salvadores, um grupo de soldados armados.

Um deles se aproxima de mim, vejo apenas suas botas negras parando ao meu lado e então ele me pega no colo sem dificuldades. Seus braços são fortes e reconfortantes, onde, como uma garotinha, me sinto segura e perco a consciência nos braços do desconhecido.

Nêmesis A Estrela Negra - O Despertar da BestaOnde histórias criam vida. Descubra agora