Até logo

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 Os pacificadores praticamente me arrastaram para dentro do Edifício da Justiça. Eu estava atordoada e mal conseguia me mover. Ainda havia algo dentro de mim mantendo a esperança de que, de algum modo, eu seria salva. Quando me vi sozinha naquele cômodo finalmente me dei conta de que aquilo jamais aconteceria. Era o fim e eu estava perdida. Nada iria revogar minha condição de tributo feminina do Distrito quatro na edição quarenta e nova dos Jogos Vorazes.

 Sentia que poderia morrer ali mesmo. Jamais senti em toda minha vida os batimentos cardíacos tão fortes e descompassados. Olho para a sala ao redor. Um sofá, uma mesa de escritório, estantes, livros e objetos de decoração. Desejava quebrá-los, virá-los e destruí-los e então me encolher num canto e chorar. Chorar como nunca chorei em toda vida. Mais do que chorei quando minha mãe morreu. Porque eu não estava pronta para morrer. Eu estava morrendo de medo e precisava colocar aquela dor para fora. No entanto o choro não vinha. Nenhuma lágrima deslizava pelo meu rosto. Eu só estava ofegando, andando desorientada de um lado para o outro com soluços secos escapando de minha boca. Me inclinei sobre a mesa de madeira onde finquei as unhas. "Kristy". Ela não pode me ver desse jeito. Sentei-me no sofá e esperei até que eles fossem chamados. Decidi que teria muito tempo para ser fraca depois. Na Capital, no trem, ou seja lá onde fosse. Tudo o que eu não podia era mostrar meu medo para Kristy. Teria de ser forte por ela.

 Ela parecia um anjo, e seus olhos azuis pareciam duas pedras de gelo se derretendo enquanto corria para me abraçar. Ela era tão pequena, eu precisava me ajoelhar para lhe segurar direito. Meu coração está sendo esmagado por uma angustia insuportável quando penso na ideia de que não a veria crescer. Eu a amo tanto. Não consigo acreditar que houve um tempo em que não me importava com ela.

 Quando minha mãe morreu, eu só tinha dez anos. Estava triste com o luto, porém, de alguma forma, eu simplesmente sabia que aquela era a hora dela. Mamãe morreu dormindo. Estava em sua cama quando olhou para mim e para meu pai e me perguntou se Kriss estava bem. Respondi que sim, ela estava no quarto ao lado. Então mamãe sorriu e fechou os olhos para sempre.

 Sempre amei minha irmã. Só que, em meu luto, aquele bebê pequeno e frágil que chorava rejeitando meus braços e pedindo pelo colo da mãe era uma lembrança dolorosa e constante. Papai parecia sentir o mesmo. Mas no caso dele, aquilo não se aplicava apenas a Kristy. Dias e noites bebendo para esquecer a morte do amor de sua vida. A mulher que uma vez deixou tudo para trás por ele, um pobre pescador do Distrito quatro. De alguma forma eu o compreendia.

 Numa tarde depois de uma manhã inteira na praia, escutei o choro da varanda. Não me importei com os pés molhados e cobertos de areia. Corri pelas escadas, até chegar ao quarto do bebê. Reconheci o medo em seu choro. Reconheci o pedido de socorro, a fragilidade, a necessidade de ter alguém. Então enquanto a tomava nos braços entendi o significado do último sorriso que minha mãe me dera. Ela tinha orgulho de mim. Ela confiava em mim para cuidar de Kriss. Ela nos amava e nos tinha como seus bens mais valiosos. E sabia que ficaríamos bem. Ela podia partir em paz.

 Não foi como num conto de fadas onde tudo é perfeito. Kristy continuava a me recusar. Continuava a chorar e reprovar minhas tentativas de fazê-la gostar de mim. Passaram-se muitos dias, e tudo valeu a pena quando ela finalmente parou e me encarou por um longo tempo, até que um sorriso divertido brotasse em seu rostinho delicado. Eu soube que sempre a amei.

— Ei, princesinha, não chore — Afasto seu rosto do meu ombro e lhe dou o sorriso mais falso de todos, tentando consolá-la. — Vai ficar tudo bem. Eu só vou ficar longe... Por pouco tempo.

— Vamos pra casa... Por favor — Implorou ela, gaguejante. — Eu sei pra onde você vai. Sei que vão te levar para os Jogos Vorazes. Ninguém nunca volta...

Just Another Game - Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora