Numa página de seus "Diários", escritos entre 1915 e
1941, Virginia Woolf alude ao "inimigo escondido atrás da
cortina da vida cotidiana". Vara ela, esse inimigo foi uma
presença constante. Atormentada, vivendo em meio a uma
série de crises de depressão, tentou o suicídio três vezes.
Mas todas as terríveis dificuldades que enfrentou não puderam
impedi-la de exercer seu poder criativo e construir uma
das obras mais inovadoras do século XX.
Filha de um refinado intelectual vitoriano, Sir Leslie
Stephen, Virginia Woolf nasceu a 25 de janeiro de 1882,
em Londres. Nos anos de formação, a liberdade intelectual
permitida pelo pai compensava certas proibições impostas às
mulheres da família. Adolescente de saúde frágil e vulnerável,
não fez estudos regulares e recebeu uma atenção especial
de Sir Leslie. Esses cuidados foram redobrados quando, aos
catorze anos, sobreveio um sério abalo psicológico causado
pela morte da mãe, Julia Duckworth. Nessa mesma época,
Virginia sofreu outro choque: quase foi estuprada por seu
meio irmão, George. E, em seguida, testemunhou a loucura
de Laura, também uma meia irmã. Mas foi na família que
encontrou uma aliada fiel e devotada: a irmã Vanessa.
Em sua casa, no bairro de Bloomsbury, formou-se um
círculo de intelectuais e artistas que iriam exercer uma influência
renovadora no ambiente cultural da Inglaterra. Entre
os membros mais importantes, estavam os romancistas
E. M. Forster e Lytton Strachey, o crítico e pintor Roger
Fry, o economista John Maynard Keynes. As transformações
que atingiam a arte, a ciência e o comportamento no início
do século eram o objeto das conversas e discussões no interior
do "círculo de Bloomsbury". Aí, entre assuntos que
iam das teorias de Freud à emancipação das mulheres e às
conquistas da vanguarda, Virgínia encontrava com freqüên-
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cia o jornalista Leonard Woolf, um socialista, com quem se
casou em 1912.
Os dois alugaram uma fazenda em Sussex, onde Virgínia
encontrou a tranqüilidade necessária para escrever. Em
1915, lançou seu primeiro livro: "A viagem", história de
uma mulher que abandona a segurança doméstica em busca
de uma vida mais autêntica e gratificante. Durante a Primeira
Guerra Mundial, o "círculo de Bloomsbury" desarticulou-
se temporariamente. Mais tarde, seus integrantes voltaram
a reunir-se, aprofundando o compromisso de liberdade
espiritual, inconformismo social e renovação artística. Em
1917, Virgínia e Leonard fundaram a Hogarth Press, uma
editora que publicou as obras de Proust, Freud, Katherine
Mansfield, T. S. Eliot, Rilke e outros.
Lançado pela Hogarth, seu segundo romance, "Noite e
dia" (1919), já antecipa os elementos essenciais da estrutura
narrativa da autora. A objetividade do relato cede lugar à
exploração profunda dos movimentos mais íntimos da consciência
de suas personagens. A heroína, Katherine Hilbery,
questiona-se sobre o valor do casamento e as limitações que
traz à independência da mulher. Embora fosse arredia às
questões políticas, Virgínia participou da Liga do Trabalho
Feminino. A partir de "O quarto de Jacó" (1922), o emprego
do monólogo interior iluminando a apresentação imediata
do fluxo da consciência consolida-se na ficção da escritora.
Em seus livros mais importantes, está presente um
procedimento renovador: o enredo ê praticamente dissolvido,
reduzindo-se a um fio mínimo, a uma espécie de atmosfera
que liga as personagens. Um acontecimento exterior
qualquer desencadeia idéias e seqüências de idéias que levam
a personagem a mover-se com liberdade na consciência,
transitando do passado ao presente e vice-versa. Essa técnica
encontra-se plenamente desenvolvida em "Mrs. Dalloway"
(1925), "Passeio ao farol" (1927), "Orlando", "As ondas"
(1931) e "Entre os atos" (1941),
Em "Um teto todo seu", ensaio publicado em 1929,
Virginia examina com lúcida paixão a condição feminina, a
opressão da mulher aprisionada pela situação familiar e pela
estrutura patriarcal. Ao mostrar como essa dominação impediu
o desenvolvimento da mulher, Virgínia criou uma situação,
à guisa de exemplo, que se tornou famosa. A irmã de
Shakespeare, tão talentosa quanto o irmão, vive subjugada
a tarefas domésticas, e todos os seus esforços são esmagados
pela família. Desesperada, ela se suicida. Mais tarde, escre-
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veu um outro ensaio, "Three guineas" (1930), em que estabelece
um paralelo entre a opressão da mulher e outras
opressões, políticas e sociais.
Com as violências e misérias da Segunda Guerra Mundial,
o precário equilíbrio psicológico de Virginia desmorona.
A angústia acentua-se, as depressões chegam a um ponto
insuportável. No dia 28 de março de 1941, atira-se nas águas
do rio Ouse. "Tenho a impressão de que vou ficar louca.
Ouço vozes e não posso concentrar-me no trabalho. Lutei,
mas não posso continuar"; esse é um trecho do bilhete que
deixou e foi encontrado junto a um chapéu e uma bengala,
a beira do rio.
Da autora, o Círculo já publicou "Orlando", "Noite e
dia" e "Passeio ao farol".
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Um teto todo seu
Não FicçãoBaseado em palestras proferidas por Virginia Woolf nas faculdades de Newham e Girton em 1928, o ensaio Um teto todo seu é uma reflexão acerca das condições sociais da mulher e a sua influência na produção literária feminina. A escritora pontua em qu...