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Janeiro, 1964

"Querido Diário

Dizem que os amigos são a família que escolhemos. Fico feliz que tenha escolhido a família certa. Não sei o que seria das minhas tardes tediosas, dos meus momentos de alegria, dos meus dias de desespero, se não fossem meus amigos para compartilhar deles comigo. Serei eternamente grata a quem quer que os tenha colocado em meu caminho, pois não importa o que aconteça, tudo ficará melhor com eles do meu lado.

I'm counting on you, from the dawn of each day to always come through...

Elvis Presley"

Por volta das seis e meia da manhã, Ben nos levou de volta para a casa de minha avó. Isso pois eu estava quase dormindo no meio do gramado do campo de futebol. Pessoas normalmente ficam sociáveis e comunicativas após alguns goles, não eu. Porém, não por completo naquela noite, uma vez que Ben me fez companhia. Era ótimo conversar com ele. Por ser mais velho, suas conversas eram diferentes das que eu estou acostumada com Rico, por exemplo. Ele tinha uma visão mais ampla do futuro, levava as coisas um pouco mais a sério, ao contrário do restante de meus amigos.

Quando chegamos em casa, Ben abriu a porta do carro para que eu descesse, me deu um beijo de boa noite e me pediu para sonhar com ele. Achava que era desnecessário pedir, já que era óbvio que eu sonharia. Subimos a grade, pulamos a sacada, e então abri a janela que daria para o quarto. Nós entramos dando risadas abafadas sobre nada, enquanto eu exclamava 'shhh' o tempo todo.

"Calem a boca, minha avó pode acordar..." eu cochichei rindo, vendo Rô tropeçar sobre seus próprios pés.

"Ela já está acordada."

De repente, a luz do quarto foi ligada e percebi minha avó sentada no sofá que ficava no canto do quarto.

"Onde você estava, Amélia?" sua voz era seca e grossa, seus olhos contornados por rugas pareciam ainda mais cansados. As meninas olhavam-me desesperadas e eu não sabia o que fazer. Minhas mãos começaram a tremer de nervosismo e eu pensava no que dizer, mas as desculpas me escapavam.

"Nós... Nós ficamos com fome e resolvemos ir à padaria comer alguma coisa..." falei a primeira coisa que veio à minha cabeça. A feição de minha avó me assustava, ela estava irritada como nunca a vi.

"Não minta para mim, Amélia. As coisas podem ficar bem piores do que já estão! Pensa que não vi o Pontiac do seu amigo Benjamin as deixando aqui?" sua voz já estava exaltada e eu dei um passo para trás, segurando a mão de minhas amigas que tremiam igualmente a mim. Sabíamos quais seriam as consequências se nossos pais soubessem que chegamos às seis da manhã em casa, no carro de um garoto.

"Vovó, por favor..." eu involuntariamente comecei a chorar, pois sabia o que iria acontecer.

"Você me deixa sem escolhas, Amélia. É minha responsabilidade cuidar de vocês. O que os pais de Eduarda e Roberta vão pensar de mim?" ela levantou bruscamente da cadeira. "Estou ligando para os pais de vocês agora." Eu e as garotas suspiramos desesperadas ao mesmo tempo, e Rô apertou meu braço.

"Vó, por favor, não faça isso!" supliquei mais uma vez. Sabia que não adiantaria nada do que eu dissesse, então poupei as palavras. A minha família, assim como a das meninas, era muito tradicional. Cheia de regras, como a maioria de nossa época. Se não as cumprisse, você era punido. Simples assim. Já não me recordava das tantas vezes que fui punida por desobedecê-las.

E assim foi feito. Minha avó ligou para nossos pais, que apareceram minutos depois em sua casa. Os pais de Roberta estavam visivelmente decepcionados e foram bruscos ao levar minha amiga para casa. Os de Duda pediram desculpas pela impertinência à minha avó, e sem uma palavra a levaram. Sabia que ela não sofreria tanto com as consequências, já que, afinal, ela estava com o primo.

Querido DiárioDonde viven las historias. Descúbrelo ahora