Segundos antes de o prof. Snape entrar na sala baixei o capuz, desliguei o iPod e fingi
ler meu livro, sem me dar o trabalho de levantar a cabeça quando ele disse:
— Pessoal, este é Draco Malfoy. Acabou de se mudar do Novo México. Muito bem,
Draco, pode se sentar lá atrás, ao lado da Hermione. Vai ter de acompanhar com o livro dela
até comprar o seu.
Draco é lindo. Sei disso sem precisar espiá-lo nem uma única vez. Mantenho os
olhos cravados no livro enquanto ele anda para o fundo da sala, pois já conheço minha
turma como a palma de minha mão. No que me diz respeito, um pouquinho de ignorância
até que não seria mau.
Mas, segundo os pensamentos mais recônditos de Astoria, sentada apenas duas
filas à minha frente, Draco Malfoy é um espetáculo!
A melhor amiga dela, Cho, concorda em gênero, número e grau.
Assim como o Crabbe, namorado da tal Cho, mas isso já é outra história.
— Oi. — Draco se espreme na carteira ao meu lado, minha mochila produzindo um
baque surdo ao ser jogada no chão.
Retribuo o cumprimento com um aceno de cabeça, recusando-me a olhar além das
botas de motoqueiro dele. Lustrosas e pretas, muito mais para revista de moda que para
Hel s Angels. Bem diferentes da profusão de chinelos coloridos que salpica o carpete verde
da sala.
O prof. Snape pede que a gente abra o livro na página 133, e Draco se inclina em
minha direção.
— Posso acompanhar com você? — diz.
Apavorada com tanta proximidade, hesito um pouco, mas depois empurro o livro até a
beirada de minha carteira, o mais longe que consigo sem derrubá-lo no chão. E quando ele
arrasta sua cadeira para perto, ocupando o pouco espaço que havia entre nós, deslizo para
a extremidade oposta da minha, o mais longe possível. E novamente me escondo sob o
capuz.
Draco ri baixinho. Como ainda não olhei para ele, não faço a menor idéia do que isso
possa significar. Foi um risinho discreto e gostoso, mas talvez tivesse um duplo sentido
qualquer.
Afundo na carteira ainda mais, a cabeça apoiada em uma das mãos, os olhos fixos no
relógio e determinada a ignorar todos os olhares e comentários maldosos desferidos contra
mim. Tais como: Coitado do novato bonitão, gostoso, sexy... ter de se sentar ao lado da
esquisitona! É mais ou menos isso o que passa pela cabeça de Astoria, Cho, Crabbe... e de
quase todo mundo na sala.
Bem, todo mundo menos o prof. Snape, que, como eu, não vê a hora de chegar o fim da
aula.
No almoço, ninguém fala de outro assunto que não seja Draco.
Já viu o aluno novo? Que gato, heim?... É, um gostoso... Ouvi dizer que é do México...
Do México, não, da Espanha... Tanto faz, de um outro país qualquer... É claro que vou
convidá-lo pro Baile de Inverno... Mas você nem conhece o cara ainda!... Fique tranqüila,
porque vou conhecer...
— E aí, amiga? Já viu o tal de Draco? O que acabou de chegar! — Gina se senta a
meu lado e espia através da franja, que de tão comprida chega a roçar os lábios pintados de
vermelho.
— Ah! não, você também, não... — Balanço a cabeça e cravo os dentes em minha
maçã.
— Aposto que você não diria isso se tivesse tido o privilégio de ver o cara — ela diz,
retirando o cupcake de baunilha da caixa de papelão rosa e lambendo a cobertura de glacê,
tal como faz todos os dias, embora ela se vista como alguém que não hesitaria nem mesmo
um segundo antes de trocar um cupcake por um bom copo de sangue.
— Vocês estão falando sobre o Draco, é? — sussurra Miles, deslizando no banco e
fincando os cotovelos na mesa, os olhos castanhos oscilando entre nosso rosto, um sorriso
maroto estampado no rostinho de bebê. — Que gato! Vocês viram as botas? Tão Vogue...
Acho que vou perguntar se ele quer ser meu próximo namorado.
