A viagem sem volta

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 Estou sendo guiada até um carro onde meu parceiro de Distrito se encontra. Sienna entra primeiro de modo que fico na outra extremidade próxima a porta. O veículo se move e tem como destino a estação de trem. Sienna está falando o tempo inteiro. Ela não se cala nem para tomar folego enquanto tagarela sobre as maravilhas da Capital e sobre como somos sortudos por estarmos tendo essa oportunidade. Decido afastar a mente daquela insanidade e olho disfarçadamente na direção do meu parceiro de Distrito. Porém, a medida que percebo que ele não está dando a mínima, meu olhar se torna escancarado e estou com o rosto totalmente inclinado na direção dele. O garoto parece estar em outro lugar, sem expressão nenhuma para ser lida em seu rosto. Não parece pensativo ou preocupado. Só entediado, como se aquele fosse um passeio bastante comum para ele. Me canso de esperar para que seu olhar se cruze com o meu em algum ponto do caminho, e logo me vejo saindo do carro e seguindo em direção ao trem que nos aguarda. Havia muitas pessoas do lado de fora, as lentes de câmeras ainda a nos perseguir, toda cobertura maciça da Capital sob seus tributos preciosos.

 Eu não estava realmente esperando muito quando entramos no trem. Sei que estou meio boquiaberta enquanto Sienna avança abrindo todas as portas de vagão para vagão fazendo com que eu e o meu parceiro a sigamos. Nunca estive em contato com tanto luxo na vida antes. Tudo é tão brilhante e limpo. O cheiro é tão agradável. Minha boca está salivando e meu estômago se revira sem meu consentimento quando chegamos a um vagão de refeições.

 Viro-me para trás e faço um circulo no lugar quando percebo que meu parceiro não está mais atrás de mim. A mulher da Capital também parece surpresa ao perceber que falava apenas para mim. Ela me deixa sozinha naquele vagão com a promessa de que encontraria meu parceiro. Assisto a porta se abrir e fechar e então volto minha atenção para a mesa reluzente diante de mim.

 Começo a andar em volta, tentando pescar alguma coisa realmente atraente com os olhos. O problema não é encontrar a tal coisa e sim escolher. A mesa está tão repleta de doces e coisas que parecem incrivelmente saborosas que tenho vontade de provar cada uma delas. Mas logo eu percebo o absurdo daquilo. Era claro que aquele banquete exagerado não estava a disposição de mais do que eu, meu parceiro, a acompanhante da Capital e nossa mentora. E era óbvio que nós quatro jamais devoraríamos tantas coisas em tão pouco tempo de viagem. Noventa por cento dessas coisas jamais seriam comidas e aquela ideia me enojava. Tudo para o lixo. Enquanto existem pessoas sem sequer um pedaço de pão para passar o dia em alguns Distritos.

 Estou tentada pelo meu orgulho, mas meu estômago já começa a produzir barulhos. Fazia horas desde minha última refeição e me lembro de não ter tido muito apetite. Estou preparando uma xícara de chocolate quente e trazendo para um prato alguns pãezinhos doces dourados. O gosto é maravilhoso. Eu não tenho a oportunidade de comer muita comida doce. Tenho peixe em todas as refeições, e o doce que posso experimentar vem de frutas que são algo um pouco raro mesmo assim. Descubro que adoro aqueles sabores.

 Quando meu prato e minha xícara ficam vazios, estou me levantando para escolher outro petisco quando percebo meu parceiro parado a me observar na porta do vagão. Me pergunto quanto tempo ele esteve ali e fico acanhada de repente. Como sempre, ele não tem expressão para mostrar. Suponho que esteja esperando que eu fale primeiro. Digo a coisa mais estúpida possível:

 — Você deveria experimentar algo.

 Leva alguns minutos até que sua reação venha. Quando vem, é a mais inesperada possível. Ele esboça um sorriso divertido para mim, então caminha na direção de uma poltrona acolchoada com tecido vermelho reluzente.

 — Kaylee, certo? — Ele se senta.

 Faço que sim. O garoto sem nome faz sinal para o espaço vago a seu lado no assento. Não quero ser grosseira, portanto caminho até lá. Estou a seu lado.

Just Another Game - Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora