Cama de Rosas - Parte IV

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Sevilha, Espanha, 21 de janeiro de 1787.

Ele me olhava como o sol olhava a lua, fazendo-a brilhar de longe, a iluminando e lhe dando guarda, era assim como eu me sentia com o seu amor, protegida e cuidada, onde quer que eu estivesse.

Estávamos novamente acampados na região de Andaluzia, mais precisamente em Sevilha pra ser mais exata, a Espanha era definitivamente de fato o lugar mais seguro para as crianças do clã crescerem, alí já não existia mais perseguição, a nossa segurança era feita apenas por nós, o governo nunca nos deu nada, nem pão, nem garantias, nosso povo era marginalizado, mas isso não era exclusividade da Espanha, acontecia em qualquer lugar do mundo, desde que nossa cultura se expandiu.

Era fim de tarde e eu estava distraída cortando frutas para por no vinho e escutei os barulhos das botas de Jon em passos suaves ao entrar na tenda branca, onde costumávamos cozinhar, meus cabelos estavam presos em um nó e alguns fios estavam soltos, fui então surpreendida com um beijo no pescoço. Jon tinha na mão uma rosa amarela desnuda de espinhos e a colocou em meu cabelo.

-Trouxe pra você!

-Obrigada, corazón! Estou atrasada com o vinho hoje... O sol já caí... Ainda vou consultar, a fila cresce lá fora!

-Em que eu posso te ajudar?

-Pode terminar de ajudar Juliet a se arrumar?

Juliet tentava sem sucesso equilibrar uma pequena rosa em seus cabelos finos de criança.

-Hm... Será que consegue?

Brinquei...

-Passei os últimos anos enfeitando os cabelos da mãe com rosas, posso fazer isso pela minha filha também!

Disse ele levantando a sobrancelha se divertindo com o desafio.

-Deixa que o papá ajuda, hija.

Ele se abaixou na frente dela e com todo o jeito pegou a rosa e prendeu em seus cabelos.

-Pronto, ciganinha!

Juliet me olhou com olhinhos brilhantes, feliz por ter sua flor nos cabelos.

-Obrigada, batô!

Ela agradeceu ao pai em romanês com um beijo estalado no rosto dele, que me olhou abobalhado.

-Como cresceu... Outro dia nem andava, hoje já quer flor no cabelo para dançar...

-E dança tão graciosa... –Completei suspirando.

-Não podia ser diferente...

Ganhei um beijo despretensioso e ele saiu para acender a fogueira.

Festejávamos pelo menos a cada três ou quatro dias, nossas festas eram tão animadas que atraiam os gadjos, eles vinham para nos ver dançar, para se consultar com leitura de mãos e de cartas, queriam saber do amor e da prosperidade, queriam saber a quantas ia o coração, as mulheres se interessavam mais em como trazer o homem amado, já os homens quando esse ou aquela sociedade iria dar certo, a maioria não confiava em nós logo de primeira, mas depois que acertávamos a primeira previsão, voltavam correndo querendo saber mais e deixavam gordas gratificações, não pedíamos nada, mas aceitávamos suas ofertas de bom grado, assim como o ouro, aceitávamos flores, incenso, ervas, sementes, comida não. Comida carrega a energia de quem preparou, colheu, trouxe... Nunca se sabe o que a pessoa traz no coração.

A labareda chamuscava a madeira e a parte de fora do acampamento começava a encher, chamávamos atenção com nossas roupas coloridas e brilhosas, barulho, falatório e o cheiro misterioso de nossos incensos e ervas queimadas. Eram todos bem vindos, desde que viessem com bom coração, não aceitávamos que visitassem nosso acampamento certos tipos, os vagabundos e malfeitores, esses, os nossos homens não permitiam a aproximação, nem para as consultas, muito menos para ver suas ciganas dançando.

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