3. Prometeu

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Prometeu era um jovem Titã que não tinha lá muito respeito por Zeus. Embora
soubesse que o soberano dos céus se irritava quando lhe faziam perguntas muito
diretas, não hesitava em confrontá-lo sempre que queria saber alguma coisa.
Certa manhã, dirigiu-se a Zeus e disse: — Oh, grande Senhor dos Raios, não
compreendo seu propósito. O senhor colocou a raça humana sobre a Terra, mas
insiste em mantê-la na ignorância e na escuridão.
— Da raça humana cuido eu — respondeu Zeus. — O que você chama de
ignorância é inocência. O que você chama de escuridão é a sombra da minha
vontade. Os mortais estão felizes como estão. E foram concebidos de tal forma que
vão continuar felizes até que alguém os convença do contrário. Para mim esse
assunto está encerrado.
Mas Prometeu continuou: — Olhe para a Terra. Olhe para os homens. Eles vivem
nas cavernas, andam à mercê dos animais selvagens e das mudanças do tempo.
Comem carne crua! Se existe algum propósito nisso, eu imploro, diga-me qual é! Por que o senhor se recusa a dar aos homens o dom do fogo?
Zeus respondeu: — Por acaso você não sabe, jovem Prometeu, que para cada
dom existe uma punição? É assim que as Moiras fiam o destino, ao qual até mesmo
os deuses devem se submeter. Os mortais não conhecem o fogo, é verdade, nem os
ofícios que dele advêm. Por outro lado, também não conhecem a doença, a velhice,
a guerra, nem aquela peste interior chamada preocupação. Acredite em mim, eles
estão felizes sem o fogo. E assim devem permanecer.
— Felizes como os animais — argumentou Prometeu. — Qual é o sentido de criar
os humanos e fazer deles uma raça distinta, dotando-os de escassa pelagem, de
certa inteligência e do curioso charme da imprevisibilidade? Se devem viver dessa
maneira, por que separá-los dos animais?
— Os humanos têm ainda outra qualidade — disse Zeus. — Eles possuem o dom
da adoração: uma predisposição para admirar nosso poder, para ficar intrigados
diante de nossos enigmas, para se maravilhar diante de nossos caprichos. Foi para
isso que foram criados.
— Mas não ficariam mais interessantes se dominassem o fogo e criassem
maravilhas com ele?
— Mais interessantes, talvez, porém infinitamente mais perigosos. Pois os
humanos contam ainda com mais esta característica: a vaidade, um orgulho próprio
que ao menor estímulo pode adquirir proporções descomunais. Dê a eles o
progresso e eles imediatamente se esquecerão daquilo que os torna seres assim tão
aprazíveis: a humildade, a disposição para adorar. Vão ficar todos cheios de si e vão
começar a se considerar deuses também. Correremos o risco de vê-los bem aqui, à
nossa porta, prontos para invadir o Olimpo. Agora chega, Prometeu! Tenho sido
paciente com você, mas minha paciência tem limites! Agora vá embora, e não me
perturbe mais com suas especulações.
Prometeu não se deu por satisfeito. Passou toda aquela noite acordado, fazendo
planos. Na madrugada, levantou-se de seu sofá e, pé ante pé, atravessou o Olimpo.
Segurava um caniço dentro do qual havia um pavio de fibras secas. Assim que
chegou à beira do monte, esticou o braço em direção ao horizonte leste — onde
brilhavam os primeiros raios de sol — e deixou que o pavio se acendesse no fogo.
Em seguida, escondeu o caniço em sua túnica e desceu à Terra.
De início, os homens ficaram assustados com o presente. Era tão quente, tão
fugaz... Não se deixava tocar e, por puro capricho, fazia dançar as sombras que
criava sobre o chão. Eles agradeceram a Prometeu e pediram que ele levasse o presente de volta. Mas Prometeu buscou a carne de um cervo que havia acabado de
ser caçado e a segurou sobre o fogo. Quando a carne começou a assar e a crepitar,
impregnando a caverna com seu cheiro delicioso, as pessoas se deixaram levar pela
fome e se lançaram sobre o assado, devorando-o voluptuosamente e queimando a
língua.
— Isto que trouxe de presente chama-se “fogo” — explicou Prometeu. — Trata-se
de um espírito indomável, um pequeno irmão do sol. Mas, se for tratado com
cuidado, poderá mudar a vida de toda a humanidade. Também é um espírito guloso;
vocês devem alimentá-lo com galhos e folhas, porém somente até que ele atinja um
tamanho adequado. Depois disso, não o alimentem mais, ou ele devora tudo o que
estiver ao seu alcance, inclusive vocês. Somente uma coisa será capaz de detê-lo: a
água. O espírito do fogo teme o espírito da água. Se for tocado pela água, ele
desaparece até que seja chamado novamente.
Prometeu saiu da caverna onde estava e deixou ali uma fogueira acesa.
Criancinhas com olhos arregalados se juntaram em torno da novidade. Em seguida,
percorreu todas as cavernas sobre a face da Terra e repetiu o mesmo discurso.
Algum tempo depois, Zeus olhou do alto do Olimpo e ficou perplexo. Tudo havia
mudado. Os homens haviam deixado suas cavernas. Zeus viu cabanas de
lenhadores, fazendas, vilarejos, cidades muradas, e até mesmo um castelo ou dois.
Os homens cozinhavam seus alimentos e carregavam tochas para iluminar seu
caminho à noite. No interior de oficinas flamejantes, fabricavam cochos, quilhas,
espadas e lanças. Construíam navios e costuravam velas, ousando se aproveitar da
fúria dos ventos para se locomover. Usavam capacetes e travavam batalhas
montados em bigas, assim como faziam os próprios deuses.
Zeus ficou furioso e imediatamente apanhou o maior raio de que dispunha. — Se
eles querem fogo — disse a si mesmo —, então fogo eles terão! E muito mais do
que pediram! Vou transformar aquele mísero planeta que eles chamam de Terra em
um monte de cinzas! — Mas, de repente, uma ideia surgiu em sua mente e Zeus
baixou o braço. — Além de vingança — prosseguiu —, quero diversão! Que eles se
destruam com suas próprias mãos e suas próprias descobertas! Vai ser um
espetáculo longo, muito interessante de se ver! Deles posso cuidar depois. Meu
assunto agora é com Prometeu!
Zeus chamou seu exército de gigantes e ordenou que eles prendessem Prometeu,
o levassem até o Cáucaso e o amarrassem ao pico de uma montanha com correntes
tão fortes — especialmente forjadas por Hefesto — que nem um Titã em fúria seria capaz de arrebentá-las. Feito isso, chamou dois abutres e mandou que eles
comessem lentamente o fígado daquele obstinado amigo dos mortais.
Os homens sabiam que algo de terrível acontecia na tal montanha, mas não
sabiam exatamente o quê. O vento uivava como um gigante atormentado e, às
vezes, gritava como as aves de rapina.
Prometeu permaneceu ali durante muitos séculos, até nascer outro herói
suficientemente corajoso para desafiar os deuses. Esse herói foi Héracles, que subiu
até a montanha, cortou as correntes que prendiam Prometeu e matou os abutres.

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