Sinopse: O ano é 1976, auge do movimento punk nos EUA. Você e cinco amigos de infância pegam estrada depois da formatura. Fogem da sua cidade natal, muito religiosa e conservadora, para tocarem em New York na banda punk que vocês escondem há três anos. Mas largar tudo, mesmo quando você odeia o lugar, pode ser bem difícil, se foi a única realidade que você já conheceu. Vocês estão arriscando o certo pelo duvidoso, mas estão seguindo seus sonhos. E a sua relação com ele é igualzinha. Vocês são o casal que se gosta, mas que nunca consegue ficar junto. Uma parada em um posto de beira de estrada, e todos os seus problemas estão resolvidos.
Gênero: Romance, drama.
Classificação: Média.
Status: Shortfic – Finalizada.
Observações: Palavrões e consumo de drogas lícitas. Baseada na música My Heart Is Open, do Maroon 5.0 de Julho de 1976 – Estados Unidos – Rota 11 – Rodovia 81
Algum lugar entre Siracusa e New YorkMarilyn estava no banheiro sujo e malcheiroso do posto de gasolina. A luz incandescente piscava de forma incerta, e ameaçava apagar a qualquer momento. A garota olhava preocupada para ela, e rezava para conseguir terminar de fazer xixi antes dela apagar, ou estaria perdida. Terminou, se limpou com o papel que havia trazido da van e abotoou a calça cintura alta. O espelho refletia a imagem de uma garota com cabelos cheios e muito cacheados, bagunçados pela viagem, e de brinde, olheiras profundas. Vestia por dentro da calça uma camisa preta com a foto do tronco de uma mulher nua, com os seios cobertos por dois esparadrapos em forma de "X" e escrito em um garrancho "The Mechanical Prigs".
- Como foi fazer xixi com uma barata morta te encarando? – Teresa provocou, com seu típico sorriso presunçoso.
Marilyn se limitou a lançar à amiga um olhar ameaçador, que foi correspondido com uma risada contagiante que fez Adam e Cadem rirem junto.
- Se acostuma, docinho. Lá em New York vai ser pior. – Garantiu Cadem, provocando-a junto com Teresa. – O banheiro vai ser um buraco no chão rodeado por ratos e mendigos.
- Não toca nesse assunto, amanhã discutimos isso. Está tarde, são duas da manhã e o Matt está providenciando um lugar para nós no Hotel. – Adam mudou de assunto, tentando tirar o foco da conversa. Seus cabelos lisos caiam no olho, mas não incomodavam por causa da bandana vermelha amarrada na testa. Ele estava claramente cansado, suas olheiras profundas diziam isso. As mãos repousavam nos bolsos da calça jeans suja, a camisa preta sem mangas do The Doors que Marilyn havia dado a ele caía perfeitamente no seu corpo. Eles ainda se lembravam de como havia sido difícil de consegui-la.
Ela se sentiu culpada olhando o hematoma no olho dele.
- É, vai no banheiro logo e para de encher o saco. – Marilyn retorquiu para Cadem, que se apressou a pegar um pedaço de papel comTeresa e se trancou rapidamente no banheiro.
- Ainda bem que eu fui antes dele, porque parece que ele vai entupir o vaso sanitário. – Ela comentou observando o modo como o amigo, aparentemente perturbado mentalmente, entrou no banheiro.
- Nada que a gente não esteja acostumado. – Constatou a amiga com um sorriso compreensivo. – Eu vou ajudar o Matt e a Chelle, esperem ele aqui.
Teresa saiu correndo antes que Marilyn pudesse dizer alguma coisa, em direção ao prédio de três andares, cuja tinta branca estava descascando, e a placa vermelha estava com o H ameaçando a apagar. Pelo que Matt disse, ali também não havia banheiros decentes, por isso eles precisavam ir no do posto, que não era tão ruim. Alguma coisa ali funcionava como deveria?
Um silêncio denso se estabeleceu entre Adam e Marilyn, que encaravam o céu piche estrelado. Ela não sabia o que dizer depois de tudo o que havia acontecido aquela noite, e ela não fazia ideia de como Cadem e Teresa ainda conseguiam fazer brincadeiras. Eles realmente perdiam o amigo, mas não perdiam a piada. O Cadem era palhaço com absolutamente tudo, e a Teresa era a garota com a auto estima estratosférica que todo mundo admirava. O Matt era caladão e meio esquisito, poucas vezes falava até entre os amigos, e Rochelle, sua namorada, era a garota mais doce que eles já haviam conhecido. Adam era tranquilo, e tinha um terrível ar de bad boy. Eles eram completamente diferentes, ela constatou, mas eles eram família. Marilyn sabia que quando eles escolheram sair de Brewerton, não poderiam voltar mais.
Aquela havia sido uma escolha permanente, e ou aquilo dava certo, ou dava certo. Falhar não era uma opção.
- Você está arrependida? – Adam perguntou, rompendo o silêncio. Aquela era uma pergunta difícil.
- Não sei. – Respondeu sincera, se virando para ele. Sua garganta se fechou quando viu os olhos exaustos do garoto brilhando sob a luz da Lua e da iluminação merda do posto. – Nós dissemos que sabíamos o que estávamos fazendo, mas será que sabíamos mesmo? Sabemos o que vamos enfrentar em New York? Adam, a gente não tem onde cair morto. A única coisa que a gente tem é uma van, instrumentos musicais, roupas e o nosso talento.
Ele ficou em silêncio.
- Eu estou apavorada. – Desabafou, abraçando o próprio corpo.
Adam sentiu seu coração se partir em mil pedaços ao vê-la daquele jeito. Ele a amava, e sabia que ela sentia o mesmo por ele. Ele tinha coragem para quase tudo, mas não sabia se tinha coragem para tentar algo de novo com ela. Sempre que eles tentavam ficar juntos, alguma coisa dava errado. Primeiro foi a ex dele, depois foram os pais dela, conflitos e brigas bobas. Ainda valia mesmo a pena tentar? Todos eles haviam crescido juntos. Amadurecido e feito escolhas juntos. Eles arriscaram a certeza de um lar quente, uma faculdade correta e um futuro garantido. Eles trocaram um suéter e um sorriso branco pela estrada e instrumentos musicais.
Eles já estavam arriscando demais. Não dava para partir para a incerteza com ela também.
O garoto respirou fundo e a abraçou forte, pegando-a de surpresa. Ela correspondeu ao abraço mecanicamente, envolvendo suas mãos na cintura dele. Marilyn respirou fundo, sentindo o coração aliviar. Aquilo era tão certo, como se seus corpos fossem feitos para envolver um ao outro. Ela apertou o abraço, como se dissesse para ele não soltar. Ele também apertou, dizendo que não a soltaria até ela estar pronta.
- Desculpe por ter socado seu pai e tal. – Ele falou, mordendo o lábio inferior nervosamente.
- Ele mereceu. – Constatou. Adam ficou aliviado. Ela não conseguia se lembrar direito de tudo o que havia acontecido naquela noite, tudo não passava de um borrão difuso.
- Puta que pariu. – Cadem saiu do banheiro e fechou a porta com um estrondo. – Acho melhor vocês saírem daí, porque está um futum de gato morto.
E saiu andando, sem comentar nada sobre os dois estarem abraçados de forma bem comprometedora. Não era novidade para ninguém, afinal. Eles eram o casal que se gostava, mas que nunca ficavam juntos.
Depois das gargalhadas, eles desfizeram o abraço e foram para o hotel. O braço dele descansava sobre os ombros dela e a mão esquerda dela continuava na cintura dele. Nenhum dos dois comentou nada sobre o assunto.
- Aqui tem um bar? – Perguntou a garota, se questionando o que eles tomariam de café da manhã. Adam era um monstro com fome pela manhã.
- É claro que sim. – Ele sorriu de canto de boca. – Quatro coisas que um comércio de beira de estrada sempre tem: posto, oficina, hotel, e o mais importante, o bar!
- Eu nem sei por que eu ainda pergunto. – Ela sorriu. – Até na recessão esses caras continuam funcionando.
- Quem precisa de comida quando se tem cerveja? – Ele ironizou.
Eles alcançaram o estacionamento, e encontraram os amigos sentados na van. A porta estava aberta, e eles dividiam um baseado.
- Vocês não foram reservar os quartos? – Marilyn perguntou, confusa.
- Nem fodendo que eu vou dormir ali. – Teresa foi a primeira a se manifestar, e se não tivesse fumando o baseado, estaria descontando a raiva no primeiro que aparecesse.
- Mary, a gente vai ter que se virar na van, ou sei lá. Não tem condições, o lugar é imundo. – Chelle explicou, apontando o polegar para o prédio. Estava sentada no banco da frente da van branca e vermelha com Matt.
A van ainda estava inteira, apesar de um pouco gasta. Os amigos haviam colocado todos os instrumentos musicais na parte de trás da van, e três assentos os separavam do espaço em que o Adam, a Teresa, o Cadem e Marilyn dividiam durante a viagem. Matt dirigia, eChelle ficava no carona. Estavam no chão, em um espaço grande que lembrava uma van hippie. Era uma confusão de corpos cansados e desanimados, edredons e travesseiros amassados. As malas haviam sido entulhadas nos bancos, presas com o cinto de segurança e um barbante. Algumas também haviam sido colocadas atrás, para apoiar os instrumentos e evitar a colisão entre eles durante a viagem.
- Sugestões? – Matt perguntou sério, com um olhar vidrado no pára-brisas. Ele era muito alto, ao ponto de ser meio desajeitado, e seus cabelos eram castanhos e batiam nos ombros. Tinha sobrancelhas grossas e um rosto engraçado.
- Porque não dormimos na van? – Teresa perguntou, apertando os olhos para ver a placa do bar. – Amanhã tomamos café no bar. Quer dizer, comemos alguma coisa. Que seja.
A noite passou depressa, e todos deram um jeito de se espremer na van. Matt ficou na frente com Rochelle, e o resto se virou no banco de trás. Estava quente, e eles deixaram a janela aberta para entrar vento. Eles temiam que alguém os assaltasse, mas além de não haver nada para assaltar, era isso ou deixar as janelas fechadas e morrer asfixiado. Não dava para deixar o ar ligado a noite inteira, gastaria toda a gasolina que eles tinham.
Matt e Chelle apagaram imediatamente, estavam muito cansados. Cadem desmaiou nos pés de Teresa e parecia desconfortável. A garota trocou algumas palavras com Marilyn antes de dormir. Já a última continuou acordada. Estava nos braços de Adam, que demorou um pouco para dormir. Ela sentia o peito dele subir e descer levemente. Era relaxante o movimento da respiração do garoto, e isso a deixou sonolenta. Mas ela sabia que não dormiria. Era o tipo de situação que você estava exausto, mas sua mente não conseguia relaxar. Mesmo com o tecido da blusa que o garoto usava sendo tão confortável quanto a fronha do seu travesseiro.
Ela se lembrou de casa e tentou sentir saudades, mas não conseguiu. Ela não era tão desapegada quanto os amigos. Também não tinha tanta atitude de punk quanto eles. Achou que, mesmo apesar de tudo o que havia acontecido aquela noite, sentiria um pouco de saudades. Aquilo era a única coisa que ela havia conhecido, mas descobriu que realmente odiava tudo. Ao invés de sentir desespero e nojo de ficar nos banheiros sujos dos postos de gasolina, bares e lugares entulhados de gente suada e com cheiro de cigarro e álcool, ela se sentia bem. Era como se ela tivesse se libertando de uma vida em uma corrente para conhecer a verdadeira natureza humana. Ela adorava ver os bêbados fazendo besteiras, as garotas se oferecendo e ouvir música alta a noite inteira.
Se forçou a sentir saudades de tudo o que havia conhecido, mas tudo o que conseguiu sentir foi pena.
- Ei, está acordada? – Adam sussurrou no ouvido dela. Marilyn quase pulou de susto e sentiu todos os pelos do seu corpo arrepiar. Também sentiu o peito dele vibrar com uma risada silenciosa.
- Idiota. Eu achei que você estava dormindo. – Sussurrou com raiva.
- Vamos ver se o bar está aberto. – Ele sugeriu, e ela achou plausível. Ali estava desconfortável e ela se sentia claustrofóbica.
Eles saíram da van com cuidado para não acordar ninguém. Contornaram pela esquerda, passando pela janela do motorista. Viram que, na verdade, o amigo estava acordado. Ele segurava Rochelle da mesma forma que Adam segurara Marilyn momentos antes. Seu braço esquerdo estava apoiado na janela, e sua cabeça estava para fora. Tinha um cigarro em mãos, e um semblante pensativo. Levantou o cigarro os cumprimentando quando passaram.
