Capítulo 3

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Mantinha os olhos fechados sentindo o vento acariciar meu rosto, cheiros diversos se faziam presentes e dentre eles um que eu reconheceria até em mil anos. Abri os olhos lentamente para que a luz não me deixasse tão cega. Levantei do chão do parque que Leo sempre me levava e o vi sorrindo ao longe, me chamando. Não demorei em nada para começar a correr na sua direção, ele tinha um sorriso brincalhão em seu rosto e isso me animava a ir cada vez mais de encontro a ele, mas ele parecia querer brincar e entrou correndo para o bosque ao lado do parque. O segui adentrando cada vez mais aquele bosque, apesar de galhos me arranharem como se quisessem que eu não fizesse aquilo e então comecei a me sentir estranha cada vez mais, enquanto adentrava aquele lugar que cada vez ficava mais denso, escuro e um tanto tenebroso, e um medo começou a se apossar de mim quando perdi Leo do meu campo de visão.

Eu varri a imensidão ao meu redor em busca dele, mas nada. E mesmo assim, adentrei mais o bosque, até que tropecei em algo e cai de joelhos. Me encostei no tronco de uma árvore e fechei os olhos, comecei a respirar lentamente pensando que aquilo era só um sonho, que logo eu estaria acordada. Mas então eu o ouvi, ele chamou meu nome docemente e senti aquele som como uma breve e provocante caricia, me trazendo de volta a tona. Abri os olhos e o vi, apesar de já estar anoitecendo. Ele esticava a mão, como um convite. Me levantei e fui em sua direção. Contente. Alegre. Mas quando eu estava prestes a pega-la, ele voltou a correr e me vi obrigada a segui-lo. Após o que se passaram minutos, ele parou em frente a um pequeno casebre e virou-se para me olhar desafiadoramente, me desafiando a segui-lo como sempre fazia. Antes que eu pudesse dizer algo, ele simplesmente adentrou aquele pequeno cômodo. O segui e ao pisar na varanda daquele lugar, senti algo tão devastador e ao mesmo tempo tão familiar. Eu conhecia aquele lugar, algo me dizia isso em meu íntimo. E a única vontade que eu tinha era sair correndo dali, como uma criança assustada. Mas meus pés se moviam involuntariamente para dentro, era como se eu já não tivesse mais controle sobre me corpo. Como se eu estivesse sendo sugada, para aquele ambiente tão familiar, que me apavorava, que eu sabia que coisas ruins residiam sobre aquelas paredes.

Ao adentrar, pude notar que um corredor seguia-se a minha frente e a cada passo dado, o assoalho gemia como se avisasse minha presença a quem quer que estivesse ali. Segui andando e apesar do medo, minha cabeça continuava erguida. Com o canto do olho eu pude perceber movimentos ao meu redor, dentro dos quartos. Cada vez mais o pânico tomando conta, enquanto eu travava uma inútil batalha com o meu corpo. Eu gritava por socorro e esperneava no meu interior, mas meu corpo continuava ereto dando passos sem minha permissão por fora.

Naquele corredor, ao final dele para ser mais exata, havia uma porta que graças a outra porta aberta a sua esquerda com uma iluminação fraca foi que consegui enxerga-la e distingui-la. Minha boca já estava começando a ficar seca, meu corpo tinha leves tremores, suava, eu engolia em seco pelo medo que gritava agoniado pedindo que eu voltasse, voltasse para o que quer que seja o resto da minha vida. Um sopro vindo de trás fez meu corpo dar um pequeno salto e com ele arrepios em todo meu corpo inclusive por toda minha espinha quase me paralisou, se não fosse pela coragem que tinha certeza que não fazia parte de mim, me domasse eu não sei o que aconteceria. Mais alguns passos acusados pelo assoalho, mais alguns passos dado pela minha falsa coragem e então já de frente para a porta tão envelhecida do tempo e com algumas rachaduras, me arrisquei a olhar para trás vendo nada mais do que escuridão. Engoli em seco pela enésima vez e abri a porta entrando, agora seguida pela minha curiosidade. Me deparei com 6 espelhos a minha frente, todos muito bem arrumados e ambos de uma época tão distante quanto posso lembrar. Gritei quando a porta foi fechada com tamanha violência pelo vento e velas foram acessas me revelando pouco a pouco o cômodo desgastado pelos anos, pelas chuvas e pelos cupins, mas então em um dos espelhos algo me chamou a atenção.

Conforme me aproximei, pude ver um reflexo que não era meu, pois a minha frente estava uma latina dos olhos escuros como a noite assim como os cabelos que caíam em suas costas como cascata e suas vestes eram a de alguém hospitalizado ou de algo parecido. Tinha um leve corte em seus lábios carnudos e fartos os deixando mais inchados, em seus braços e pernas marcas arroxeadas de mãos e a sua volta estava repleta de sangue. Nossos olhares se cruzaram, os dela transparecendo apenas medo e de alguma forma um tanto insano. Me senti conectada com aquela garota, em seus olhos havia apenas o vazio quando um barulho de porta abrindo ecoou. Olhei para trás, mas a porta permanecia lá parada intacta e quando voltei a prestar atenção a minha frente, havia algo atrás da garota, alguém mais alto e sem um rosto definido. Tentei ir em sua direção, porém senti mãos me agarrando pela cintura ao mesmo tempo que acontecia no reflexo, meus joelhos dobraram quando o vulto fez o mesmo e então senti-me violada em meu íntimo, mas olhando ao redor nada acontecia. O reflexo estava sendo meu fim, o terror começava a crescer cada vez mais dentro de mim sentindo o ar parar de circular em meu corpo quando senti algo me segurar e no instante que virei do espelho o reflexo agora destorcido daquela garota agarrava meu pé.

Ao olhar nos olhos daquela garota, pude ver o terror e o medo que lhe assolavam. Eu já arfava e por mais que tentasse me acalmar e me soltar eu não conseguia, seu toque era como ferro em brasa. Doloroso demais.

Olhei para cima, em direção a meu único escape, mas ao ver que um tipo de escuridão pavorosa cada vez mais se assomava sobre o quarto, soube que eu não tinha como sair. E minha única esperança se esvaiu. Relutante voltei meus olhos para a desconhecida e ao encara-la, o ar me faltou totalmente. No lugar onde antes haviam olhos negros como a noite, haviam olhos tão conhecidos e apavorados. Ali estava o meu triste reflexo.

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