Gina aperta os olhos amarelos na direção dele.
— Tarde demais — diz. — Eu vi primeiro.
— Poxa, foi mal. Não sabia que você curtia "não góticos". — Ele dá um risinho, revira
os olhos e desembrulha seu sanduíche.
Gina ri de volta.
— Se forem como ele, curto. Juro que ele é simplesmente um absurdo de tão
irresistível, você precisa ver. — E balançando a cabeça, irritada com minha indiferença,
vira-se para mim e diz: — Ele é gostoso demais!
— Você ainda não viu? — espanta-se Miles, segurando o sanduíche.
Baixo os olhos para a mesa, muito inclinada a contar uma mentira. Diante daquele
carnaval todo, não conseguia ver outra saída. Mas não posso mentir, não para eles. Gina
e Miles são meus melhores amigos. Os únicos que tenho. Além disso, já guardo segredos
demais.
— Ele se sentou ao meu lado na aula de inglês — digo, finalmente. — Fui obrigada a
dividir o livro com ele, mas não cheguei a vê-lo direito.
— Obrigada? — Gina move a franja para o lado para ver melhor a maluca que foi
capaz de proferir tamanha asneira. — Ah, deve ter sido horrível pra você, um suplício, né?
— Ela revira os olhos e suspira. — Eu juro: você não faz idéia da sorte que tem! Devia estar
agradecendo de joelhos!
— Que livro vocês leram juntos? — pergunta Miles, como se o título pudesse revelar
algo de muito importante.
— O morro dos ventos uivantes — respondo, dando de ombros. Coloco o que restou
da maçã sobre um guardanapo e dobro as pontas em torno dela.
— E o capuz? — pergunta Gina. — Com ou sem?
Depois de certo esforço, lembro que botei o capuz enquanto Draco caminhava em
minha direção.
— Hmm... com. É, tenho certeza: com.
— Ainda bem — resmunga Gina, aliviada, partindo o cupcake em dois. — A última
coisa de que preciso é competir com a deusa dos cabelos dourados.
Eu me encolho e mais uma vez baixo os olhos para a mesa. Fico envergonhada
quando as pessoas fazem elogios assim, que no passado costumavam ser muito
importantes para mim. Agora, não são mais.
— Mas, e o Miles? — pergunto, desviando a atenção para alguém realmente capaz de
apreciá-la. —Você não acha que ele também é um forte candidato?
— Isso mesmo! — Miles passa a mão pelos curtos cabelos castanhos e vira de perfil,
oferecendo-nos seu melhor ângulo. — Eu também estou na parada!
— Bobagem — diz Gina, limpando do colo as migalhas brancas. — Draco e Miles
não jogam no mesmo time. Pelo menos dessa vez, a beleza estonteante e incomparável de
nosso amigo top model não vai contar.
— Como você sabe em que time ele joga? — pergunta Miles, apertando as pálpebras
enquanto destampa sua garrafa de isotônico. — Como pode ter tanta certeza assim?
— Meu gaydar não apitou — explica Gina, dando um tapinha na própria testa. —
Confie em mim: o cara não aparece nele.
Pois bem, Draco é meu colega não só na aula de inglês do primeiro tempo, como
também na de educação artística do sexto (não que ele tenha se sentado ao meu lado, nem
que eu tenha procurado, mas os pensamentos que pipocavam pela sala, mesmo os de
nossa professora, a profa. Minerva, foram suficientes para que eu me desse conta da
presença dele). E como se isso não bastasse, agora vejo que ele estacionou o carro bem
ao lado do meu. Até então eu havia conseguido me conter e não olhar para outra parte além
das botas do sujeito, mas agora, eu sabia, minhas possibilidades de escapar chegavam ao
fim.
— Ai, meu Deus! É ele! Está vindo bem em nossa direção! — exclama Miles, com os
trinados de soprano que reserva apenas para os momentos mais excitantes. — E olha
aquele carro! Um BMW preto novinho em folha! E com o insulfilme mais escuro que existe!
