2 - Pesadelo

235 43 26
                                    

Luana se protegia do frio, enrolada em seu cobertor. Lá fora, uma tempestade castigava a cidade. Sua mãe estava em mais uma festa, em seu momento de luto que era um tanto quanto diferente, se comparado ao que se espera de uma recém-viúva.

Trancada em seu quarto, ouvindo a chuva bater furiosa no telhado, Luana tentava se distrair com o celular. Via o clarão dos relâmpagos invadir sua janela, criando formas assustadoras nas paredes, mesmo que só por alguns momentos, enquanto trovões tentavam encobrir o barulho da tempestade. Detestava ficar sozinha, mas sem namorado e sem certa habilidade para fazer amigos, não havia outra forma.

Outro relâmpago clareou o quarto; a luz do banheiro — ligada para deixá-la mais tranquila — falhou enquanto um estrondoso trovão estremeceu as paredes da casa. Seu maior medo era algum ladrão entrar ali e ter outras ideias além de um simples roubo. Mas quem vai roubar numa chuva dessas, ein?

Um estouro alto e o barulho de fios energizados vieram da rua. Tudo ficou escuro. Luana soltou um gritinho. O portão tá trancado e a maior chuva tá caindo lá fora. Vá dormir Luana, vá dormir pois amanhã o dia começa é cedo!

Colocou o celular no criado-mudo e se aconchegou na cama. O sono veio rápido, mas Luana não parecia estar em um lugar feliz. Se revirava de um lado para o outro, não conseguindo se decidir entre chutar o cobertor para longe ou tentar ficar embaixo dele, os trovões continuavam, invadindo o seu sonho e fazendo moradia. Um deles foi alto o suficiente para ela despertar. Sentou-se de imediato, sentindo o ar lhe faltar.

Outro relâmpago, agora formando uma silhueta no banheiro. Ouviu passos, passos doloridos, difíceis. Uma perna era mais rápida, porém vacilava; a outra seguia se arrastando em intervalos maiores, sempre acompanhada de um gemido ofegante, quase um sussurro.

— T-Tem alguém aí?

Apenas o gemido como resposta. Os passos continuaram como antes, se aproximando mais e mais, a ponto dela querer gritar. Então pararam. Luana pensou que estava apenas ouvindo coisas, que aquilo era bobagem. Já estava aliviada.

Um relâmpago iluminou um rosto quase colado ao de Luana. Coberto de feridas, escorrendo sangue por diversos lugares e com o maxilar deslocado.

— Por que não dá um abraço no Papai? — Tentava, inutilmente, alcançar aquele mesmo tom que fazia desde que Luana era apenas um bebê.

Ela acordou gritando. Afinal, tudo não passava de um pesadelo. Claro que é um pesadelo. Meu pai morreu, que Deus o tenha, e mortos não voltam à vida...

Claro que não voltam.

Assim que se acalmou, ela percebeu que o celular iluminava o quarto. Pegou para checar e viu o flash ligado. Estava gravando há alguns minutos. Parou a gravação e resolveu ver o que estava lá. A imagem era escura, apesar do flash, e o som — com a chuva e os trovões ao fundo —, confuso. Se perguntava por que havia gravado aquilo, mas as perguntas se calaram quando o vídeo mostrou o rosto deformado, escorrendo sangue... seu pai.

— Por que não dá um abraço no Papai? — Dizia a gravação repetidamente, até o celular se despedaçar na parede.

FIM

Contos de Um QuandoOnde histórias criam vida. Descubra agora