2 - Luana

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Segunda-feira, dia 2 de Novembro, 10h57min, intervalo do San James.
Girls:
Deixei meu celular cair no chão. Abaixei-me com pressa, e acabei derrubando minha mochila por cima da cabeça. Meu iPod foi levado pela enxurrada e meu blusão foi parar no pescoço. Ao tentar arrumá-lo, deixei todos os meus livros e cadernos caírem.
E a desastrada ataca novamente!
Bom, não era uma cena de se admirar. Onde as palavras 'coordenação motora' estivessem o nome 'Luana Brooke' não estaria junto. Era simples e prático: Eu não havia nascido para ser delicada. Eu era uma garota meio... Bruta. E meu celular riscado e com o visor quebrado sabia muito bem disso.
- Mas que porra de celular idiota! – falei comigo mesma, ficando em pé e observando a catástrofe. Todos os meus livros estavam sujos de barro, e minha mochila, antes preta, agora era marrom. – Por que a gente tem essas coisinhas mesmo? – perguntei, mesmo estando sozinha. O que era um pouco patético. Mas eu era um pouco patética, então não me importava.
- Pra evitar que falemos sozinhos, mas acho que não adiantou muito no seu caso.
Dei um pulinho de susto, daqueles em que um 'ai' sai cortado da garganta, e fica uma coisa meio 'aun', e dei um passo para trás. Será que eu estava tão louca a ponto de ouvir vozes? Pisquei os olhos algumas vezes, e Arthur Paladini entrou no meu campo de visão.
Virei os olhos involutariamente, como sempre fazia quando algo me enojava. E se tinha alguém que me enojava, esse alguém era Arthur Paladini. Ele era tão imbecil que eu poderia descrevê-lo em 3 palavras: 'Babaca pra cacete'. Ou 'Idiota de montão', o que ficava um pouco infantil, então eu preferia não usar.
Arthur Paladini era aquele tipo de menino folgado. O palhaço da turma; o imbecil da galera. Aquele tipo de garoto que zuava alguém só pelo simples fato desse alguém usar óculos ou simplesmente por não estar usando o uniforme do colégio mostrando a bunda e os peitos. Estava sempre meio chapado, e quando não estava, enxia o saco de meninas como eu, que só queriam um pouco de tranquilidade pra estudar e conversar com as amigas. Aquele era Arthur Paladini, e eu o odiava com todas as minhas forças.
Suspirei e o olhei de cima a baixo, não me contendo. É como sempre diziam: Os cafajestes são os mais bonitos. E Arthur não era a exceção da regra. Muito pelo contrário, ele era gato demais! Naquele dia, por exemplo, ele usava a bermuda azul escura do colégio na metade da canela, com um All Star branco e a camiseta branca com o "M" vermelho estampado justo nos ombros.
Santa perdição!
- Ha ha ha, santa comédia. – arrumei meu blusão e peguei minha mochila. Thur – como todos os chamavam – se ajoelhou e pegou o resto das minhas coisas, entregando-as para mim. – Obrigado. Eu acho.
- Não foi nada. – ele respondeu, piscando aqueles olhos castanhos brilhantes para mim e sorrindo de um jeito meio sarcástico. Seu cabelo caía na testa de um jeito fofo, e ele mordia o lábio inferior, como sempre fazia quando estava pensando antes de dizer algo.
Não que eu prestasse atenção nele e nesses pequenos detalhes durante as aulas de geografia e física que tínhamos juntos nem nada do tipo. E se alguém disser que eu seco ele quando as aulas de educação física são juntas e ele joga futebol com os amigos sem camiseta, estará mentindo! Nada disso! Eu só sou uma ótima observadora.
Só isso.
- Afinal, é pra isso que servem os amigos. – então ele colocou um dos meus fones do iPod no ouvido e balançou a cabeça, despreocupado. – Rough Draft... Boa escolha.
Puxei o fone do seu ouvido com força.
- Ai! – ele exclamou, colocando a mão na orelha. – Por que diabos você fez isso?
- Porque eu não gosto que mexam nas minhas coisas. – 'e não gosto de você' pensei em dizer, mas aí seria um pouco grosseiro demais.
- Beleza, não mexo mais... A gente pode só conversar. – ele disse, como se fôssemos velhos amigos e converssássemos o tempo todo.
Aquilo já estava começando a ficar esquisito, e eu não estava nem um pouco afim de receber um banho de Coca-Cola no meu blusão novinho em folha da Hurley, e eu sabia que era isso o que eles faziam com garotas como eu. Sabe como é, puxavam papo e depois "POOM!", humilhação pública.
E era por isso que eu o odiava e tinha que colocar um fim naquele papo furado.
Coloquei as duas mãos no quadril – ou nas 'cadeiras' como diria minha avó depois de meia taça de vinho – e destrambelhei a falar:
- O que você quer, eim? As únicas duas vezes que você falou comigo foram pra perguntar se a professora de artes estava interessada em alguém e se você teria chance com ela, e as duas vezes eu disse que não. Então não venha com esse papinho de "vamos só conversar" e dar uma de charmoso pra cima de mim, porque nós dois sabemos que você só quer zoar com a minha cara ou se aproveitar de alguma coisa que eu possa te dar, e levando em consideração que eu não sou nem de longe o seu tipo, sei que essa "alguma coisa" tem a ver com fazer trabalhos ou impedir que você leve mais uma suspensão.
Respirei fundo depois do discurso. Estava sorrindo por dentro, porque pela cara de incrédulo que ele estava fazendo, eu sabia que havia causado algum impacto.
Mas então ele se recompôs e a única coisa que pareceu absorver de tudo o que eu havia falado fora:
- Você errou. Ela estava afim de mim.
Bufei. Não perderia mais meu tempo com um babaca como ele. Guardei meu celular no bolso da calça do uniforme e continuei andando. Mas não passados 5 segundos, ele estava andando novamente ao meu lado.
- Você sabe que eu vou te ignorar, não sabe? – perguntei, enquanto andava apressada.
- Sei. – ele respondeu.
- E você sabe que eu posso contar para a diretora todas as vezes que você cabulou aula esse ano se continuar me enxendo o saco, não sabe? – perguntei novamente, já avistando minhas amigas, sentadas na nossa mesa de sempre, na cantina dos excluídos.
- Sei.
- Ótimo.
Andei por mais alguns segundos, e a cada passo que eu dava, ficava mais puta. No bom sentido, claro. Não que 'ficar puta' tenha algum bom sentido... Mas não era como se eu fosse encurtar a roupa e rodar a bolsinha. Estava ficando puta de ficar brava mesmo.
Mas é claro que você já entendeu.
O negócio era que eu não era boa com pessoas. Claro que eu era boa em argumentação, e em convencer. Só que quando se tratava de 'fazer amizades', eu era péssima. Mais péssima ainda com meninos. Mais péssima ainda com meninos que me seguiam. Mais péssima ainda com meninos que me seguiam para conseguir algo. Mais – muito mais – péssima ainda com meninos que me seguiam para conseguir algo, babacas pra cacete e que se chamavam Arthur Paladini.
E não ser boa com pessoas, e não estar nem um pouco afim de ao menos conversar com Thur, estava me irritando. Por isso, parei de andar e me virei para ele, que parou junto e sorriu, prepotente.
- Finalmente! – ele disse. – Pensei que não fosse parar nunca.
- Certo, eu desisto. O que você quer? – perguntei, cruzando os braços.
- Quero ser seu amigo! – ele respondeu, ingênuo.
- Fala sério, Paladini! – quase gritei, fechando a cara. – E fala rápido, porque eu estou com fome, quero sentar e comer sossegada.
- Ok, ok... Eu falo! Pensei que poderíamos estabelecer algum tipo de relação antes de...
- Arthur! – gritei, não me contendo. – Rápido!
- Certo... Bom, o negócio é que eu preciso de um favor seu.
- Isso eu já tinha percebido. – disse, com sarcasmo, porque fome me deixava sarcástica. – Que tipo de favor?
- Preciso que você seja minha groupie.
- Sua o quê? – perguntei, fechando meu punho de raiva. Quem ele pensava que era para me pedir algo como aquilo? Quero dizer, ele nem me conhecia! Por que ele pensava que eu iria aceitar um pedido idiota daqueles? Onde ele viu em mim uma groupie em potencial? Quero dizer, eu tinha um piercing no nariz, mas não era como se isso me transformasse imediatamente em vadiazinha de banda.
- Sabe como é, gritos histéricos nos shows, montar fãs clube, ligar pra pedir nas rádios, dormir com os integrantes da banda... Brincadeira! A última parte foi brincadeira! – ele tentou corrigir, depois de ver minha expressão de vingadora do futuro. – E aí, topa?
Olhei bem para ele, tentando descobrir se ele estava falando sério ou se era mais uma de suas brincadeiras.
Mas sim, ele estava falando sério.
Francamente... Tinha como ser mais patético?
- Mas é claro! – exclamei, e ele abriu um sorriso gigante, sendo esmagado pelo o que eu disse a seguir. – Que não.
- Por que não?
- Por 3 motivos. Primeiro, eu tenho média global 9,8 e não vou desperdiçá-la sendo groupie de uma banda que ninguém conhece. Segundo, eu não tenho tempo para perder com sua brincadeira de ter uma banda, que nem ao menos é conhecida. E terceiro, eu não gosto de você.
Continuei a andar, mas dessa vez ele não veio atrás de mim. Caminhei rapidamente até a mesa, onde minhas amigas me olhavam espantadas. Porque, sinceramente, Arthur Paladini não costumava se misturar com pessoas como eu.
Sentei-me na mesa e peguei o embrulho que estava ansiosa para abrir desde às sete horas da manhã. Desembrulhei meu sanduíche de peito de peru com requeijão e dei a maior mordida que pude. Tudo isso sendo observada por Anne, Marilyn e Rhayane.
- O quê? – perguntei, depois que Rhayane deixou suas bolachas caírem no chão. E como eu conhecia Rayanna muito bem, sabia que algo estava errado. Ela não desperdiçaria comida. Bolachas, então? Nunca!
- Você estava falando com Arthur Paladini ou foi só ilusão 'idiótica'? – ela perguntou, colocando o dedo no queixo e rindo da sua própria piadinha ruim.
- É, eu estava conversando com ele. – respondi, dando de ombros. – Vocês foram bem na prova de química? Eu me dei mal... Eu acerto tudo na aula e na prova me dá um branco...
- Lu... O que Arthur Paladini queria com você? – Marilyn voltou a perguntar, ignorando a minha pergunta.
- Ai, gente, que interesse idiota... Ele só queria ser idiota, é só isso que ele sabe fazer mesmo! – respondi, dando outra mordida no meu sanduíche. – Ele queria me pedir um favor.
- Que tipo de favor? – Anne perguntou, e eu vi seus olhinhos brilharem.
- Ai, sua imbecil, não é nada disso! – respondi, e nós rimos. – Ele queria que eu desse uma de groupie para a bandinha idiota dele com o Pedro, o Lucas e o Austin... Como se chama mesmo? McMosca? McFlurry?
- Phoenix. – Anne me corrigiu. – E não é uma 'bandinha idiota', Luana! É simplesmente a melhor banda de rock desde que o Blink acabou! – nós duas suspiramos. Eu porque sentia falta do pop punk adolescente do Blink, e ela porque, bem, porque era louca por Lucas Cavalcanti. E todas nós sabíamos. Ele, por outro lado, nunca acertava seu nome. Ela era constantemente chamada de Cintia ou Débora. – Você não vê? Acabou de jogar fora a única chance que eu teria com o Lucas! Agora todos os meus sonhos estão arruinados! Para sempre!
- Para de drama Ann... Algum dia ele vai olhar no fundo do seus olhos e descobrir que você é a garota dos sonhos dele – não que eu acreditasse muito nisso, mas nada melhor do que animar as amigas –, enquanto isso não acontece, eu fico na minha, e na minha quer dizer BEM longe dele e dos seus amigos. – coloquei o fone no ouvido, e Linkin Park estourava na caixinha de som. Eu não voltei a conversar, mas continuei a observar minhas amigas, que falavam sem parar. Só que como a música me impedia de ouvir, eu só conseguia ler seus lábios e sincronizar com a música.
- I don't know what's worth fighting for! – Rhayane disse, fazendo Anne e Marilyn gargalharem.
- Or why I have to scream, I don't know why I instigate... – Marilyn respondeu, e as outras duas concordaram com a cabeça.
- And say what I don't mean, I don't know how I got this way, I know it's not alright! – Anne disse, repentinamente séria.
- So I'm... – Marilyn olhou para as duas, esperando uma resposta.
- Breaking the habit! Breaking the habit... Tonight! – as duas disseram, e caíram na risada de novo.
Chega de Linkin Park. Eu precisava saber o que elas estavam falando.
- Certo, o que vocês estão rindo aí? – perguntei, guardando meu iPod na mochila.
- Nada. – elas disseram em uníssono.
Olhei para um lado, depois para o outro. Então as encarei.
- Ou vocês falam, ou eu digo pra todo mundo que você – apontei para Anne – fez cocô naquele banheiro nojento do último churrasco do terceiro ano, que você – apontei para Marylin – chorou assistindo Bob Esponja e que você, mocinha – apontei para Rhayane –, tem medo do escuro até hoje e dorme com uma lâmpada do Batman acesa.
As 3 se entreolharam, com os rostos um pouco verdes.
Nada como uma chantagem emocional!
- Se você quer mesmo saber, sua bisca, estávamos tentando resolver o seu problema e o da Ann ao mesmo tempo. – Marilyn deu de ombros, fingindo estar ofendida.
- E como vocês pretendem fazer isso? – perguntei, curiosa.
- Fazendo você aceitar o favor de Thur. – Rhayane respondeu, indiferente.
- Rhay, eu já disse que nã... – comecei, quando Anne me interrompeu.
- Lu! Para e pensa: Se você fizer isso, todos saem ganhando!
- Não consigo pensar em nada que me faça sair ganhando em fazer um favor baixo ao Arthur Paladini. – eu disse, séria.
- Mesmo? – Marilyn olhou com o canto dos olhos para Rhayane e Anne, daquele jeito nós-temos-um-segredo-e-você-quer-muito-saber-o-quê-é. – Mesmo se isso te ajude com sua mãe que está chegando daqui a exatamente duas semanas e vai te matar se souber que você ainda não penteia o cabelo de manhã, tem um piercing no nariz e um no freio da língua e, o pior de tudo, não tem um namorado pra levar no baile de inverno que é daqui 16 dias?
Arregalei meus olhos. Mamãe estava chegando em duas semanas? Minha mãe estava chegando em 14 dias?
Meu Deus, meu Deus, meu Deus, eu estava TÃO perdida!
Lá se ia minha única chance de ganhar um carro... Quero dizer, onde eu arranjaria um namorado e roupas de menina em 16 dias? Era muita coisa... Principalmente as roupas! Quero dizer, quem consegue usar aquelas regatas cheias de brilho que pinicam mais que sentar num formigueiro?
Não que eu já tenha sentado em um... Eu só imagino como deve ser.
- Ai, meu Deus do céu! – exclamei, colocando a mão na boca. – Mamãe chega em duas semanas? Como eu podia ter esquecido disso!?

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