Adam apontou para o bar silenciosamente, o convidando para se juntar a eles. Ele balançou a cabeça devagar, e abraçou a namorada com a mão livre. Eles eram um casal estranho, mas muito bonito. Marilyn mandou um beijo para o amigo de longe, que retribuiu com um sorriso gentil.
Quando eles chegaram no Roxy's Bar, decretaram que não era muita coisa, mas que definitivamente era melhor do que o que Teresa eChelle disseram sobre o hotel. O local era um típico bar de beira de estrada, mas tinha um toque feminino. Placas, pôsteres e várias coisas penduradas nas paredes de madeira. O bar estava com algumas bebidas, o suficiente para o estabelecimento funcionar, mas a variedade não era muita. Tinham três tipos de cerveja. O chão de madeira estava limpo, mas com várias marcas de brigas antigas e manchas de sangue que se recusavam a sair. Atrás do bar estava uma loira grande e muito maquiada, seu queixo estava apoiado na mão, cujas unhas vermelhas estavam descascando. Seus seios saltavam pelo decote da blusa apertada.
- Boa noite. Se estiverem procurando o telefone, ele fica na puta que pariu. É logo ali na esquina. – Disse assim que os dois entraram, apontando com o dedo calejado.
- Na verdade, a gente só queria duas cervejas e um ar fresco, por favor. – Marilyn falou, e constatou que a mulher tinha cara de prostituta.
- As cervejas eu posso providenciar, já o fresco, eu não garanto. Não com aqueles brutamontes ali no fundo. – Lançou um olhar torto ao fundo do bar, onde uns motoqueiros barulhentos bagunçavam. – Estão jogando sinuca há horas, e toda vez que algum perde, eles quebram alguma coisa. Eles que esperem. Quando forem sair, vão pagar tudo.
A loira, que eles julgaram ser Roxy, bateu o salto no chão e sorriu sarcasticamente para a espingarda novinha e brilhante apoiada atrás do balcão. Seu olhar era de quem já tinha visto de tudo na vida, e Marilyn se lembrou de uma frase de Bukowski que combinava perfeitamente com ela.
- "Sempre admirei o vilão, o fora da lei, o filho da puta. Não gosto dos garotos bem-barbeados com gravatas e bons empregos. Gosto dos homens desesperados, homens com dentes rotos e mentes arruinadas e caminhos perdidos. São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e explosões. Também gosto de mulheres vis, cadelas bêbadas que não param de reclamar, que usam meias-calças grandes demais e maquiagens borradas. Estou mais interessado em pervertidos do que em santos. Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um imprestável. Não gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser moldado pela sociedade." – Marilyn recitou para a mulher, que a olhou como se a garota fosse um interessante objeto de estudo. – Charles Bukowski.
- Vou providenciar duas cervejas por conta da casa, em troca de uma boa história. – Roxy sorriu da mesma maneira sarcástica que sempre fazia. Ela havia visto muita coisa na vida, loucuras de bordel, brigas sangrentas e discursos hórridos. Ela sabia quando alguém tinha uma boa história, e aqueles dois eram quase um livro aberto.
A garota tinha o cabelo cacheado e cheio demais, com as roupas de uma punk, os olhos escurecidos demais por maquiagem e restos de um batom vermelho borrado. Tinha o brilho nos olhos de uma revoltada, e Roxy sabia que a garota não tinha ideia disso. Aquela garota era uma alma indomável, mas precisava sair da sua casca. Ela tinha a expressão naturalmente decidida. Seu rosto gritava que ela estava cansada e há dias sem dormir direito. Deveras interessante.
Veja bem, Roxy já não tinha muita coisa na vida. Só aquele bar velho e um ex marido que enchia sua paciência. Ela tinha um temperamento impossível, e ele vivia esfregando na cara dela que havia sido por isso que ele a largou. Tudo o que restava a ela era servir de ouvinte para as boas histórias dos transeuntes que passavam pelo seu bar de quando em quando. Era o último prazer a qual ela se relegava. Mas mais do que ouvir, ela adorava falar. Quanto mais alto e mais escandaloso, melhor. Ela dava conselhos e espalhava sua fodida experiência de vida para as pessoas.
O garoto também era muito interessante, e a olhava de modo suspeito, mas soturno. Sua calça jeans suja denunciava os caminhos os quais ele já havia andado. A blusa dizia que ele não era apenas uma parte da sociedade, ele estava à margem, e estava no movimento que quebrava os paradigmas do "American way of life". Ela via claramente que ele era esperto e desconfiado por natureza. Tinha um ar, assim como a garota, revoltado e rebelde, mas nele era muito mais gritante. Ele sabia que era um alma livre. Ela sentia pelo modo como ele se posicionava ante a garota, que ele era corajoso, destemido e faria tudo por ela.
Assim como sabia reconhecer boas histórias, Roxy sabia reconhecer pessoas experientes. Ele, apesar da pouca idade que seu rosto denunciava, tinha o olhar de quem já havia visto muita coisa. Uma das primeiras coisas que lhe chamava a atenção era o olho roxo. Dava um ar transgressor e rebelde que a mulher adorava.
- Qual é a história da vida de vocês? Por quais caminhos vocês andaram? Como vocês vieram parar nesse fim de mundo de beira de estrada? – Ela perguntou, apoiando o queixo nas duas mãos, e os cotovelos no balcão. Seus seios estavam apoiados no balcão, e Adam não pôde evitar dar uma encarada. Eles eram enormes.
Marilyn não sabia o que dizer, mas achava a mulher muito interessante. Todo aquele ambiente acabado de beira de estrada a interessava muito, a efemeridade a encantava. Havia esquecido de como gostava dos ambientes acabados que via em Siracusa, e como gostava da vida noturna. Mesmo que fosse de um comércio de beira de estrada.
- Você quer saber da nossa vida? – Marilyn perguntou com uma expressão duvidosa, como se não tivesse ouvido direito. – Por quê?
- Você vê algo mais interessante para se fazer no momento? – Roxy perguntou, fazendo um bico de deboche com seus lábios rubros. – E eu estou te dando cerveja de graça por isso.
- Você está comprando a história da minha vida por cerveja? – Questionou, dando um grande gole na cerveja. Ela não era uma grande bebedora de cerveja no início, na verdade detestava, mas com o tempo aprendeu a gostar. Até então, ela já bebia tanto quanto os meninos. – Nada mal.
- Pode começar. – Adam cedeu, se acomodando no banco alto ao lado de Mary. Deu um grande gole na caneca de cerveja, sentindo o gosto de costume. Ele bebeu tanta cerveja nos últimos dias, que não dava para sentir falta do gosto.
