Capítulo 1 - Livros

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- Seis letras, jogador de futebol brasileiro - Meu avô coçou a nuca com a caneta, era um hábito tão "dele" que eu nem me incomodava tanto quanto a alguns anos atras.

- Neymar - Me joguei pra cima do balcão enquanto retirava uma maçã da fruteira laranja berrante da minha mãe, foi um presente de casamento bem "todo mundo gosta de fruteiras" sabe? Clichês da vida.

- Obrigada querida - Meu avô apontou a caneta para mim e depois voltou a cruzadinha dele, aquelas que vem nos jornais e que toda pessoa idosa gosta de jogar. Toda manhã ele ia buscar um na banca da esquina da nossa casa, passava na floricultura e pegava uma flor nova para minha avó e tomava um café na padaria para não ser obrigado a engolir a água cafeinada que minha mãe fazia. Duas rosquinhas e um café bem forte, na hora do caixa pedia algumas balas de hortelã e seu troco devia ser sempre em moedas. Sem nunca fugir da rotina, meu avô chegava em casa e se sentava na cozinha e ia direto as cruzadinhas, as noticias geralmente quem lia era o meu pai.

- Bom dia família - Minha mãe entrou na cozinha puxando a saia lápis e procurando seu avental. Era a minha deixa.

- Bom dia mãe mais linda do mundo - Beijei sua bochecha e a dei um abraço apertado - Você está tão elegante hoje

- Que foi Kylie? Não tenho mais dinheiro, nem vem - Ela se desvencilhou de mim e foi para o velho fogão cinza

- Nossa, a gente não pode nem dar carinho mais para os pais que já é interesse - Coloquei a mão sobre o peito e me fiz de ofendida - Mas já que você perguntou né mãezinha? Eu quero ir até a livraria do centro

- Kylie, meu santo Deus eu comprei um livro pra você semana passada - Ela pegou a chaleira no armário de madeira perto da secadora e me deu uma breve olhada antes de colocar o objeto para funcionar.

- Mãe, eu tenho necessidades sabia?

- Me falir é uma delas - Meu avô riu debochadamente e fui obrigada a lhe lançar um olhar bravo, mas era pura diversão para ele.

- Prometo que vou enrolar mais para ler esse - Cruzei os dedos porque eu jamais demoraria para ler um livro, eles eram como um dementador: sugam a minha alma, mas em vez de retirar eles depositam felicidade. Livros são formas sutis de ignorar o mundo. Livros são a minha escapada do mundo. Livros são o meu mundo.

- Ok, vê se acha algum dinheiro.

- Ah, eu já achei - Tirei algumas notas do bolso, somavam uns trinta dólares.

- Aonde?

- Na sua carteira - Respondi e sai correndo da cozinha, subi as escadas dando de cara com o meu pai que deve ter dito algo como "Vá devagar".

Bati a porta e deslizei para a cama, precisei de alguns minutos para o ritmo do meu coração voltar ao normal e meus pulmões não queimarem dentro de mim. Quando tudo se tornou tão exaustivo? Puxei uma gaveta do guarda roupa e peguei uma calça leggin preta, as vezes eu me arrependia de compra-las pois onde elas encostam já querem grudar pelo ou qualquer outra coisa, na porta do meio procurei por um moletom cinza com touca. Calcei uma bota sem salto e de camurça, procurei pelos meus fones de ouvido e lá estavam eles emaranhados dentro da mochila que usei algumas semanas atrás. As vezes da vontade de só colocar o plug-in no celular e deixar o fone embolado mesmo. Eu odeio andar com bolsas, odeio carregar coisas, então encaixei o celular dentro da calça e passei o fio dos fones por dentro da blusa.

- Você não vai tomar café? - Meu pai perguntou enquanto olhava a sessão de esportes do jornal - Você sabe que é a re..

-Refeição mais importante do dia - Dissemos juntos - Mas acho que da pra desconsiderar essa regra se for a sua esposa no comando do fogão em? - Dei um cutuque em seu ombro e rimos - Estou saindo

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