Eu quero ir além. Quero romper com os limites impostos pela minha própria pequenez. Essa minha alma, híbrida, faz-me pantera e hamster, concomitantemente. Como será possível convivem harmoniosamente duas criaturas tão distintas, que fazem do meu corpo sua morada e campo de batalha, estraçalhando a cada luta travada os resquícios remanescentes, do que outrora fora minha alma?
Ir além, sem se importar com quem, com quem interrompe meu voo, com quem quebra minhas asas e faz-me mal, que intenta contra minha felicidade, esta, tão longínqua, alheia e inimaginável para mim.
Por que tenho que me importar, seja com essa felicidade, seja comigo mesma? Por que não posso conduzir essa jornada da forma mais simples, sendo levada pelos meus demônios, esses, que me atrapalham deveras, entretanto, são livres.
Aspirar por algo que não te quer é o pior dos flagelos! Este amor platônico me mata, aos pouco se esvai tudo quanto sou, tudo quanto já fui.
Considero ser uma boa luta essa - a de lutar contra si e contra tudo o que te fere. À medida que a luta progride, aumenta outrossim a sensação de vazio, como se todos meus fluídos e órgãos fossem arrancados violentamente desse meu corpo, e que fossem imprescindíveis à minha existência. Não o são! De nada me adianta um coração de carne se não posso ter um de espírito. De verdade.
Meus valores, preferências e prioridades estão em constante mudança. Essa mutação faz deles – e de mim – algo estranho aos outros, pois os outros não estão preparados para a divina transformação compulsória.
Transpor a ponte que até hoje nunca ousei atravessar me faz bem. O perigo nos fascina. O improvável também. Essa ponte, por ser simbólica, torna demasiado difícil essa empreitada de atravessá-la. As barreiras da mente são as mais fortes muralhas já construídas, que nem seres sobrenaturais conseguiriam derrubá-las. Desnecessário é tentar.
Cada vez que eu tentava, batia violentamente contra seu muro fortificado, e caía, caía tão feio a ponto de desmaiar. De tanto dar com a cara no muro, um dia a gente vê-se obrigado a aprender que não precisamos fazê-lo cair, basta arrumarmos maneiras, maneiras essas que são atalhos. Através de atalhos consegui adentrar as muralhas, e não me interessou nada do que estava lá dentro. Perdi séculos de existência num plano, que não me levou a lugar algum, nem me proporcionou a felicidade.
Que será essa felicidade? Acho que me causa alergia, ou será eu à ela? Ri-se de mim, de como seu idiota? Ou será que a tive e não me percebi em seu suntuoso charme? Essa felicidade é a mais estranha de todas as criaturas, até das que em mim habitam!
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Distopia d'alma
AcakContos, Crônicas e reflexões reunidas, onde o objetivo é esmiuçar uma alma sem esteriótipos, ideologias e condutas "comuns", morada do caos, e concomitantemente, apaziguada pelos seus próprios demônios. Mostrar como nós nem sempre somos como queremo...