Sailor

33 2 0
                                    

Acordei naquele dia frio e chuvoso, o que não era uma grande novidade para Forest Hill. A minha cabeça radiava cansaço e confusão, diria que era tudo fruto da turbulência da noite anterior.

O meu quarto tinha um odor forte, e aquilo iria parar directamente nas minhas narinas, o que me levou a contorcer o rosto. Lembrava-me perfeitamente do que aconteceu ontem á noite. Tinha pequenos lapsos da bofetada que dei ao meu pai.

Momentos tensos aqueles.

Levantei-me da cama e ainda sentia-me um pouco tonta. Cambaleei até a porta e esbarrei contra um dos quadros que havia pintado semanas antes, que porventura, se encontrava justamente ao pé da porta.

-Foda-se.

Saí do meu quarto com o dedo do pé vermelho e inchado. Limitei a ignorar a dor e caminhei até a sala. Senti uma pequena brisa deambular pelo meu rosto. Constatei que a janela estava aberta, pois, tendo um pai portador de cigarros mortíferos, como não ter uma janela aberta vinte e quatro horas?

Ainda estava sonolenta e a minha visão estava um pouco distorcida, e levou-me a esfregar um dos olhos, em busca de nitidez. Bocejei lentamente e deparei-me com um vulto no sofá. Este ressonava de tal forma, que me indagava de como não me incomodou no obscurantismo da noite passada. Encostei-me na parede, e encontrei-me a matutar sobre o sucedido de ontem.

-Que raiva!- Murmurei, dirigindo-me para a casa de banho.

❤❤❤❤

As ruas estavam húmidas e o ar estava pura e intensamente fresca. Deixei o meu rosto nortear-me pelas longas ruas ensopadas. Deixei que levasse o meu descontentamento por completo e trouxesse a tão desejada paz, que suplicava no momento. Pessoas sonolentas deambulavam, algumas contentes, outras nem tanto. Talvez estavam fartos de sentar na mesma cadeira todos os dias, ou ficar de pé horas e horas, quando tudo o que queriam era voltar para casa. Ou simplesmente porque receberam uma chamado do chefe, reclamando do quão atrasados estavam.

Manobrei á direita, e entrei no primeiro café logo á esquina. Fazia-se uma fila enorme, pois, essas pessoas sonolentas tinham sede de café e eu era uma delas. O café neutralizava as minhas profundas olheiras, resultantes das longas noites em que não se dormia quase nada, por conta dos trabalhos da Faculdade. Eu sou eternamente grata por isso.

Saí do café com um copo de latte a fervilhar nas minhas mãos. Adorava a minha rotina matinal, embora esta manhã eu tenha fugido um pouco da norma, por causa do querido sailor que implantara-se no meu sofá. O seu súbito aparecimento me asfixiava. Talvez explique o facto de eu o ter esbofeteado. Pois, para quem acabou de rever o homem que colaborou para a sua natividade, depois de quatorze anos, reagira um tanto perceptível. Fiz o possível para escapar de mansinho e não acordar o sailorzinho. Tentava o evitar ao máximo. E juro que não queria o encarar de novo.

Pensamentos viajavam pela minha mente, o que foram sendo afastados pelo inconfundível vento de Forest Hill, afinal, tinha de me debruçar sobre outros pensamentos e outras prioridades. E estas prioridades me comiam viva.

Estava a caminho do inferno, a Faculdade.

❤❤❤❤❤

-Bom dia estudantes! Vejo que todos estão motivados! -Exclamou o professor Rodríguez, abafando a conversa calorosa.

Ele era um daqueles professores que via-se claramente a paixão por aquilo que fazia. Soletrava cada palavra com amor e sinceridade, e podia-se vivenciar cada palavra dita por ele. Para além de ser um professor girissímo, possuía uma carisma para lá de cativante. As meninas morriam de amores por ele, e ele, sempre acabava por ser uma temática indispensável no final da aula. Ou talvez problemática.

-Obrigado. -Disse, desenhando um sorriso meio chateiado- Suponho que voçês estão familiarizados com a aula de hoje. E é exatamente sobre isso que vamos falar. Auguste Renoir. Foi um importante artista plástico francês.
Já na infância demonstrou grande interesse pelas artes plásticas. Quando criança, trabalhou como decorador em uma indústria de porcelanas em Paris.- Fez uma pausa e desviou o olhar para baixo, sorrindo. -Até agora, é o meu favorito. Alguém sabe dizer-me algumas das suas obras?

-Le moulin de la Galette. Bastante conhecida nos museus.- Disse uma voz feminina,no fundo do auditório.

Por mais incrivel que pareça, consegui me esgueirar dos pensamentos que cutucavam na minha cabeça, e pûs-me a rabiscar no meu caderno, quando uma incrivel onda de dor agrediu o meu dedo de pé inchado.

Alguem tropeçou no meu .

Amanhã SeráOnde histórias criam vida. Descubra agora