Capítulo XIV

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Anunciara-se Tadeu de Albuquerque na portaria de Monchique, ao dia seguinte dos anteriores sucessos.

Sua prima, primeira senhora que lhe saiu ao locutório, vinha enxugando as lágrimas de alegria.

- Não cuide que eu choro de aflita, meu primo - disse ela. - O nosso anjo, se Deus quiser, pode salvar-se. Logo de manhã a vi passear por seu pé nos dormitórios. Que diferença de semblante ela tem hoje! Isto, meu primo, é milagre de duas santas que temos inteiras na clausura, e com as quais algumas perfeitas criaturas desta casa se apegaram. Se as melhoras continuarem assim, temos a Teresa; o céu consente que esteja entre nós aquele anjo mais alguns anos...

- Muito folgo com o que me diz, minha boa prima - atalhou o fidalgo. - A minha resolução é levá-la já para Viseu, e lá se restabelecerá com os ares pátrios, que são muito mais sadios que os do Porto.

- É ainda cedo para tão longa e custosa jornada, meu primo. Não vá o senhor cuidar que ela está capaz de se meter ao caminho. Lembre-se que ainda ontem pensamos em encontrá-la hoje morta. Deixe-a estar mais alguns meses; e depois não digo que não leve; mas, por enquanto, não consinto semelhante imprudência.

- Maior imprudência - replicou o velho - é conservá-la no Porto, onde, as estas horas, deve estar o malvado matador de meu sobrinho. Talvez não saiba a prima?... Pois é verdade: o patife do corregedor saiu a campo em defesa dele, e conseguiu que o tribunal da Relação lhe aceitasse a apelação da sentença, passado o prazo da lei; e, não contente com isto, fez que o filho fosse removido para as cadeias do Porto. Eu agora trabalho para que a sentença seja confirmada, e espero consegui-lo; mas, enquanto o assassino aqui estiver, não quero que minha filha esteja no Porto.

- O primo é pai, e eu sou apenas uma parenta - disse a abadessa - cumpra-se a sua vontade. Quer ver a menina, não é assim?

- Quero, se é possível.

- Pois bem, enquanto eu vou chamá-la, queira entrar na primeira grade à sua mão direita, que Teresa lá vai ter.

Avisada Teresa de que seu pai a esperava, instantaneamente a cor sadia que alegrava as senhoras religiosas se demudou na lividez costumada. Quis a tia, vendo-a assim, que ela não saísse do seu quarto, e encarregava-se de espaçar a visita do pai.

- Tem de ser - disse Teresa. - Eu vou, minha tia.

O pai, ao vê-la, estremeceu e enfiou. Esperava mudança, mas não tamanha. Pensou que a não conheceria sem o prevenirem de que ia ver sua filha.

- Como eu te encontro, Teresa! - exclamou ele, comovido. - Por que me não disseste há mais tempo o teu estado?

Teresa sorriu-se, e disse:

- Eu não estou tão mal como as minhas amigas imaginam.

- Terás tu forças para ir comigo para Viseu?

- Não, meu pai; não tenho mesmo forças para lhe dizer em poucas palavras que não torno ao Viseu.

- Porque não, se a tua saúde depender disso?!...

- A minha saúde depende do contrário. Aqui viverei ou morrerei.

- Não é tanto assim, Teresa - replicou Tadeu com dissimulada brandura. - se eu entender que estes ares são nocivos à tua saúde, hás de ir, porque é obrigação minha conduzir e corrigir a tua má sina.

- Está corrigida, meu pai. A morte emenda todos os erros da vida.

- Bem sei; mas eu quero-te viva, e, portanto, recobra forças para o caminho, Logo que tiveres meio dia de jornada, verás como a saúde volta como por milagre.

Amor de Perdição - Camilo Castelo BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora