apenas toda a vida

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Faz dezoito meses desde que o coração da mãe parou de bater.

Para variar, o meu acelera (mas não dispara) quando saio da varanda que virou palco improvisado e volto para o quarto de Mateus. No último mês, temos arranjado lugares diferentes para nos apresentarmos e, quando não há, aproveitamos as férias para dar festas em sua casa. Da janela vejo pessoas pulando na piscina, jogando água para cima e nadando entre latas de cerveja perdidas.

– Você foi excelente! Nós fomos excelentes! – Mateus apoia seu violão na parede e se aproxima, beijando-me. Ele está em êxtase com todas as pessoas lá embaixo gargalhando, gritando e se divertindo. Acredito que parte dessa euforia tem a ver com a quantidade de álcool que ingeriu. Provando meu argumento, ele pega uma lata de cerveja do criado-mudo e bebe, passando-a para mim. Fomos bons sim, mas sempre podemos ser melhores.

Ultimamente temos estado mais juntos do que nunca e isso começa a me incomodar. Seus olhos ainda me aquecem o estômago e seu dedos em minha pele mandam arrepios pelo meu corpo, porém, não sei se quero sua presença rondando cada pensamento, olhando por cima do meu ombro ao estudarmos para provas (para não repetir) ou quando anoto ideias, músicas e trechos em meu caderno de bolso.

O caderninho preto guardado no bolso raso da saia foi um presente de aniversário de tio Raul, irmão do meu pai (que, por acaso, não lembrou da data). Além desse, ganhei um novo amplificador, roupas coloridas e curtas (presentes de Mateus) e uma pilha de livros (presente de tia Luísa, irmã da mãe). Apesar de estar vestindo saia justa e camiseta que Mateus me deu, o presente de Raul é o que mais uso. "Não se esqueça de quem você é", escreveu em letras grandes e deitadas na primeira folha.

Estou tentando, tio.

– Onde estão seus pais? – pergunto, espiando os bêbados do lado de fora. Os pais de Mateus concordaram com a festa desde que as "crianças" não entrassem em casa. Então preparamos um palco na varanda do seu quarto, que fica no segundo andar da casa enorme, onde ligamos os amplificadores do seu violão, dos microfones, da minha guitarra e teclado. Revezo entre os dois instrumentos de acordo com as músicas que tocamos e nós dois alternamos o vocal. Não há dúvida de que nossas habilidades melhoraram consideravelmente. É só observar as toneladas de horas de filmagens gravadas.

– Eles disseram que estariam aqui, mas, como pode imaginar, devem estar em qualquer outro lugar enchendo a cara e cuspindo falsidade em seus "amigos". – Envolvendo-me num abraço por trás, observamos as pessoas e suas gargalhadas escandalosas se divertindo ao som da playlist que preparamos para quando estivéssemos no intervalo. Sua barba roça meu pescoço de um jeito bom e que deixará marcas. Me inclino em seu peito e ele pega o celular do bolso, tirando nossa foto.

Há duas câmeras gravando a apresentação, uma no primeiro andar, outra presa à cerca de madeira da varanda. Provavelmente Mateus colocará as melhores músicas na internet. A quantidade de visualizações crescente está o animando a continuar postando esses vídeos. Eu não poderia me importar menos. O que quero são as pessoas lá em baixo pulando e cantando comigo. Quero ver seus rostos se iluminarem quando toco "suas" músicas. Quero que se atraiam pelo som que sai do teclado e do meu peito. Quero que se apaixonem por mim, assim como a mãe fazia qualquer um se apaixonar por ela.

– Vamos ver quem consegue terminar a noite com mais pessoas? – desafio. O tamanho de nossas provocações aumentou nos últimos meses. Faço a pergunta porque sei o quanto odeia esse tipo de aposta. Ele costuma ser ciumento e detesta quando qualquer um, em particular garotos, se aproximam de mim após as apresentações, mesmo cheios de elogios. Nessas ocasiões, suas mãos apertam minha cintura e quadris, possessivos. Talvez seja por isso que insisto nessas apostas.

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