- Vocês não podem fazer isso comigo! – Renata estava agarrada à saia da mãe enquanto olhava bem no fundo dos olhos claros do pai; o desespero finalmente estava batendo na porta e, pela primeira vez desde que eles saíram da mansão em que viviam nos Jardins, ela tinha certeza de que os pais não estavam brincando. – Eu vou ter que dividir o meu quarto com aquela maluca que fica me chamando de Barbie. E esse lugar cheira a mofo!
- Engraçado, eu só consigo sentir o maravilhoso cheiro do interior – Giuseppe negou com a cabeça. – Pare de drama, Renata, esse é um dos melhores colégios do Estado de São Paulo e você vai me agradecer por isso mais tarde.
- Se vocês me deixarem aqui, eu nunca vou perdoa-los por isso – Renata olhou de relance para o diretor Gonçalves, que a esperava no pórtico do colégio enquanto a família Vincenzo se "despedia". – Nunca!
Laura ainda lançou um olhar apreensivo para o marido, mas este continuou impassível, apegado a sua decisão como um esfomeado se apega a um cookie de chocolate.
Depois que Renata teve o prazer de conhecer a sua nova colega de quarto, deu uma desculpa qualquer e voltou correndo para o prédio administrativo, chegando na sala 22 com os pulmões em chamas. Ainda teve a presença de espírito de esperar os pais assinarem a sua matrícula, mas, naquele momento, as suas últimas esperanças estavam indo pelo ralo.
- Acho que vamos ter que viver com essa culpa, então – o sr. Vincenzo deu o veredicto final, retirando as mãos da filha do vestido da mulher. – Renata, você só tem 17 anos e fez mais coisas erradas do que eu e sua mãe durante todas as nossas vidas. Aproveite essa segunda e última chance que eu estou lhe dando para tomar juízo e aprender alguma coisa. Em julho estaremos de volta para buscá-la para as férias de inverno e você pode nos dizer se nos perdoou ou não.
- Tchau, querida, tenha um bom semestre letivo – Laura sorriu, beijando o topo da cabeça da filha, que tinha os olhos marejados de lágrimas. – Faça alguns amigos!
- Nos vemos em alguns meses – o sr. Vincenzo também beijou o topo da cabeça da filha, dando dois tapinhas em seu ombro nu. – Não se esqueça que nós te amamos.
- Eu odeio vocês – foi tudo o que Renata conseguiu rosnar, dando as costas para os pais e correndo para dentro do colégio, passando pelo diretor como um furacão sem responder ao seu convite para a "palestra de abertura obrigatória".
Ela só parou de correr quando sentiu que as suas pernas não iriam mais aguentar o tranco. Sem ter para onde ir, resolveu voltar aos dormitórios, rezando para que a sua nova colega de quarto não estivesse mais por lá, pendurando pôsteres horríveis na parede e cantarolando músicas imbecis.
No meio do caminho, um grupo de quatro garotos caminhava na direção oposta, conversando e rindo. Renata abaixou os óculos escuros para não ter que conversar com ninguém e apertou o passo, mas não foi o suficiente; estava quase passando por eles quando o mais alto perguntou.
- Ei, novata, não ficou sabendo que a palestra é obrigatória?
Renata se voltou para o grupo, encarando o garoto que havia chamado a sua atenção. Ele deveria ter mais de 1,80m e o cabelo cor de areia, com algumas sardinhas espalhadas pelo nariz. Ele era bonito, mas não de uma maneira convencional. Mas a herdeira não estava interessada em garotos, nem em nada que envolvesse aquele colégio nojento.
- Foda-se a reunião obrigatória – ela respondeu, antes de seguir o seu rumo.
O grupo inteiro fez "uuuuuuuuuu" com ironia e o cara comprido começou a rir.
- Tudo bem, loira, só não diga que eu não avisei! O diretor adora os casos rebeldes do colégio. Diga oi para a Fatinha por mim!
Renata quis perguntar quem diabos era Fatinha, mas optou por continuar caminhando. Desceu as escadas de concreto correndo e atravessou a praça da fonte, entrando no prédio três e passando pela inspetora Silva, que pareceu nem notar a sua presença, mais interessada em digitar no celular.