— A culpa é mais forte do que eu. – Desabafei para Laura, que tinha se sentado comigo, com a Paula e a Giulia no gramado para pegarmos sol.
— Amiga, relaxa, todo mundo aqui já fez isso! – Ela riu. – Vai dizer que você nunca?
— Claro que já! – Exclamei – Mas em aulas chatas como matemática e física, não em aulas boas.
Considerando a natureza da competição era quase idiota considerar o que eu fizera um crime, mas era como eu me sentia por ter passado parte da segunda e toda a terceira aula fazendo rascunhos sobre o livro que eu criara ontem.
O tema da Luly Trigo não ser exatamente a minha praia não me dava o direito de ignorá-la. Principalmente porque ela era a pessoa não mineira mais fofa de todo o universo.
— Sério? – Giulia virou-se de bruços e apoiou a cabeça nos braços para me olhar – Eu sempre fiz isso nas aulas de português. Ninguém nunca poderia me acusar de estar fazendo coisas alheias a matéria, sabe? O seu caso é praticamente a mesma coisa, Ari.
Desisti de ficar sentada e, após me ajeitar, joguei o corpo para trás, apoiando a cabeça no colo da Paula.
— Falando em coisas mais fortes do que eu, Ariana, acho bom te informar que eu tenho uma mania de fazer cafuné em qualquer um que fique deitado no meu colo. – Ela alertou, colocando as mãos pra cima – Nem percebo quando começo a fazer de tão natural que é, e eu não sei se eu... anh... posso mexer no seu?
A afirmação acabou soando com uma pergunta e, pela expressão no seu rosto, eu sabia que ela estava com medo de ter me ofendido de alguma forma por não saber como se referir ao meu cabelo crespo.
Dei um sorriso para mostrar que o comentário não fora ofensivo. Bem pelo contrário, eu teria tido um treco se ela tivesse enfiado os dedos ali no meio, pois o carinho acabaria me deixando mais descabelada que a Maria Bethânia.
Okay, isso foi exagero. Não é possível ficar pior do que Maria Bethânia.
— Obrigada pelo aviso, amiga. Mesmo. – Fui andando de joelhos até Giulia para encostar a minha cabeça nas suas costas, um lugar seguro – Você não faz ideia do tempo que eu perco arrumando ele.
O "muito tempo", na verdade, seria comparando com os minutos que ela gasta com os seus cabelos lisos e curtos. O meu gasto não parece nada comparado ao tempo que eu perdia quando os alisava na adolescência.
Eu nutri um ódio enorme pelos meus cabelos quando criança. Das poucas memórias que guardo dessa época, me lembro de ficar magoada por ser tão diferente, por parecer descabelada perto das outras garotas que estudavam comigo e de como uma amiguinha minha me disse que eu não podia fazer uma festa da minha princesa preferida, a Branca de Neve.
E de nenhuma princesa, no caso. Fiquei tão brava que, no aniversário dela, – da Branca de Neve, aliás, aquela invejosa – fiquei uma semana enchendo o saco da minha mãe para me deixar alisar os cabelos e ir vestida de Jasmine.
Aquilo me trouxe os grandes vícios da minha adolescência: Aladdin e alisamento. O primeiro por ser incrível e o segundo por me deixar mais parecida com as outras garotas.
Me ver tão realizada e feliz – mesmo tendo a pele mais escura que a da Jasmine – fez a minha mãe comprar vários produtos e alisar o meu cabelo sempre que eu ia sair de casa, o que levava mais de uma hora.
A economia de tempo, claro, não era o motivo que me fizera parar com aquela autodepreciação e assumir os meus cachos, mas era um ótimo bônus, mesmo agora que eu me sentia tão bem com a minha identidade que não me importava em gastar tempo algumas vezes.
— Creio que isso seja um "não, eu não posso tocar no seu cabelo". – Paula falou em tom de pergunta. Eu assenti.
— A não ser que você o faça antes de eu arrumá-los. Ou antes de eu ir dormir. – Os olhos dela brilharam como os de uma criancinha e eu sabia que aquilo tinha se tornado um convite, embora a oficialização tenha vindo de Giulia.
— Noite das meninas! Espero que você não pretenda ficar escrevendo.
Eu pretendia pesquisar nomes para o meu personagem principal, que ainda não tinha achado interessante se apresentar, mas podia ser deixado para depois.
Talvez se eu o escrever com o pseudônimo "Gasparzinho" deixe-o irritado suficiente para ele me contar mais sobre si mesmo.
— Vou ver se está tudo bem pela Karina e Lizzie – Ao pegar o celular para mandar uma mensagem para a segunda, notei que já eram dez para às cinco – Está quase na hora do lanche, não querem ir?
Nossa, hora do lanche. Sério, Ariana? Nenhum termo melhor?
Por algum motivo estranho nenhuma delas zoou o termo, só concordaram e se levantaram falando do quanto amavam comida. Se eu fizesse isso na minha faculdade estaria fadada a ouvir a música da Eliana por quase uma semana em todo intervalo.
Passando pela área que ficava na piscina, comecei a me perguntar se algum dia nos deixariam nadar ali. Gasparzinho, o personagem camarada, fazia natação e ia para a água sempre que precisava pensar mais claramente, o que poderia me ajudar muito.
No raso, pelo menos, porque eu não sabia nadar. Mal e mal improviso um nado cachorrinho.
A cidade aonde a minha história se passava era fria, a única forma que ele tinha de nadar era no centro esportivo de lá, que tinha licença de ter uma piscina aquecida. Todos os cidadãos tinham acesso ao aquecimento a gás e, para isso, o governo precisava controlar o uso, não permitindo luxos distribuídos desigualmente.
Okay, eu estava criando uma distopia. Era um lugar pós guerra, com certeza.
Ouvi alguém estalar os dedos no meu ouvido.
— Terra para Ariana. Alô-ô. – A voz grossa do André invadiu os meus ouvidos junto com uma risada rouca que eu tenho certeza já ter ouvido várias vezes –- Você sempre é tão distraída assim?
— Ela está com um enredo fresco na cabeça. – Explicou Laura, que estava com o braço enganchado no meu. Quando isso aconteceu?
— Ah. – Ele falou, prolongadamente, em entendimento. – Faz muito sentido. Sua vaca!
— O que eu fiz? – Perguntei, assustada. Ainda estava um pouco aérea a situação e comecei a olhar em volta, tentando recuperar a memória do trajeto desde a piscina até a entrada do castelo.
— Está em vantagem sobre... – De repente eu parei de ouvir. No caminho para eu me localizar, acabei notando o cara que estava ao lado dele e isso estragou todo o meu trajeto de volta para o mundo real.
Ele tinha pelo menos um metro e noventa de altura e era bem magro. Estava usando um jeans e uma camiseta de Star Wars cujo desenho dos pelos do Chewbacca terminavam bem próximos das pontas do seu cabelo, que iam até um pouco abaixo da clavícula. Sua pele era pálida, o rosto comprido e os seus olhos verdes, junto com a testa franzida, entregavam a frase "Porra, porque essa garota está me encarando?".
Tinha sido ele quem tinha rido agora pouco e era por isso que eu conhecia a voz.
Querido personagem, quando eu comecei a te chamar de "Gasparzinho" para te irritar foi para você me dar o seu nome, não aparecer na minha frente em carne e osso.
Ai meu Jesusinho.
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110 ESTRELINHAS!!!!!! Socorro!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Estou tão boba por ter chego nisso com cinco capítulos postados! Vocês são leitores tão lindos e eu quero apertar todos e agradecer saltitando. Muuuuuuuuuuuuuuuuuito obrigada <3
Finalmente decidi parar de enrolar com esse capítulo e postar de uma vez. Queria que a conversa não fosse tão boba, que o "Bozo" não aparecesse tão do nada e, principalmente, falar mais sobre a adolescência da Ariana! Foi uma fase que afeta e muito na personalidade dela hoje e eu acho importantíssimo falar sobre.
Sintam-se abraçados por mim, tá? :*
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Empatia [DEGUSTAÇÃO]
Ficção AdolescenteJá imaginou o que se passa na cabeça de um escritor? Ariana está no meio do processo criativo do seu novo livro e, por mais que sempre tenha sido muito boa em fazer personagens, está tendo sérios problemas com o seu protagonista atual... desde que o...