O arquipélago de Akai Ken é uma terra cuja beleza rivaliza apenas com os grandes mistérios que cercam sua história e seu povo.
Recebendo o crédito de ser o centro da criação em meio ao infinito oceano, Akai Ken já foi o lar de incontáveis seres místicos, os quais, com o passar dos milênios, foram gradualmente desaparecendo do convívio dos homens até finalmente se tornarem objetos de lendas. Hoje, os homens, senhores da guerra e da intriga, movidos por sua esperança e ambição, é que moldam as terras conforme seus desígnios.
Mas se de um lado os homens alteram a face daquelas terras a fim de satisfazer seus caprichos, do outro, as forças místicas por trás da natureza do mundo movem a crença deles através de seus títeres, rumo a propósitos dos quais eles não possuem sequer a mais remota compreensão.
Trata-se de uma dança milenar, cujo clímax está perto de ser alcançado.
Outro movimento do destino do mundo ocorreu desta vez no norte, em uma região evitada por todos aqueles que prezam suas vidas. Sob as sombras das montanhas Hyuraiy, os caminhos de dois agentes de senhores rivais se cruzaram ao tentarem seguir por um atalho no retorno de suas respectivas missões.
Kiraka, a letal kunoichi, e Satoshi um honrado e devotado andarilho. Não foram precisas palavras ou detalhes, a intuição de ambos lhes disse que estavam diante do inimigo.
A lança de Kiraka cortou o ar em um sutil movimento, mas a espada de Satoshi foi igualmente veloz na busca pela vida da adversária. Os passos precisos marcaram a neve incontáveis vezes. O choque das armas ecoou pelos ares, amplificado pelos vales entre as montanhas.
Horas se passaram sem que nenhum dos dois fosse capaz de ceifar a vida do inimigo. O cansaço começava pressionar seus corpos e prejudicar suas habilidades. Ambos sabiam que era hora de arriscar; colocar a própria vida perante a lâmina do inimigo a fim de obter a abertura necessária para um golpe certeiro.
Os dois se dispuseram a correr o mesmo risco. Kiraka saltou sobre Satoshi, enquanto que ele, agachado, deixou sua katana a postos esperando que a kunoichi caísse sobre si para só então se erguer, como um predador dando seu bote.
As primeiras gotas de sangue desde que o combate começara mancharam a neve.
Kiraka recebeu um corte na coxa direita, o mesmo lado da face de Satoshi que acabou marcado pela lança da impiedosa inimiga.
A dança mortal prosseguiu à medida que o soprar do vento aumentava gradativamente. A dor e o frio eram ignorados pelos combatentes, que àquela hora já haviam se tornado um com suas armas. Tratava-se de um esforço duplo, de um lado a mente tinha de antecipar todos os movimentos do inimigo, calcular a reação e prever seu resultado, do outro, o corpo devia estar pronto para, por reflexo, realizar o movimento correto.
Logo, o som das lâminas se chocando começou a se misturar ao uivo do vento, que trazia consigo os primeiros flocos de neve.
Por mais que se esforçassem, estava claro que as habilidades de ambos se equiparavam ao ponto de se anularem. Embora pudessem se ferir como consequência de um movimento arriscado, os dois não eram capazes de tirar a vida um do outro.
O uivo do vento já havia há muito superado os sons do embate. A neve, agora soprando freneticamente pelos ares já quase bloqueava a visão dos guerreiros.
Subitamente o combate foi interrompido. Com as armas abaixadas, Kiraka e Satoshi contemplaram a tempestade de neve que se formava. Eles poderiam prosseguir com a luta, e morrer sob a neve, ou aceitar uma trégua e sobreviver para resolver a questão em outro momento. Uma simples troca de olhar bastou para selar a decisão.
Oferecendo seu corpo como amparo à Kiraka, que caminhava com dificuldade por conta da perna ferida, Satoshi se apressou até uma caverna próxima, enquanto a tempestade se avultava ao seu redor.
O local claramente servira de abrigo a outros viajantes no passado, o que era indicado pelos pedaços de lenha estocados em uma pequena alcova e pelos restos de uma antiga fogueira no centro. Ali eles acenderam o fogo e aguardaram.
Durante três dias e três noites a tempestade assolou as Hyuraiy. Enquanto isso, Kiraka e Satoshi sobreviveram por meio das provisões estocadas. O confronto havia cessado e, aos olhos de um espectador comum, ambos pareceriam dois companheiros de viagem. Um guerreiro experiente, porém, que testemunhasse a cena, perceberia a tensão ali presente. As armas, embora embainhadas ou aparentemente colocadas de lado, estavam prontas a ser desembainhadas ao menor sinal de provocação, assim como as mãos que as empunhariam.
Assim como no embate, palavras eram desnecessárias, e apenas o imprescindível foi dito entre eles.
Antes que a tempestade chegasse ao fim, porém, algo aconteceu. Talvez tenha sido o respeito que cada um despertara no outro através de suas habilidades, ou ainda a saudade do lar. É possível que tenha sido apenas o instinto puramente físico, despertado pela presença do sexo oposto sob o calor da fogueira. Ignorando o perigo e deixando de lado suas lealdades, Kiraka e Satoshi entregaram-se um ao outro.
A tempestade havia passado, mas eles optaram por permanecer na caverna. Durante o período ambos revezavam entre caçar e apanhar lenha. Algumas semanas depois, os primeiros sintomas se manifestaram em Kiraka: ela estava grávida.
Os dois decidiram então estender sua permanência na caverna até que o bebê nascesse. Eles haviam sido bem sucedidos em suas missões particulares, portanto não se preocupavam com o que seus senhores achariam da demora. Poderiam alegar (não uma total mentira) que se depararam com empecilhos no trajeto de volta. Ademais, tanto Kiraka quanto Satoshi eram demasiadamente preciosos para seus senhores para que o fato fosse visto como um desabono.
Sete meses depois, Kiraka deu a luz a um garoto. No dia seguinte a kunoichi partiu sem olhar para trás, deixando o bebê aos cuidados de Satoshi.

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Akai Ken
AvontuurAkai Ken é um arquipélago governado por vários daimiôs e shoguns em conflitos constantes. Em meio às intrigas que regem aquelas terras, um jovem ronin se depara com o retorno de antigas forças místicas e embarca em uma jornada por honra e sobrevivên...