- Tudo começou em Brewerton, 1973. Você sabe, é uma cidadezinha católica demais e muito conservadora. Estilo fim do mundo. – A garota aceitou o cigarro que o garoto ao seu lado ofereceu. Ela o segurava exatamente como Brigitte Bardot, e Adam achava aquilo muito sexy. – Somos um grupo de seis amigos que cresceram juntos. Eu sou a Marilyn, ele é o Adam. Ainda tem a Teresa, o Matt e aChelle, que namoram, e o Cadem. Ele é o cara que entupiu o banheiro do posto.
- Acho melhor ele não encontrar o dono pela manhã, senão as coisas vão ficar feias pra ele. – A loira gargalhou, tomando um gole da própria cerveja e deixando a marca de batom na caneca de vidro translúcida.
- Nem me fale, ele é nojento. – Ela revirou os olhos. – Nós fomos uma vez para Siracusa em uma viagem do colégio. Comparado a Brewerton, é quase uma New York, então decidimos nos desviar um pouco do caminho e ir conhecer a cidade. Acabamos em uma loja de música, e foi lá que tivemos o primeiro contato com rock. Foi um choque, nós crescemos ouvindo que rock era do Diabo, e de repente, descobrimos que nada é como achávamos que era.
- Saímos de lá com umas fitas do The Doors, Beatles, e várias outras bandas. Escondemos na bolsa da Teresa e ouvimos todas as fitas sem parar no dia seguinte. Foi a primeira vez que eu me senti um rebelde de verdade. – Adam falou pensativo.
- Começamos a desconstruir tudo o que os nossos pais nos ensinavam, toda a visão obcecada por Deus e o Inferno. Inventamos várias viagens à Siracusa depois. Nossos pais confiavam na gente, e achavam que nós éramos muito católicos porque íamos nas missas para disfarçar. Fizemos isso por muito tempo. – Marilyn deu outra tragada no cigarro e tomou um gole de cerveja. Seus coturnos estavam apoiados no balcão, e Roxy não dava a mínima.
- Tinha uma casa que ninguém alugava há tempos na vizinhança, e nós passávamos muito tempo lá. Líamos todos os livros que nossos pais nos proibiam de ler. Ouvíamos todas as músicas que eles condenavam. Fazíamos tudo o que eles diziam para não fazermos, porque nós já não tínhamos motivos para acreditar neles. – Os olhos de Adam tinham um brilho indignado, e ele já estava na metade da caneca. – Eles mentiam para nós sobre tudo. Seus casamentos iam mal, o dinheiro da Igreja não ia todo para a Igreja e tudo era uma falsa moral.
- Nós ficamos putos quando descobrimos, e só confiávamos uns nos outros. Logo o Matt ganhou dos pais a van branca e vermelha, e combinamos de fugir depois da formatura. Todos nós já teríamos dezoito e não teria problema. – Marilyn disse, e sua fala foi sufocada por um baque surdo dado pelos motoqueiros. Roxy ignorou, e continuou prestando plena atenção nos dois.
- Compramos uns instrumentos e os contrabandeamos para aquela casa abandonada. Montamos uma banda e já tínhamos tudo planejado. Direto para New York, sem faculdade.
- Era um caminho sem volta, sabíamos disso. – Adam completou, encarando com interesse os motoqueiros jogando sinuca e todo o estrago feito. Não duvidava que Roxy pudesse fazê-los pagar tudo, mas eles eram uns animais.
- Como vocês fizeram tudo acontecer? Vocês simplesmente foram tentar na sorte? – Roxy serviu outra caneca de cerveja para Adam, que já estava distraído. Sono ou álcool?
- Foi mais ou menos isso. Na verdade, eu e as meninas nos infiltramos no coral da Igreja. Eles nos ensinaram sobre teoria musical e os garotos se viraram com a banda da escola. Foi como um trabalho de agente duplo o tempo inteiro.
- Eu aprendi a tocar baixo com uns livrinhos de música que eu comprei, e sempre pedia umas dicas para os caras quando ia nos shows. A mesma coisa com o Matt, que aprendeu a tocar guitarra. O Cadem sempre gostou de batucar nas coisas, ele é bem hiperativo, e se deu bem pra caralho com a bateria. – Marilyn encarava os cabelos caírem sobre os olhos do garoto, que começou a explicar a outra parte da história com uma voz cambaleante. Ele soltava a fumaça lentamente, e Mary não conseguiu parar de olhar para a boca dele.
Uma buzina alta de caminhão soou da estrada lá fora. O álcool estava começando a fazer efeito. Ela desejou poder fazer com que as coisas dessem certo para eles dois, mas sabia que não daria certo.
- Teresa seria a vocalista, porque ela era a mais desinibida e tinha mais presença. Ela é uma maníaca por atenção e era uma escolha óbvia. Enquanto eles treinavam, eu e a Chelle escrevíamos as músicas. Sugeri o nome "The Mechanical Prigs", e todo mundo curtiu. Os Pedantes Mecânicosparecia um nome bem apropriado para uma banda de punk rock, ainda mais se considerarmos a cidade onde vivíamos. – Ela estava cansada de relembrar aquilo, sua cabeça doía. Queria só beber a cerveja e relaxar.
- Estamos na estrada desde ontem. Fizemos um show em um bar conhecido de Siracusa, íamos sempre lá. Acho que eu posso me acostumar com essa vida de banda. – Adam finalizou, ele parecia satisfeito e muito sonolento.
- Mas me conta, garotão. – A loira se aproximou dele, com um olhar de interesse que fez Mary torcer a boca em uma linha reta. – Como você conseguiu esse olho roxo?
Adam olhou para Mary e os dois trocaram um olhar de entendimento mútuo. Ele pegou a mão dela, o que a deixou surpresa. Ela também não reclamou, entretanto.
- Isso aconteceu ontem, quando estávamos saindo. Foi muito complicado dizer aos nossos pais o que estávamos fazendo. Apesar de tudo, eles continuam nossos pais. Não podíamos simplesmente ir embora sem falar nada, ou deixar um bilhete, "Mãe, fui ser um rockstar. A próxima vez que você me vir, eu vou estar na capa da revista. Com amor, Adam." – Adam falou sem economizar na ironia. Os dedos dele e de Mary se cruzaram, e ela já não estava entendendo mais nada. – Meu pai literalmente me expulsou de casa e queimou o resto das coisas que eu deixei para trás no jardim. Mas os pais da Mary surtaram.
