Naquela altura, eu tinha completa certeza de que estava totalmente fora da minha mente, mas, para ser honesta, eu não me importava. Tudo a minha volta estava tão louco e havia aquela grande possibilidade de eu acabar morta. Então eu estava simplesmente ignorando um pouco a droga do jogo e começando a pensar mais sobre o que era importante para mim. E ali, sentada na cama e encarando dispersa meu parceiro de Distrito, eu só conseguia pensar em ajudar aquela mulher. Só conseguia me lembrar dos olhos dela - transparentes como diamantes, azuis como as praias mais afastadas e isoladas do 04 - e associá-los aos olhos da minha mãe. Os olhos semicerrados que encaravam minha pequena figura de dez anos, no pé da cama, olhando para ela tão bela definhando na cama enquanto a doença a tragava para a morte. Mesmo pálida e quase inconsciente ela conseguia fazer os cantos da boca se curvarem num sorriso amoroso e gentil. Como se quisesse dizer que tudo estava bem. Eu sorri de volta e a deixei ir. Meu pai nunca o fez.
— É um plano bem arriscado — Emmett finalmente disse algo, depois de uma pausa longa.
— Eu sei. Mas existe sempre a possibilidade de dar certo.
Nós possuíamos as vantagens de que as Avoxes, literalmente, eram invisíveis. Ninguém sentiria falta da mãe de Stellmaryah, e ela só desapareceria por algumas horas. Na pior das hipóteses, se nos pegassem vagando pelos corredores, poderíamos inventar uma desculpa idiota e qualquer. Eu era capaz de inventar milhares delas caso fosse posta contra a parede. Sentia que daria certo, esperava do fundo do coração que aquela ideia se desenvolvesse.
Eu realmente não tive medo de confiar em Emmett agora e disse tudo. Talvez fosse a adrenalina. Não foi difícil pra ele acreditar. Ele se lembrava do rosto de Stellmaryah, e também havia visto a Avox na sala pouco antes dela se virar e desaparecer.
Enquanto eu contava sobre minha vontade de mandá-la para o décimo segundo andar, não havia modo de ler a expressão no rosto do meu parceiro. Só podia dizer que ele estava atento. E suas sobrancelhas se levantaram levemente ao final do meu discurso, considerando a ideia que eu lhe propunha.
Eu estava mirando o vazio agora, repassando tudo o que lhe contei na cabeça, pensando em como eu era louca por ter lhe falado tudo aquilo e já imaginando como eu e apenas eu desenvolveria aquilo sozinha... Mas então percebi que Emmett me encarava e eu o encarei de volta. Ele estava sorrindo.
— Você não vai desistir, não é mesmo? — Quis saber.
— Não.
Ele assentiu.
— Precisa de mim para que isso funcione. Certo, Kaylee. Eu estarei lá.
Por um minuto não acreditei nos meus ouvidos. Apesar de aquilo ser tudo o que eu queria ouvir desde o momento em que quebrei a promessa feita a Avox e contei a Emmett. Continuava a olhá-lo enquanto ele retribuía, piscando seus olhos verdes claros em silencio.
Algo como culpa e repulsa começa a cair sobre mim. Repulsa por mim mesma. Eu fora tão grosseira com ele, tão rude sem motivos. Estava sendo preconceituosa por ele ser um Carreirista. No 04, os jovens que treinam para os jogos não são assim tão bem aceitos entre os demais, como sei que acontece no 01 e no 02. Me sentia um pouco envergonhada por só ter enxergado aquilo em Emmett até ali.
— Olhe... Sei que você estava mesmo sendo legal na estação e sinto muito por pensar que...
— Tudo bem — Interrompe. — Entendo você.
— Mesmo? — Minhas sobrancelhas se ergueram em surpresa. Estava com medo dele levar a sério o negócio de não ser mais legal comigo.
— Sim. Kaylee, sei que somos inimigos no jogo mas não precisamos fazer isso. Você sabe — Ele rolou os olhos de uma maneira engraçada. Não sei se foi sua intenção.
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Just Another Game - Jogos Vorazes
FanfictionAnos após os Dias Escuros, Panem encontra-se na edição quarenta e nove dos Jogos Vorazes. Kaylee Donner é a tributo feminina do Distrito 04 desta edição. No auge do totalitarismo exercido pelo presidente Smith e pela Capital sobre todos os doze Dist...