Chegar ao colégio no outro dia foi bem mais tranquilo. Algumas pessoas ainda me olhavam, mas eu já era notícia antiga. Por sorte, os professores também achariam isso e não teríamos que passar pelas mesmas situações embaraçosas durante a chamada.
Quando entrei na sala de aula, apenas almas sebosas me encaravam e falavam alguma gracinha entre elas (a loira nariguda, suas seguidoras e uns ratos de academia sentados perto delas). Ignorei.
Tive um déjà vu ao ver a menina de óculos grandes demais, Lara, totalmente entretida no iPhone e o cabeludo idiota, Maurício, dormindo como uma pedra na carteira ao lado da janela. Havia mais lugares para sentar, já que eu tinha chegado mais cedo. Só que todas as opções, sem exceção, eram ruins. Entre praticamente beijar o quadro negro (eu tenho alergia a giz), sentar perto da loira sem sal e ficar entre os dois alunos mais alienados da sala, eu facilmente escolhi a última opção. Até porque, ontem, nenhum dos dois me importunou. Só o cabeludo, com aquele comentário impertinente, mas logo estava dormindo de novo. Ponto para ele.
E foi levando isso em consideração que me segurei para não dar uma "chega pra lá" em Lara quando ela pediu para tirar uma foto comigo.
— Pra que você quer isso? – tentei parecer simpática.
— Comentei pra umas conhecidas coreanas que você estava na minha turma, mas elas não acreditaram. Então, resolvi que deveria tirar uma foto para provar – ela respondeu como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Minha simpatia desceu toda por água abaixo. Não acredito que estava escutando uma maluquice dessas no início da manhã.
— Não vou tirar foto nenhuma.
— Ah! Deixa disso!
E, de repente, ela estava posicionada ao meu lado, enquadrando nós duas na tela do celular com a mão esquerda. Como ela era alta, notei que estava com dificuldades para se equilibrar, fazer pose e bater a foto, tudo ao mesmo tempo. Esperava que ela desistisse, mas não. Ela, simplesmente, virou-se por um instante e sacudiu o cabeludo preguiçoso.
— Vamos, Maurício. Acorda! Preciso da sua ajuda!
— Qual é, Lara? Me deixa dormir – ele resmungou sem nem ao menos se mexer.
— É rapidinho! Só preciso que você tire uma foto minha com a Mari.
Mari? Essa menina me conhece há um dia e já está me chamando por um apelido? Quem ela pensa que é? E como é que ela conseguiu tirar o cabeludo do sono?!!!!
Enquanto eu me perdia nos meus pensamentos, chocada pelas atitudes de Lara, o cabeleira se posicionou na frente da minha mesa e já estava pronto para tirar a foto. Que bruxaria era aquela?
— Mariana, só vou tirar a foto quando você parar de fazer essa cara "lunática do PAS".
— O que você... – a risada da Lara cortou minha ameaça. — Do que você está rindo?
— É que a sua cara realmente estava meio perturbada, Mari! Vamos, melhora isso aê – nisso ela virou minha cabeça com as mãos e o flash da foto me cegou por um instante.
— Nossa, Lara. Por que você usa flash? Acaba com as fotos – Maurício questionou.
— Estava no automático. Geralmente eu não uso também.
— Deixa eu ver como ficou...
— Ei, para de olhar o resto das minhas fotos!
Aí os dois discutiram e me deixaram com a maior cara de pastel. Foi tudo tão rápido, que a minha indignação ainda se processava. E olha que ela é sempre a primeira a aparecer.
O lugar perto da loira sem sal passou a ser atraente...
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No intervalo, comprei um pão de queijo e me sentei no canto de uma das mesas do pátio. Pretendia comê-lo o mais rápido possível e voltar pra sala de aula, mas duas coisas acabariam me atrasando.
A primeira foi meu celular, que fez o sinal de que uma nova mensagem havia chegado. Tirei o aparelho do bolso, sem imaginar de quem seria. Olhei a tela e quase caí pra trás: era de Ian.
Ian era o meu único e melhor amigo. ERA. Nós brigamos alguns dias antes da prova do PAS do ano passado e nunca mais nos falamos.
Quer dizer, ele até que tentou falar comigo. Eu que não quis conversa com ele. Não depois do quanto ele me fez sofrer.
Por um mês, fiz o seguinte: As ligações dele, eu ignorava; os e-mails, apagava; as mensagens, nem lia. Daí ele parou. Na verdade, eu sabia que ele ia passar as férias na casa de um parente no interior de Minas Gerais. Lá, o sinal do celular era fraco e a única lan house funcionava na base da conexão discada. Ou seja, contato limitado com o mundo exterior.
Pelas minhas contas, ele já teria voltado há algumas semanas. Mesmo assim, desde então, ele não havia feito mais nenhuma investida. Já tinha me esquecido da existência dele.
Bom, isso até aquela mensagem.
— Quem é Ian? Seu namorado, Mari? – a voz de Lara me cortou antes que eu apagasse a mensagem dele. Como assim ela lera o destinatário? Há quanto tempo estaria ali?
— Não, apenas um conhecido – respondi e apaguei no ato a mensagem antes que ela tentasse, sei lá, roubar o celular de mim. Pelo que tinha visto hoje, ela seria bem capaz disso.
— Ah! Ex-namorado, então.
Não respondi. Não queria falar sobre aquilo e nem de-via nenhuma explicação a ela.
— Bom, só vim dizer que a nossa foto está fazendo o maior sucesso – ela disse com um sorriso maroto. Iria perguntar do que ela estava falando, mas me lembrei que Lara queria provar para umas amigas coreanas que estudávamos na mesma sala de aula. — Postei no Instagram e já tem mais de três mil curtidas e oitocentos comentários!
— O QUE?
— Pois é. Nem eu acreditei! Acho que é porque você é tipo uma celebridade na internet, né? – daí ela puxou o celular e me mostrou nossa foto com um filtro retrô. — Tem até comentário em russo, olha só!
Esfreguei minhas têmporas para não me descontrolar enquanto ela continuava falando sozinha. A vontade que eu tinha era de gritar para que Lara ficasse longe de mim. Segunda vez no dia que ela invadia meu espaço, que me chamava de "Mari". Eu nem gostava desse apelido. Não combina com a magnitude de Mariana. Mas, obviamente, ela não se importava.
Por um instante senti falta do meu antigo colégio. Lá eu era respeitada. Diria até que as pessoas tinham medo de mim, principalmente quando dava meus olhares mortais, cheios de desprezo. Nunca uma situação dessas aconteceria. Ninguém chegava perto demais de mim, conversava comigo ou tirava fotos minhas sem minha permissão para colocar no Instagram.
Mentira. Havia alguém.
O Ian fazia isso. Era o único que eu permitia a impertinência.
A lembrança dele doeu.
E, então, eu não estava mais tão indignada com Lara. Comparado ao que Ian tinha feito, a loucura dela era completamente aceitável.
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A parede branca do meu quarto
Teen FictionApós ter um vídeo postado no Youtube sobre o surto psicótico que teve durante uma prova, Mariana Vilar virou uma celebridade da internet. Infelizmente, isso não trouxe nenhuma vantagem para a vida dela: foi expulsa do colégio antigo, perdeu o contat...