- Eles queriam prender ela em casa, exorcizar ela, sei lá. O pai dela começou a machucar ela, dizendo que ela estava possuída, foi horrível. Os planos eram partir uma semana depois da formatura. Iríamos nos encontrar na casa abandonada, e quando ela não apareceu, ficamos preocupados. Nós praticamente invadimos a casa dela e tiramos ela à força de lá. Ela já estava há dois dias sem comer e beber nada no porão, ele disse que era para matar o demônio dentro dela. Isso é desumano. – Ele realmente parecia puto. Seu cigarro estava no cinzeiro cheio de pontas de cigarro, e ele apertava a mão livre de forma que os nós dos dedos estavam ficando brancos.
Marilyn engoliu em seco com a memória. Ela não tinha ressentimentos quanto a eles, entendia que a religião os cegava e que eles estavam fazendo o que achavam certo. Não que fosse de fato certo, mas ela não ficava com raiva deles. Tinha indiferença demais para isso.
- Então você brigou com o pai dela para defender a honra dela, é isso que eu estou entendendo? – Roxy perguntou, levantando sua fina e bem pintada sobrancelha.
Os dois ficaram sem graça e se separaram. Roxy não conseguiu deixar de gargalhar dos sorrisos constrangidos. Adam se levantou e foi em direção ao banheiro do bar, dizendo que tinha tomado muita cerveja. Marilyn e Roxy ficaram sozinhas no bar, tendo como trilha sonora os gritos dos motoqueiros e os barulhos das bolas de sinuca.
- Eu passei por muita coisa nesses anos, sabe garota?
Marilyn acenou com a cabeça. Olhava para o fundo da caneca vazia e contemplava sobre o porquê de estar se sentindo tão indiferente. Não só aos seus pais, mas em relação a tudo. Era para ela estar vibrando, era o sonho dela se realizando. Não era?
- Então ouça o que eu digo, e aceite o conselho de uma pessoa mais experiente. Você é uma garota inteligente. Boas palavras, muita leitura, esperta. Foi criada com bons valores e para ser boa com o próximo. Mas ouça o que eu te digo, você não precisa ser sempre assim. – Roxy levantou o queixo da garota levemente, forçando-a a olhá-la profundamente nos olhos. Seus dedos eram ásperos e calejados. – Você foi criada para ser assim, e está condicionada a ser assim. Mas você pode mudar. Para isso acontecer, você precisa deixar o passado ir embora.
Marilyn prestava atenção nas palavras dela, e franziu as sobrancelhas sem perceber enquanto a olhava nos olhos. Seu coração ficava cada vez mais apertado, e ela sentiu uma queimação nos seus olhos.
- Você não vai voltar. – Ela disse firmemente. Marilyn sentiu uma sensação maternal que nunca havia sentido com sua mãe. Ninguém jamais havia dado um sermão nela, porque ela sempre havia sido uma boa garota. Era a primeira vez, e primeiras vezes sempre ficavam marcadas na memória. – Você não pode voltar. Me desculpe, mas a verdade é dura. Essa foi uma escolha para toda a sua vida. A partir de agora, você está jogando seu passado fora e construindo um futuro novo. Escolha o que você vai levar com você e continue andando. Mesmo que você tenha ele, seus amigos, você está sozinha. Você teve tempo para refletir sobre isso quando estava no porão, eu aposto. No escuro, até sua sombra te abandona, então tenha força para segurar as rédeas sozinha se for necessário. Pode apostar que dias piores virão, então trate de limpar esse rosto.
- "O homem é o lobo do próprio homem". Thomas Hobbes. – A garota citou, limpando as lágrimas. Seu rosto provavelmente deveria estar uma bagunça de manchas pretas.
Colocou seu cigarro no cinzeiro e segurou as mãos da mulher com gratidão. Abriu um sorriso sincero, que foi retribuído com um olhar maternal.
- Uma vez eu sofri um acidente, e meu útero foi afetado. – Roxy começou, mordendo o lábio inferior. – Nunca consegui ter filhos. Sempre me culpei por não conseguir dar isso ao meu ex marido, mas depois entendi que a culpa não era minha. Eu não queria que isso acontecesse, sempre foi um sonho meu ser mãe, e se meu marido, ex marido, não entende a minha situação, é problema dele. Desde então gosto de ajudar as pessoas desorientadas que vejo por aqui, pois nunca vou ser capaz de fazer isso com um filho.
Marilyn se sentiu mal por ela, mas constatou que isso não era necessário. Ela era uma mulher forte, até um cego conseguia ver isso, e não precisava que ninguém se sentisse mal por ela.
- Obrigada por tudo. – Marilyn agradeceu. – Você é uma pessoa maravilhosa, e eu desejo tudo de bom para você. Espero que você seja muito feliz, e que um dia, consiga realizar seu desejo de ser mãe. Mesmo que não seja da forma como você pensa.
Ela jurou ter visto Roxy limpar o canto do olho, mas não disse nada. A mulher deu seu típico sorriso irônico e confiante, e seu semblante havia voltado ao normal.
- Me deixe te dizer mais uma coisa, que eu tenho aprendido à duras penas. Não deixe esse garoto escapar. Ele te ama mais do que você imagina, e você também. Não é uma coisa que a gente vê sempre por aí, então não deixe que qualquer coisa a estrague. Seja mais confiante e insista. Faça isso dar certo. Não fique com joguinhos mentais, e com suposições. Seja direta e sincera. Se algo der errado, converse com ele e diga tudo o que você pensa, e faça o máximo para resolver todos os resquícios de briga. Não foda essa merda, pelo amor de Deus.
Ela ficou muda com o que a mulher disse, e desviou seu olhar para as três canecas de cerveja vazias. Um baque forte chamou atenção das duas no fundo e, em um rompante, o furacão loiro pegou a arma novinha pendurada na parede e parecia pronta para atirar.
- Ei seus filhos da puta! Onde vocês pensam que estão? No puteiro que é a casa da mãe de vocês? Acho melhor vocês terem o número de um bom psiquiatra depois de saírem do meu bar, seus covardes. – Gritou a plenos pulmões, indo em direção à mesa de sinuca. Seus olhos tinham um brilho quase assassino, e ela deu graças a Deus que Adam tinha voltado, porque a coisa ia ficar feia ali.
- Vamos embora. Agora. – Ela suplicou, arrastando-o rapidamente pela mão.
Entraram na van antes que pudessem ver o resultado do desastre.
- São quase quatro horas, daqui a pouco amanhece. – Ele sussurrou para ela.
Marilyn estava encostada na porta da van, e Adam estava de frente para ela.
Ela entendeu o que Roxy havia dito a ela, e concordava. Havia sido duro ouvir aquilo, mas ela não faria drama e aplicaria aquilo na própria vida de agora em diante. Era irracional ela continuar guardando o passado, só servia como mais um peso nas costas. Ela estava passando para uma nova fase, agora ela decidiria o que faria com o próprio futuro. As escolhas dela estavam nas próprias mãos. A mulher estava certa sobre quase tudo, mas não tinha certeza se também estava sobre Adam.
Depois da formatura, antes de tudo aquilo com a família dela acontecer, eles haviam brigado sobre algo bobo que ela nem lembrava mais. Ela havia esquecido tudo depois dos dois dias naquele inferno, ainda mais depois deles terem ido resgatá-la. Não que algum dia ela tivesse duvidado que eles iam fazê-lo, mas foi boa a visão do Adam socando o pai dela várias vezes. Ela queria ter feito isso antes. Não gostou dele ter apanhado, mas o fazia quase um mártir.
Ela não sabia como estavam as coisas entre eles dois. Nenhum dos seis havia conversado muito durante a viagem, todos estavam digerindo tudo da sua própria forma.
Suas pálpebras começaram a pesar como ficavam durante a aula de física. Tentou manter os olhos abertos para continuar observandoAdam como ele a observava, mas foi inútil. Dormiu antes que pudesse perceber.
- Eu escrevi uma música. É sobre você. – Adam sussurrou, mas ela não ouviu. Morfeu estava ocupando-a com outras coisas no plano metafísico.
Ele velou o sono dela, observando a sua respiração lenta e pacífica. Sentiu pena de vê-la em uma posição tão desconfortável. Tinha certeza de que ela acordaria reclamando mentalmente sobre a dor na coluna, como sempre fazia quando não dormia direito. Ela costumava encher os ouvidos deles com reclamações quando isso acontecia, em Brewerton, mas agora não ousava dizer uma palavra sobre isso. Puxou-a para seu colo, a posição que tinham dormido várias vezes antes, sem acordar os amigos. Não estava preocupado em acordá-la, ela tinha o sono mais pesado que já havia visto em alguém, quando dormia profundamente. Colocou um cobertor sobre eles e a abraçou. Dormiu imediatamente.
Marilyn nunca conseguiu se despedir de Roxy propriamente no dia seguinte. Se falaram brevemente, com sacolas de café e misto quentes gratuitos. Abraços desajeitados, sorrisos sinceros e agradecimentos de ambas partes. Os Mechanical Prigs sempre se lembrariam das palavras que a loira grande havia dito:
- Vocês são punks. Tudo o que é ruim, tudo o que é errado, vocês querem fazer. E vocês fazem isso porque vocês querem pressionar a sociedade, impressionar e chocar. Não tenham medo de ir até onde vocês querem, mas cuidado aonde vocês vão chegar. Se lembrem de onde vocês vieram.
E quando eles chegaram em New York, entenderam o que ela queria dizer. Lá, as coisas eram mais radicais e sem coração do que eles acharam que seria. Mas eles aguentaram firme. Estavam dormindo em um hotel barato, mas confortável e em uma área bem noturna, por seis meses. Seis meses desde que deixaram o posto de gasolina na estrada.
Seis meses nos quais Adam recebia olhares reprovadores de Chelle e Matt por não ter entregue a música à Mary. Ou ao menos ter ido conversar com ela sobre o que sentia.
Marilyn continuava gerenciando a banda com Chelle, e nunca imaginou que fosse ser tão cara de pau. Fazia coisas inacreditáveis para divulgar a banda. Uma vez eles resolveram invadir várias escolas de New York para colocarem panfletos. Era de madrugada, e eles colaram nos armários das escolas até não terem mais panfletos em mãos. Eles sabiam muito bem que adolescentes eram os seres mais teimosos e subversivos que existem, e fariam o possível para irritar os pais. Quase foram pegos, mas graças à Cadem, conseguiram se safar.
The Mechanical Prigs conseguiu audições em quatro bares, e passou em todos. Ora, não era difícil tocar em bares quando se é uma banda punk. Bastava ter atitude rebelde, tocar músicas originais – não covers, que tenham uma boa guitarra e nem precisavam saber cantar muito bem. O que os punks gostavam era de barulho, de multidões suadas e pessoas que saibam o que é não querer ser um engravatado da Wall Street. Eles gostavam de alguém que soubesse despertar seus instintos mais profundos, e aqueles jovens o faziam com maestria.
Com isso, aprenderam a ficar mais unidos do que nunca, mas às vezes algumas coisas saiam do controle. O que, por acaso, estava acontecendo naquele exato momento.
- Cadê a Teresa? – Marilyn gritou, histérica, tentando fazer com que o volume da sua voz superasse o volume da banda que estava tocando naquele momento.
A amiga estava começando a tomar um caminho um pouco errado. Às vezes sumia na hora dos ensaios, e aparecia bêbada com outras pessoas. Sempre cumpria seus horários nos shows, mas às vezes... Eles se recusavam a acreditar que ela estava os trocando por alguns punks sujos de New York. Ela simplesmente estava passando por uma fase, estava conhecendo a cidade. Deixando a Grande Maçã subir à cabeça temporariamente. Era a segunda vez que ela tinha dado bolo neles, e eles já não sabiam o que fazer.
- Não sei, eu não tenho ideia de onde essa vadia se meteu. – Adam gritou com raiva, batendo o punho com força no balcão, que estava sujo com uma poça de cerveja que respingou na camisa. Ele já estava suado, então não fazia diferença. Estava simplesmente agindo do seu modo passional demais. Logo Marilyn falaria algo para ele, e ele voltaria ao seu estado normal. Era sempre assim. – Ela disse que apareceria, porra. Ela disse que não faria isso de novo.
O nome do bar era CBGB, era um lugar sujo e fedorento, mas era onde as melhores bandas punk tocariam. O lugar se imortalizaria por ter na casa Blondie, Iggy Pop, The Ramones, Talking Heads, e várias outras lendas da música.
- Calem a boca. Vamos ser racionais. – Matt gritou, chamando a atenção de todos. Ele estava se tornando algo como líder da banda, pois quando situações desesperadoras aconteciam, era ele quem tinha cabeça fria o suficiente para resolver isso. – A Mary vai cantar, ela escreveu as músicas, sabe todas de cabeça e vai para todos os ensaios.
- Eu? – Ela exclamou perplexa, tremendo. Se recompôs e retrucou. – Não. Eu não subo naquele palco nem fodendo. Vocês não lembram o que aconteceu da última vez?
- É claro que sim. Faz perfeito sentido, além do quê, a Chelle jamais conseguiria subir em um palco com um bando de punks prontos para jogar coisas nela. – Cadem retrucou, dando para a garota uma dose forte de tequila. – Eu sei que você tem bolas o suficiente para fazer isso. Bebe isso, agora, e para de reclamar. Não ligue para o que aconteceu da última vez.
- Você consegue fazer isso, Mary. Eu sei que você consegue, por favor. – Adam suplicou, com seus olhos cintilando ao reflexo da luz dos holofotes.
Na primeira vez que Teresa faltou a um show, ela teve que substituí-la. Não sabia o que fazer, e tentou imitar a amiga. Deu terrivelmente errado, e foi um dos primeiros shows que havia dado errado para eles. Eles passaram tanto tempo ensaiando, que aperfeiçoaram os erros cada vez mais. Mas isso era com a Teresa nos vocais, e ela não era a Teresa.
Ele via Marilyn por baixo da máscara de durona, e sabia que ela se sentia apavorada e humilhada. Tinha que ser alguma garota nos vocais, porque era o que combinava com a sintonia da banda. Nenhum deles ficava bom como vocal. Tinha que ser ela, não havia outra escolha e ela sabia disso. Era isso, ou cancelarem os shows, e cancelar com certeza seria pior. Eles dependiam dela, porque pior do que uma banda ruim, era uma banda que não ia aos shows. Se eles faltassem um show, estariam fadados ao fracasso pela boca do povo.
Adam a abraçou, tentando reconfortá-la. Seu corpo fedendo a suor e cerveja, contra o dela, fedendo a cigarro e vodka. Ela passou os braços pela cintura dele como costumava fazer, e sentiu seu corpo relaxar. Fechou os olhos e agradeceu por ter um breve momento como esse, antes de fazer a coisa mais difícil para ela: desafiar seu orgulho. Ela não sabia o que estava acontecendo na mente dele, para variar, mas estava agradecida por ele.
Na hora de desfazer o abraço, Adam não sabia se havia sido todas as cervejas que ele havia tomado, ou o fato dela ter misturado vodka, tequila e algumas cervejas, mas eles estavam se beijando. Alguma coisa gritava dentro dos dois, e era mais incentivado pelo ambiente revoltado ao redor deles. Os gritos de incentivo à banda, a voz de Iggy Pop cantando pessoalmente com Debbie Harry no palco, os empurrões pelo fato de estarem ao lado da pista, e os amigos sorrindo com sorrisos vitoriosos. Tudo isso os fez destrancar toda a merda que os estavam impedindo de ficarem juntos. Na realidade, Roxy estava certa. O que os estava impedindo de ficarem juntos eram eles mesmos.
- Você vai cantar essa música aqui. – Adam disse, quando eles colaram as testas após o beijo. Enfiou um papel amassado do bolso na mão dela. Era uma letra de música com cifras, e o título era "My Heart is Open". Ele olhava bem nos olhos dela, que claramente diziam que ele estava doido.
- Você está me pedindo que eu suba para cantar, e ainda por cima uma música que eu não sei? Adam, você está louco.
- Você consegue, eu vou cantar com você. – Ele sorriu como de costume, e ela não pôde negar.
Eles foram no lugar mais silencioso que podiam, o banheiro com paredes de tijolos do CBGB. Ensaiaram pelos dez minutos que tinham antes de subirem no palco.
- Você sabe o que fazer. – Adam disse.
- Não, Adam. Eles não querem uma voz bonita. Eles querem alguém com atitude, e eu não tenho ideia de como fazer isso. – Faltava um minuto, e ela sentia o suor escorrendo pela têmpora direita.
O dono do bar, Hilly Kristal, já os anunciava no microfone.
- Apenas deixe seu lado animal sair de dentro de você, é disso que se trata a música punk. Pare de tentar controlar as coisas e ser racional. Aqui é um dos únicos lugares onde você pode fazer determinadas coisas e não acabar na cadeia. Abra seu coração.
- My Heart is Open. – Ela respondeu, citando a música com um sorriso.
Algumas palavras de Roxy vieram na mente dela. Fazia um tempo que ela não pensava na mulher, mas sabia que nunca esqueceria primeiras vezes.
- Esses garotos têm algo a dizer, e nós realmente deveríamos ouvir. – Hilly gritou no microfone, quando Debbie e Iggy saíram do palco. – A vida não se trata de luxo, da sociedade, ou de onde você veio. Se trata do que você vai fazer com isso. The Mechanical Prigs!
Eles subiram no palco como sempre faziam, fazendo estardalhaço e gritando. Teresa geralmente subia ao palco de um jeito sensual, não o pin-up sexy de Debbie Harry. Algo mais femme fatale. Marilyn deixou seus cabelos cacheados e cheios ficarem selvagens, rasgou as mangas da camisa dos Sex Pistols, pintou os olhos de preto borrado e o batom vermelho sangue. Entrou no palco com calma, e olhou para eles como se os desprezasse. Com o nariz em pé. Eles gritaram quando viram a nova vocalista no palco, mas o burburinho foi automático: "Cadê a outra? Quem é essa?". Eles não se lembravam do show ruim do mês passado, só queriam música.
- Vocês são punks! Tudo o que é errado, tudo o que é ruim, vocês querem fazer. – Ela olhou de relance para os garotos, e sorriu. Eles sorriam de volta com um semblante de aprovação, e começaram com um ritmo de guitarra e baixo. – Vocês estão aqui para chocar. Para passar por engravatados, pedantes e falsos moralistas e dizerem a eles que eles são idiotas, e que os valores deles são errados. NEW YORK É A CIDADE QUE TROCA MOEDAS POR ALMAS.
E então a bateria de Cadem estourou nas caixas de som eles começaram a tocar uma das primeiras músicas que Marilyn havia composto, "Black Sheep". Ela achou que esqueceria todas as letras quando começasse a cantar, mas tudo saía de uma forma tão natural para ela, que ficou surpresa. Adam estava certo. Ela se lembrava de tudo o que sentia raiva, de tudo o que desprezava e tudo o que guardou durante sua vida toda. Durante todas as três primeiras músicas, se lembrou com raiva dos dias que seu pai a trancou no porão. Dos anos que teve que fingir. Dos anos que foi enganada. Da sociedade hipócrita. Da guerra inútil, da recessão e do cara idiota que ela amava, mas eles nunca conseguiam ficar juntos.