Um espetáculo! Olhe, o plano é o seguinte: vou abrir a porta e acidentalmente bater na
porta dele; então terei uma desculpa pra falar alguma coisa. — Ele se vira para mim em
busca de aprovação.
— Não arranhe meu carro. Nem o carro dele. Nem o de qualquer outra pessoa — eu
digo, balançando a cabeça e tirando as chaves da mochila.
— Tudo bem — resmunga Miles, fazendo beicinho. — Pode arruinar meus sonhos,
não me importo. Mas faça um favor a si mesma e dê uma conferida no cara! Depois quero
ouvir você dizer, olhando fundo nos meus olhos, que não pirou nem ficou de perna bamba
com o que viu!
Reviro os olhos e me espremo entre meu carro e o Fusca vizinho, tão mal estacionado
que parece querer montar no meu Miata. Já estou com a chave na porta quando, atrás de
mim, Miles me surpreende, puxa meu capuz para baixo, arranca meus óculos e corre para o
lado do passageiro, onde, com gestos nada sutis da cabeça e do polegar, insiste para que
eu olhe para o Draco, que a essa altura já está atrás dele.
Então, obedeço. Bem, não posso continuar evitando o cara pelo restante da vida.
Assim, respiro fundo e levanto os olhos.
E o que vejo me deixa incapacitada de falar, piscar ou mover qualquer outra parte do
corpo.
Percebendo meu estado, Miles arregala os olhos e começa a abanar as mãos
freneticamente, fazendo o que pode para abortar a missão e me trazer de volta ao
"quartel-general", à normalidade. Mas não posso. Quer dizer, bem que eu gostaria, porque
sei que estou agindo exatamente como a esquisitona que todos já acham que sou. Mas não
dá, é impossível. E não apenas por causa da beleza inquestionável do tal de Draco. Tudo
bem, os cabelos são lindos, luminosos e compridos; vão descendo ao longo das maçãs do
rosto, salientes e esculpidas a cinzel, até roçar os ombros. Mas quando ele ergue os óculos
de sol para me fitar de volta, constato que os olhos dele, estranhamente familiares, são
amendoados e escuros, emoldurados em cílios tão longos que quase parecem falsos. Ah, e
os lábios! Os lábios são carnudos e convidativos, tão bem desenhados quanto um arco de
Cupido. E o corpo que sustenta tudo isso é alto, magro, firme. Vestido de preto de cima a
baixo.
— Ei, Hermione! Alô-ou! Você pode acordar agora. Por favor! — Miles vira-se para Draco,
rindo de nervosismo. — Não repare na minha amiga, não. Geralmente ela se esconde
debaixo do capuz.
Não é que eu não saiba que tenho de parar, e parar agora. Mas os olhos de Draco,
pregados nos meus, vão se tornando de um colorido cada vez mais intenso à medida que
os lábios esboçam um sorriso.
Mas, como já disse, não é a beleza estonteante dele que me paralisa dessa forma. Um
fato não tem nenhuma relação com o outro. Acontece que toda a área em torno do corpo
dele, desde a gloriosa cabeça até a ponta quadrada das botas pretas de motoqueiro,
consiste em nada além de um espaço vazio, em branco.
Nenhuma cor. Nenhuma aura. Nenhum espetáculo de luzes pulsantes.
Todo mundo tem uma aura. Todos os seres vivos têm espirais de cor que emanam do
corpo. Um campo energético multicolorido do qual nem se dão conta. Nada perigoso ou
assustador, nem ruim, de forma alguma, mas apenas parte de um campo magnético visível
— bem, ao menos para mim.
Antes do acidente, eu nem fazia ideia de coisas assim. E, definitivamente, não era
capaz de vê-las. Mas, desde que acordei no hospital, vejo cores por toda parte.
— Tudo bem com você? — perguntou a enfermeira ruiva, preocupada.
— Sim, mas por que você está toda rosa? — respondi, sem entender o porquê
daquele brilho rosado que a cercava.
— Por que estou o quê? — ela se esforçou para disfarçar o susto.
— Rosa. Isso que está aí ao seu redor, principalmente da cabeça.
— O.K., meu amor, fique aí descansando, que vou chamar o médico. — Ela me deixou
sozinha no quarto e saiu correndo pelo corredor. Só depois de passar por uma bateria de
exames oftalmológicos, ressonâncias cerebrais e avaliações psiquiátricas foi que aprendi a
guardar minhas visões só para mim mesma. E mais tarde, quando passei a ouvir
pensamentos, a captar histórias de vida pelo toque e a conversar com minha irmã morta, já
estava escaldada o suficiente para ficar de bico calado.
Acho que já me acostumei a viver assim; nem sequer recordava que existe um jeito
diferente. Mas ao ver Draco emoldurado apenas no preto reluzente da carroceria de um
carro chiquérrimo e caríssimo, acabei me lembrando de outro tempo da minha vida, mais
feliz e mais normal.
— Seu nome é Hermione, certo? — ele pergunta, enfim abrindo o sorriso esboçado há
pouco e revelando mais uma de suas inúmeras perfeições: dentes incrivelmente brancos.
Eu fico ali, inutilmente tentando desviar o olhar, enquanto Miles começa a pigarrear
feito um maluco. Só então me lembro de quanto ele detesta ser ignorado.
— Ah, desculpe. Miles, Draco, Draco, Miles — digo, sem ao menos piscar. Draco
dá uma olhada rápida para o Miles, cumprimenta-o com a cabeça e logo se volta para mim.
Sei que vai parecer maluquice minha, mas durante a fração de segundo em que Draco
desviou o olhar senti uma fraqueza e um frio muito estranhos.
Mas assim que ele vira seu olhar novamente para mim tudo volta ao normal — tudo
fica quente e bem de novo.
— Posso pedir um favor? — E sorri. — Será que você pode me emprestar seu O
morro dos ventos uivantes? Preciso colocar a leitura em dia, e hoje não vou ter tempo de
passar na livraria.
Abro a mochila, retiro meu exemplar todo amarfanhado e estendo o braço com o livro
na palma da mão, parte de mim torcendo para que a ponta de meus dedos toque a ponta
dos dedos dele, enquanto outra parte, a mais forte e sábia, aquela com poderes
sobrenaturais, treme só de pensar nas revelações que podem brotar do contato com um
desconhecido tão lindo.
Ele joga o livro no interior do BMW, baixa os óculos escuros e diz:
— Valeu, a gente se vê amanhã.
Só então percebo que nada aconteceu com aquele breve toque, além de um leve
formigamento na ponta dos dedos. E antes que eu possa dizer o que quer que seja, ele já
está dando a ré para sair da vaga.
— Amiga — diz Miles, balançando a cabeça e se acomodando a meu lado no Miata.
— Desculpe, mas quando falei que você iria pirar quando visse o cara eu não estava
sugerindo que você pirasse. Não era pra você seguir ao pé da letra. Caramba, Hermione, o que
foi que deu em você? Que esquisitice foi aquela? Só faltou você dizer: Muito prazer, eu sou
a Hermione, a psicopata que vai perseguir você pelo restante da vida! Não estou brincando.
Achei que a gente teria de ressuscitar você! E olhe, pode acreditar, você deu uma tremenda
sorte. Imagine se a Gina, nossa queridíssima amiga, estivesse lá para ver a cena, hã? A
senha número 1 é dela, meu amor, já esqueceu?
Miles continua tagarelando sem parar durante todo o caminho. Simplesmente eu o
deixo falar enquanto presto atenção no trânsito, roçando o dedo na cicatriz espessa em
minha testa — a que escondo debaixo da franja.
Como explicar a ele que, desde o acidente, as únicas pessoas cujos pensamentos não
posso ouvir, cujos toques nada revelam e cujas auras não consigo ver são as que já
morreram?
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Para Sempre, Saga Os Imortais, Dramione [Em Pausa]
FanfictionUma vida perfeita: essa era a realidade de Hermione Granger. Ela era uma garota popular, acabara de se tornar líder de torcida do principal time da escola e morava numa casa maravilhosa, com o pai, a mãe, uma irmãzinha e a cadela Buttercup. Nada no...