Capítulo 26

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Olho-me ao espelho e não vejo a mesma pessoa que via há um mês e meio atrás quando entrei naquele hospital. Quando entrei para lá tinha tudo planeado na minha mente, sabia perfeitamente o que queria e o que tinha que fazer para o alcançar mas agora que me olho ao espelho é como se eu não soubesse mais o que quero. A minha mãe sempre me educou para que eu tivesse uma vida estabilizada, sem problemas, completamente em paz e o que é que eu fiz? Exactamente o contrário. Ontem quando estava a jantar com a minha mãe e os seus amigos eu percebi que eu me perdi um pouco, raramente estou em casa com a minha mãe aliás quase nunca estou em casa mas eu sabia que quando começasse a trabalhar o meu tempo iria ficar limitado mas não desta maneira porque não é o trabalho que me ocupa tempo, é ele. Porque foi exactamente ele que virou a minha vida do avesso apesar de eu não admitir isso para ele ou para qualquer outra pessoa, ele acabou por me tirar do aborrecimento que a minha vida era mas que eu achava que era perfeita. Não é inacreditável que é necessário vir alguém de fora para que as coisas fiquem tão fora do lugar que tu percebas que é talvez ali que elas deviam estar?

"No que é que estás a pensar? Estás a olhar o teu reflexo há quase meia hora." O Harry falou do banco do motorista.

"É errado eu sentir que mudei?" Pergunto e respiro fundo pensando se foi uma boa ideia eu ter-lhe perguntado isto.

"Sentes-te errada por ter mudado?"

"Um pouco. Eu sinto que acabo por desiludir todas as pessoas que confiaram em mim por estar a fazer escolhas tão diferentes." Respondo. "Mas depois há outro lado que me deixa feliz por ter mudado porque agora sinto que posso realmente ser eu, sem qualquer máscara a tapar, só eu. É estranho?"

"Não é estranho, nem errado se tu te sentes bem com isso Kath. Não te sintas mal por tomares uma decisão que vai prejudicar os outros, tu és responsável pela tua felicidade e não pela deles."

"Eu sei disso mas... Por exemplo, eu raramente estou em casa agora. E tenho a certeza de que se a minha mãe soubesse a verdadeira razão de eu ficar fora de casa, ela iria ficar desiludida comigo. Ela só não fica porque acha que é trabalho."

"E não é trabalho?" Ele pergunta com um sorriso a querer formar-se no canto da sua boca.

"Por favor, deixou de ser trabalho no momento em que nos encontramos no teu quarto." Digo. "E desde o momento em que me rasgas-te o raio das folhas." Digo a rir. "Eu fiquei realmente chateada Harry!"

"Foi engraçado de se ver, tens que admitir." Ele desculpa-se e mete a mão na minha coxa. "Mas agora a falando a sério, não deixes de ser feliz só porque os outros querem que tu vivas uma vida que tu não queres viver. Não é justo para ti."

"Obrigada." Disse e sorri para ele quando ele apertou um pouco a minha coxa.

"Ouve..." Ele disse. "Eu sei que nós dois somos estranhos, que ora estamos a discutir ora estamos como agora e eu sei que isso te deixa cansada e essas merdas todas mas nunca ouviste dizer que as coisas certinhas acabam por enjoar demasiado cedo? Tens o exemplo da tua vida, talvez ela fosse demasiado certinha e assim que tu tiveste um pouco de adrenalina a mais quiseste logo mudar... Por isso pensa pelo lado positivo."

Sorri para ele, um sorriso sincero de agradecimento por ele me tentar compreender. E é nestes pequenos momentos que eu o conheço verdadeiramente e ele não é apenas um idiota, um chato e um mal-humorado. Ele tem um coração e eu gostava que ele mostrasse isso mais vezes. A nossa relação – de amigos, obvio - é decididamente o contrário das outras, quando conhecemos alguém nós vemos primeiro as suas qualidades e só depois os seus defeitos e é por isso que tantas amizades, tantos amores nunca dão certo... Porque na nossa mente tudo é tão perfeito, a pessoa não dá nem um raio de um peido mal cheiroso ela é tão perfeita que deve dar um peido cheio de purpurinas mas a verdade é que não é assim. As pessoas vão se acabando por mostrar quem verdadeiramente são. E com o Harry as coisas são diferentes, eu acabei por conhecer os seus defeitos primeiro e só depois as suas qualidades e eu ainda não sei de todas mas ele vai mostrando-me com o tempo, acaba por me mostrar quem ele é, sem aquela pressão toda sobre ele, acaba por me mostrar do que ele é feito quando não está com aquela sujeira e escuridão toda ao seu redor.

