O 13 ° TITÃ

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Vivian desligou a TV. Sua cota de tragédias diárias excedeu-se quando um vídeo gravado em uma câmera de celular, mostrando o exato momento em que uma onda gigante atingiu a costa leste foi transmitido. 

Sua sorte foi ter ligado o rádio logo pela manhã, ou teria saído para trabalhar, dirigindo por cinco quilômetros até a universidade sem saber do decreto oficial de quarentena. Definitivamente aquele tinha sido um dos piores dias desde que o caos começou a se instalar, somente naquelas míseras vinte e quatro horas em que esteve trancada em casa, aconteceram dois terremotos de grande escala no Japão e mais três tsunamis em outros lugares do mundo. 

Ela parou em frente á mesa e observou os documentos, as fotos dos papiros estavam anexadas às suas devidas traduções. Deveria mandar agora, depois de vinte anos, aqueles documentos para o Dr. Herman? Será que ele acreditaria? Ele era seu melhor amigo, o único no mundo das explorações. 

Há trinta anos havia começado uma verdadeira corrida entre historiadores, a impressão que se tinha era de que aquele oficio estava se tornando obsoleto, as descobertas históricas escassas. Naquele tempo era cada um por si, não se podia confiar em ninguém, qualquer um poderia puxar o seu tapete e se apropriar indevidamente de suas descobertas, tomando para si todo o reconhecimento. Mas Herman não.

Herman havia cuidado dela, ele a recebeu em sua equipe de braços abertos e a levou para as ilhas gregas, uma jovem de 25 anos recém-formada, inexperiente, ela sabia que se não fosse pela ajuda dele não teria se tornado uma das historiadoras mais conceituadas do país, mas por que então ela escondeu aquela descoberta? Por que ela simplesmente deixou os manuscritos lá e foi embora, levando consigo apenas as fotos? Falta de confiança? Medo? Uma coisa era certa, Herman nunca a perdoaria por ter escondido dele uma descoberta tão grandiosa, não apenas dele, mas do resto do mundo. Mas afinal não era ele o arqueólogo? Era sua função escavar aquelas terras, não dela. 

Agora não tinha mais importância, seria em vão procurar um culpado, Herman já estava velho e o mundo já não se interessava mais por mitologia Grega. Seus tempos de aventureira haviam acabado e ela estava satisfeita em lecionar história e viajar pelas universidades do país dando palestras.

Vivian foi até a cozinha, encheu um copo de água e pegou os comprimidos do armário da pia, suspirou aliviada quando tomou a segunda pílula de Valium, finalmente ela iria dormir, sentia-se grata por seu psiquiatra ter aumentado sua dosagem. No ultimo mês, dormir havia se tornado um verdadeiro exercício de paciência, e a noite se converteu em sua pior inimiga.

Por que ela se sentia assim? Culpa? A maldita descoberta. Novamente isso a atormentava, ela havia roubado só para si, sentindo orgulho e vergonha, e nem mesmo sabia o motivo de ter feito isso. Ela recolheu os papéis da mesa quando voltou da cozinha e os levou para o quarto, durante vinte anos eles estiveram trancados na gaveta do seu criado mudo, e é para lá que voltariam pelo menos por essa noite. Amanhã talvez ela os queimasse, dando fim aquela angústia, esquecendo daquela informação como se ela nunca tivesse existido.  

Dois compridos não resolviam. Há meia hora ela estava deitada na cama olhando para o teto, imaginou que talvez estivesse infectada, o vírus se espalhava pelo ar e dois de seus vizinhos haviam morrido na última semana, esse era o mal de se viver em condomínios. E a insônia não era um dos sintomas iniciais? Mas já fazia um mês que ela apresentava esse sintoma, não apresentando nenhum outro, a doença se desenvolvia rápido, em uma ou duas semanas a pessoa já estava morta, talvez fosse diferente com ela, deixou essa ideia de lado e começou a pensar no Titã. 

Desde pequena ela se interessava por mitologia grega, havia aprendido tudo sobre Urano, Gaia e seus filhos, entre eles Cronos, o mais famoso dos Titãs. Nenhuma vez sequer havia lido ou ouvido sobre o décimo terceiro, que na verdade, segundo os papiros foi o primeiro a nascer, e talvez um dos mais importantes. O Titã que girava o mundo. Vivian imaginou que naquele momento ele estivesse rolando a Terra o mais rápido que podia, por que o teto começou a girar sobre sua cabeça, seus olhos ficaram pesados e fecharam-se lentamente enquanto tudo escurecia, sua mente permaneceu agitada mesmo após ter pegado no sono, ainda girando, passando imagens aleatórias: as ilhas gregas, uma onda gigante, Herman, pessoas com máscaras para se proteger do vírus. De repente ela estava flutuando no espaço, mais longe da Terra do que já pôde imaginar, foi quando o Titã apareceu, seu corpo feito de uma nebulosa prateada, pequenas estrelas nascendo e morrendo em sua longa barba, o dedo sob a terra. Ele  era sempre assim em seus sonhos. Todas as noites aquela visão a esperava, mas dessa vez ele olhou para ela, dois sóis enormes olhando em sua direção, ela se assustou, sentiu medo e seu estômago se contorceu, então foi puxada para baixo. 

O 13° TITÃOnde histórias criam vida. Descubra agora