Quando chegou na última música, Adam tomou o microfone, e a aura do show mudou completamente. Todos ficaram surpresos com a atitude dele, pois nenhum dos garotos jamais havia pego no microfone para cantar.
- Essa aqui, meus jovens, é para os casais. – Ele falou com um sorriso de quem estava aprontando algo, e fez um sinal para Matt eCadem. – Abram seus corações... Para o amor!
- O que você está fazendo? – Ela perguntou entre dentes, enquanto ele tirava a melodia da guitarra. – O que vocês armaram?
- Apenas faça como a gente ensaiou. – Piscou para ela, e a música começou.I know you're scared
(Eu sei que você está assustada)
I can feel it
(Posso sentir)
It's in the air, I know you feel that too
(Está no ar, eu sei que você sente isso também)
But take a chance on me
(Mas dê uma chance para mim)
You won't regret it, no
(Você não vai se arrepender, não)
One more "no" and I'll believe you
(Mais um "não", e eu acreditarei)
I'll walk away and I will leave you be
(Eu irei embora e te deixarei seguir a vida)
And now's the last time you'll say no, say no to me
(E agora é a última vez que você dirá não, não para mim)Ele cantava olhando diretamente para ela, de uma forma que até a deixava constrangida. A platéia estava se deleitando com o momento dos dois, e os casais do lugar aproveitaram o momento no seu próprio jeito punk de ser. Quando chegou a vez dela cantar, teve que forçá-la garganta acima, se não, ficaria muda e parada feito uma estátua em cima do palco. Eles faziam um ótimo dueto.
It won't take me long to find another lover
(Não vai me levar muito tempo para achar outro amor)
But I want youbr> (Mas eu quero você)
I can't spend another minute getting over loving you
(Não posso passar mais minuto tentando parar de te amar)If you don't ever say, yeah
(Se você nunca disser sim)
Let me hear you say, yeah
(Deixe eu te ouvir dizer sim)
Wanna hear you say, yeah, yeah, yeah
(Quero te ouvir dizer sim, sim, sim)
Till my heart is open
(Até que meu coração esteja aberto)
Now you're gonna say, yeah
(Agora você tem que dizer sim)
Let me hear you say, yeah
(Deixe eu te ouvir dizer sim)
Wanna hear you say, yeah, yeah, yeah
(Quero te ouvir dizer sim, sim, sim)Toda a pessoa revoltada e enraivada que ela foi momentos atrás havia ido embora, e ela só conseguia se lembrar da garotinha apaixonada que ela era. Deus, era até embaraçoso ficar exposta daquele jeito na frente de todas aquelas pessoas. Ela era muito boa em memorizar frases, decorar e improvisar, mas foi graças à Adam que eles conseguiram chegar até o fim da música. Eles perdiam a sincronia às vezes, ela errava o tom, mas ao menos não gaguejou. Bom, a culpa era dele, de qualquer forma. Ele estava propondo a ela um novo começo, uma nova chance daquilo dar certo.
Quando tudo aquilo acabou, Adam e Marilyn estavam deitados no grande quarto do hotel que todos eles dividiam. Teresa ainda não havia chegado e o resto estava em algum lugar comendo.
- Adam. – Ela sussurrou, fazendo-o olhar para ela. Eles já haviam tomado banho e estavam limpos, mas o cheiro de bar ainda estava impregnado neles. O barulho de outros bares vizinhos ressoavam no quarto do hotel como se eles estivessem tocando ali mesmo. Chelle não via a hora deles terem dinheiro suficiente para um aluguel e sair dali de vez.
- Oi. – Sussurrou de volta, com seu olhar recaindo sobre ela. Eles ainda não haviam conversado sobre aquilo.
Aquele casal tinha sérios problemas de comunicação.
- Se isso der errado, eu te mato. – Ela abriu um sorriso de criança que fez ele sorrir instantaneamente.
E eles esperaram que, dessa vez, as coisas dessem certo entre eles.FIM.
Nota da Autora: Gente UHEUHEUEHUHE O que foi isso? Eu amei essa short, mas achei o final cagado. Eu não sabia o que fazer, não tinha tempo para terminar de forma decente porque estava no deadline e eu estou SEM TEMPO. Jesus, deixa eu reclamar um pouquinho aqui, porque quando esse ano acabar eu vou estar careca. Eu sinto falta de escrever, devo ter perdido o jeito. Quando não estou estudando, estou comendo, e quando não estou fazendo nenhum dos dois, estou dormindo.
Eu agradeço à Rapha, por ter me chamado para participar da Coletânea de Fics! Eu superei meus limites dessa vez, porque é a primeira vez que eu não escrevo algo nos anos 2000, e eu fui pesquisar aqui para fazer tudo ficar coerente. Primeiramente, essa short foi MUITO MESMO inspirada no filme CBGB, que fala sobre o bar da fic, que se chama CBGB. Sim, esse bar existe e é o local sagrado onde se originou o punk. Obrigada, Hilly Kristal, por sua decência e brilhantismo. Tem uma frase dessa fanfic que não é minha, e sim do filme. É a "Vocês são punks. Tudo o que é errado, tudo o que ruim, vocês querem fazer". Só que é só essa frase exatamente. O resto, tanto quando a Roxy fala, quanto quando a protagonista fala, eu escrevi. O mesmo ocorre com o que o Hilly disse. No filme, ele diz "Esses garotos têm algo a dizer, e nós realmente deveríamos ouvir". E é só isso que eu peguei, o resto da fala dele eu mesma escrevi. Ok? Ok. Creditado.
Espero que vocês tenham gostado, foi a primeira vez que eu escrevi algo sobre os punks, e eu ADOREI. Nossa, eu adoro essa história de pessoas fugindo de casa e caindo na estrada para perseguir sonhos. Acho muito legal, mesmo. Gostei tanto, que eu vou fazer dessa short uma série de contos. No futuro, talvez. Eu apressei um pouco o final, isso só era para acontecer uns três ou quatro contos depois. Mas, eu tive que botar isso por conta da pressa.
Enfim, beijos, comentem o que vocês acharam!
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Especial Projeto V
Fiction généraleO amor é algo muito bonito, não é? Mas e quando ele não é correspondido? O destino nos prega muitas peças, dependendo da decisão que tomamos o nosso amor nos é arrancado facilmente de nossos braços, e não podemos fazer absolutamente nada em relação...