"Duas." Ele disse. Não percebi o que ele quis dizer com isso, duas quê? Duas horas para chegarmos? Sim porque ele disse que me ia levar a um sitio mas não me disse onde íamos. "Duas perguntas. Podes perguntar-me duas coisas, eu respondo." Um sorriso apareceu na minha cara.

Pensei pelo que pareciam horas para mim mas foram apenas uns minutos. "Porque é que não acreditas no amor?" Ele olhou para mim com os olhos arregalados. "O que foi?"

"Era suposto perguntares-me coisas normais, não coisas como isto."

"Tu não disseste que tipo de perguntas eram, disseste duas perguntas por isso tens que responder."

"Porque é que vamos acreditar em algo que é uma mentira desde o inicio?" Ele perguntou.

"Já alguma vez amas-te alguém?" Ele negou. "Então porque é que tens essa ideia de que é logo errado?"

"Porque eu vi aquilo que aconteceu com os meus pais Katherine, o amor faz-te sentir vulnerável e fraco e se tu deixares que ele te consuma totalmente tu vais acabar magoada. O amor é uma mentira, ele não funciona como as pessoas dizem que funciona. Não há aquelas histórias dos filmes de romance, dos livros ou das músicas... O amor da vida real não funciona, ele acaba contigo mesmo quando tu pensas que isso é impossível e o que é acontece no final? Tu ficas revoltada com o mundo e só queres desaparecer." Ele respirou fundo. "Por isso, porque é que vou acreditar em algo que só nos trás dor? Talvez eu seja aquela pessoa que não consegue amar e tal mas acredita eu sou feliz assim. Prefiro não me meter nessas merdas que as pessoas chamam de amor."

"Os teus pais estão juntos?"

"Não. Eles separaram-se por causa de mim."

"Como assim?" Perguntei, tem que haver algo por trás da história dos pais dele que o fizeram ver o amor daquela maneira, a minha mãe sempre me ensinou que o amor são aquelas borboletas na barriga, aqueles arco-íris que nós vemos quando olhamos para aquela pessoa, aquele toque mas ela também me ensinou que não é só isso. Eu aprendi isso com o distanciamento do meu pai, com as discussões que eles tinham, aprendi isso com o pouco que eu me lembro de ouvir os dois discutirem. Mas isso não me fez desistir de acreditar no amor. Por isso há algo nos pais deles que é muito pior do que os meus e eu consigo perceber isso da maneira que ele fala deles, será por isso que ele não gosta muito do pai?

"Sabes que eu não vou responder a mais nenhuma pergunta depois dessa certo?" Assinto com a cabeça. Eu só quero que ele me responda. "Eu não fui desejado pelos meus pais, o meu pai nunca foi muito de parar em casa, ele preferia mil vezes estar numa festa do que em casa com a minha mãe e quando ela lhe contou que estava grávida de mim ele passou-se porque isso significava que a vida boa dele teria que acabar e ele tinha de manter uma relação estável com a minha mãe. A minha mãe ficou feliz porque ela gostava realmente dele." Ele riu-se ironicamente. "Mas para ele, a minha mãe era apenas mais uma que tinha engravidado dele."

"Então tu tens mais irmãos? Do lado do teu pai?"

"Não." Olho confusa para ele. Mas se o pai dele engravidou mais pessoas... "Elas acabaram todas por abortar, ele obrigava-as. Mas com a minha mãe não conseguiu fazer isso e por isso ele tentou assentar com ela, tentou mas todos os dias chegava a casa com marcas de batom na camisa. Como é que alguém é capaz de trair a minha mãe?" Ele aperta o volante com força. "Eu sei que tu não a conheces mas ela é a melhor pessoa que tu podes conhecer, apesar de eu ser um estupido com ela e de a tratar mal por vezes ela continua sempre aqui para mim. Só por essas atitudes dá para ver a pessoa que ela é, como é que alguém é capaz de magoar alguém assim?" Ele respirou fundo para se acalmar. "Quando eu tinha oito anos, a minha mãe fartou-se de ser tratada como um boneco e expulsou-o de casa. Ele nunca mais falou connosco, depois quando eu tinha os meus 16 anos descobrimos que ele tinha aberto um hospital e ele pôs um caso no tribunal porque queria a minha custódia! A porra da minha custodia!" Ele gritou. "Ele nunca quis saber de mim e assim do nada veio com tretas que a minha mãe não tinha posses para cuidar de mim e como é obvio ele ganhou porque a minha mãe não tinha o dinheiro que ele tinha, ela trabalhava dia e noite para que pudéssemos ser felizes... mas nós eramos. Até ele aparecer novamente, depois eu fui morar com ele e meti-me em algumas confusões e acabou naquilo que tu vês. Eu a morar na porra de uma ala psiquiátrica."

"Harry eu-" Eu ia falar mas ele cortou-me.

"Chegámos."

"Onde?" Perguntei.

"Holmes Chapel."

Closer to you | h.s #wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora