3 - Do Sono Ao Pesadelo

204 30 21
                                    

O ônibus balançava, mas nada tomava os breves cochilos de Diego Sampaio. O casal que discutiu perto dele, os vendedores ambulantes que anunciavam seus produtos e o cutucavam, nada disso o fez sequer levantar a cabeça.

Aquela rotina acabaria com sua vida, mas não havia como escapar.

Estava até o pescoço com trabalhos da faculdade e passava a tarde e parte da noite em seu emprego, deixando as madrugadas para os estudos. Os dias em que dormia pelo menos três horas em sua cama eram luxuosos.

Aproveitava aqueles minutos de sono, mas se encolheu e tremeu ao sentir uma mão gelada em seu ombro. Abriu os olhos em um pulo, não havia mais passageiros. O cobrador conferia o dinheiro da viagem enquanto o motorista seguia por uma estrada longa e escura.

— Ei! Onde a gente tá?

— Indo pra garagem — respondeu o cobrador, bufando.

Diego desceu depois de quase implorar ao motorista. O lugar era deserto e pouco iluminado pelas luzes amareladas dos postes. Calculou que talvez gastaria uns 30 minutos até sua casa. Talvez menos, se percebesse alguém o seguindo. Não era uma região muito segura à luz do dia, quase meia-noite, então, costumava ser pior.

Já estava acostumado. Não era a primeira vez que perdia o ponto. Os últimos meses estavam sendo uma loucura e Diego funcionava praticamente no automático. Às vezes não acreditava como conseguia encarar faculdade, trabalho e os estudos em casa, mas era isso ou passar a vida em um emprego de merda no shopping ou limpando banheiros em alguma empresa terceirizada pelo governo. Não que a faculdade desse garantias de salvação — cursava Direito —, mas seria algo a mais no currículo.

Olhava para trás constantemente enquanto caminhava. Já fora assaltado na mesma situação, então aprendeu a desconfiar de todos que visse na rua depois das onze da noite.

À sua esquerda só havia mato e luzes de uma cidade distante; à direita, grandes muros que protegiam galpões. Estava tudo deserto e enquanto continuasse assim, acharia ótimo. Não suportava a ideia de ter que comprar mais um celular ou uma carteira.

Os trinta minutos que estava gastando naquela caminhada o perturbavam, sua cabeça estava uma bagunça, tentando organizar as informações de um dia cansativo... Pensava em largar o emprego todo dia; sentia inveja daqueles malditos riquinhos da faculdade.

Apenas... chegar... em casa.

Diego estava cansado de andar tão estressado e estressado por estar tão cansado. Nem queria imaginar como seriam os próximos semestres, com o emprego e a faculdade o cercando ainda mais.

Alguns colegas da faculdade chegaram a comentar sobre drogas que poderiam mantê-lo acordado, mas ele não era desse tipo. Era o sujeito caretão, daqueles que se sentam nas cadeiras da frente.

Finalmente havia chegado em casa. Comeu algo sem mastigar direito, pegou seus livros e estudou para a prova do dia seguinte. Dormiu como na maioria das noites: um breve cochilo

***

Levantou mal-humorado, como sempre, tomou um banho rápido, pegou a mochila, guardou a marmita e colocou seu sorriso falso no rosto.

No metrô, a caminho da faculdade, uma velha senhora passou a encarar Diego — estava acostumado; as pessoas confundiam seu olhar de sono com os de um viciado. — De repente, a senhora caminhou em sua direção, o olhar vazio e um sorriso estranho no canto da boca.

Ele abaixou a cabeça, esfregou o rosto e olhou novamente. Ela não estava mais lá. Diego ficou apavorado. Não podia se dar ao luxo de ter alucinações, principalmente no metrô, onde via praticamente as mesmas pessoas todos os dias. Bastava seus olhos fundos e cansados para chamar atenção.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 01, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Contos de Um QuandoOnde histórias criam vida. Descubra agora